terça-feira, 13 de outubro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 3

Continuando...
          
           Parecia que ia ser fácil resgatar os quatro, mas a situação se apresentou muito complicada. Ninguém conseguia puxá-los pelas mãos. Depois de algum tempo, numa tentativa quase em vão, o comandante se lembrou que tinha em algum lugar, uma escada de corda. Não achou rápido. Parecia que ele estava se deliciando com aquela confusão toda. Sabia desde o início que tinha a tal escada. Mas finalmente eles conseguiram subir. Tremiam de frio. Estavam quase congelados. O comandante assim mesmo, recebeu-os com baldes de água. Infelizmente não podia ser de outra forma. O fedor era insuportável. Carlos devia ter jantado um prato de carniça e cagado um cadáver em alto estado de decomposição. Mas, “entre mortos e feridos, salvaram-se todos”.
           Foi muita água para limpar aquilo tudo. Só o fedor é que parecia não ter fim. Eles estavam impregnados. O comandante apareceu com dois litros de cachaça. Deu um gole para cada um de nós e depois encharcou um pano e começou a esfregar neles. Com esse paliativo, já se podia ficar mais perto deles. Mas o ar continuava pesado. O fedor que saia do mar, estava insuportável. A cana que sobrou, deu para mais uma rodada. Depois continuamos com cerveja. Comer é que ninguém arriscou. O estomago não estava preparado. Nem ousamos respirar fundo. Cada um mantinha uma camisa enrolada no nariz. Carlos olhava pra gente com a culpa em cima dos ombros. Custou a falar alguma coisa. Mas pediu desculpas. Como não tinha jeito, todo mundo desculpou, mas sem tirar a camisa do rosto.
           Parecia que o mar estava paralisado. O oceano não se movia. Nem uma ondinha para espalhar aquela massa marrom que rodeava o barco. Estava todo mundo mudo. Mas rezávamos para que viesse pelo menos um ventinho. Mas nada. O ar continuava pesado. O fedor não se dissolvia. Quem visse aquele grupo de mascarados, com certeza iria achar que iríamos para alguma passeata. Quebrar alguma coisa, reivindicar coisa nenhuma... Quem não mostra a cara, não quer coisa séria. Vai que é um deputado, senador e etc, que estão ali por baixo dos panos! Já estão tão acostumados a fazer as coisas por debaixo dos panos, que isso seria normal. Estou me lembrando que foram para as ruas várias vezes. Pedir o quê? Quando o nosso ex-ministro do supremo foi forçado a antecipar a sua aposentadoria, ninguém se manifestou. Até ameaçado de morte ele foi. E os mascarados? Continuaram sem mostrar as caras. Quem está financiando tudo isso? Onde nós estávamos infelizmente tínhamos que nos esconder. Ficamos em silêncio por muito tempo. Ninguém tinha coragem de falar ou até de se mexer. Demorou bastante tempo para que alguém quebrasse o gelo.
          -Aí gente! Viemos aqui para pescar ou para se calar?
          Era Teo que tentava despertar a gente, novamente para o único objetivo de estarmos ali: pescar. Ninguém falou nada, mas automaticamente todos jogaram suas linhas dentro d’água, mesmo vendo aquela água marrom. Ficamos ali por mais de duas horas, sem um peixe sequer beliscar um anzol. Ali estava explicado à falta de peixes: a cagada de Carlos. Os peixes fugiram desesperados. Foi uma fuga em massa. Preferi não comentar, para não deixar o cara mais triste do que já estava. Lentamente fomos tirando a camisa da cara. Aos poucos o pulmão foi se acostumando com o fedor. Voltamos até a trocar algumas palavras. Enquanto procurávamos uma saída para a situação, um barco se aproximou.
          -E aí amigos! Pescaram alguma coisa?
         Respondemos quase que em coro, um não bem sonoro.
          -Nãaaooo!
         O cara deu um sorriso e acrescentou.
          -Até que eu estava pegando alguma coisa. Mas de repente ficou ruim. Eu vi um cardume de pargo se afastar velozmente. Pensei que tivesse sido algum peixe grande. Algum predador. Mas depois eu descobrir o motivo. O foi ficando pesado. Um cheiro de merda tomou conta geral. Mudei de lugar, mas de nada adiantou. Tudo fedia a merda. Deve ter sido alguma tubulação de esgoto, do emissário submarino,que se rompeu em algum lugar. Nem sei se por aqui chega alguma tubulação. Porra! Aqui está fedendo mais do que lá! Caraca! Estou indo!
          Ficamos mudos. Apenas olhávamos um para o outro. Ninguém conseguia articular palavra. Mas antes dele sair, nos deu uma dica de onde pescar.
         -Me informaram que um cardume de espadas está indo para o fundo da baia. Já tem gente por lá. Parece que é depois de Paquetá. Deve ter outros peixes também. Com certeza estão fugindo do cheiro de merda!  A coisa está preta! Boa pescaria! Mas aqui, só vão pegar cagalhão!
         Demos um sorriso forçado e agradecemos pela dica. Não pesamos duas vezes, mesmo sabendo que o peixe espada não ia tão longe, recolhemos as linhas, jogamos as iscas fora, pois não tinha como aproveitá-las, e corremos atrás da dica do cara. Por incrível que pareça, ainda teve alguns que queriam tentar mais um pouquinho ali. Com uma isca daquele jeito, fedendo a coco, nem cocoroca ia morder. Foi esse o argumento do comandante, que encerrou a peleja. Ele ainda lembrou que mesmo um peixe com um nome desses, que nos reporta ao incidente, ia ter o seu dia de bom senso. Nem cocoroca ia ter coragem de abocanhar uma isca dessas.
          Era visível que Carlos estava incomodado. Estava se sentindo o culpado pelo fracasso da nossa pescaria. Ficou afastado sem sequer arriscar a puxar alguma conversa. Estava cabisbaixo. Estava triste. Teo olhou para ele e falou:
         -Carlos não fica assim não! Tudo tem o seu lado positivo. Já pensou se você tivesse dado uma cagada dessa em casa? No mínimo ia perder a mulher! Além de ser expulso do condomínio! E se tivesse filho, eles iam se considerar órfãos! Pense nisso! Nós somos seus amigos... Mas essa é a sua última pescaria! Ah! Ah! Ah!
         O riso surgiu em bloco. Tomou conta do ar. A descontração surgiu no ato. Até ele começou a rir também. Ninguém conseguia parar. Quando parecia que íamos parar de rir, alguém comentava “se a cagada tivesse sido em casa.” Ninguém agüentava mais rir. O motor foi ligado e partimos, só depois de algum tempo é que conseguimos ficar em silêncio.
         A viagem até a ilha de Paquetá foi longa. Estávamos cansados. E ninguém ria mais. Já tinha gente até cochilando. Graças a Deus o fedor tinha sumido. A silhueta da ilha de Paquetá apareceu distante. Mais algumas ilhas também foram surgindo aos poucos. Avistamos o barco do pescador que tinha dado a dica pra gente. Chegamos perto e falamos com ele:
      -E aí amigo, como é que está a pesca por aqui?
      -Tudo bem! Já pesquei de tudo! Já está dando até para ir embora! Mas vou ficar mais um pouco! Agora é só espada! Vou encher a burra! Vou aproveitar que ela está se deslocando mais, para o fundo da baía. Continua fugindo da merda!
          Ele respondeu estampando uma satisfação em cada palavra. Arrisquei mais uma pergunta.
          -Que tal a gente arriscar por aqui também?
          -Acho melhor não! Vão pra depois daquela ilhota ali! Aquela toda de pedra! O pesqueiro ali é bom também! Lá vocês vão se dá muito bem! Aqui vocês vão acabar me atrapalhando! Tá legal?

          Usou de toda sua franqueza. Não queria ninguém perto dele. Dei uma olhada pra dentro do barco dele e vi que estava bem cheio. Ele e um parceiro só tiravam em penca. Cada linha tinha quatro anzóis. Cada puxada vinha cheia. Pensei em como as pessoas são egoístas. O cara não queria repartir com a gente. O comandante percebendo que poderíamos falar alguma coisa foi se afastando para evitar polêmica. Nem um tchau ele deu. Paramos próximo da tal ilhota indicada pelo cara. Deu até para descermos um pouco. Com cuidado chegamos num pequeno pedaço de areia. Quem quis descarregar a bexiga desceu. Só estava proibido o número dois. Cagar jamais! Mas mesmo assim Carlos abriu um buraco na areia e terminou de fazer o seu estrago. Não sei de quem foi à idéia dele se sentar,mas foi a nossa sorte, porque o fedor ficou tapado. Quando o cara ameaçou se levantar, rapidamente Teo cobriu o buraco. Que alívio! Foi apenas um mau cheiro passageiro. Ficamos preocupados com o que poderia acontecer no futuro. Com certeza àquela ilhota não ia ser a mesma. Esqueci de falar que a faixa de areia não tinha mais que um metro e meio de extensão. E a largura não passava de meio metro. Hoje não tenho muita certeza se era isso mesmo. E se essa ilhota realmente existiu. Ou se isso foi fruto da birita. Mas eu me lembro que no meio dessa ilhota, tinha uma pedra bem alta. E em volta dela, tinham pedras menores. Não voltei lá para confirmar. Essas lembranças me fazem acreditar que ela está lá, sim! Se não estiver... A poluição pode tê-la engolido.
                                 Continua semana que vem...

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