Para surpresa de todos, Assombração
preencheu todo o formulário com a ajuda do irmão. Isso foi muito bom, tendo em
vista que pelo menos não tinha esquecido a escrita. Em cada linha preenchida,
deixava um sorriso. Somente quando foi assinar é que deu uma olhadinha na
assinatura que estava no seu documento de identidade, mas conseguiu
reproduzi-la corretamente. No final disse:
- Anton, será que vou me acostumar com
esse nome? Antoane Sandez! Acho Assombração tão bonito!
O consultório quase veio abaixo de
tanta gargalhada. Se a porta tivesse aberta, com certeza ecoaria por todo o
hospital. Assombração fez uma expressão de surpresa, mas depois deixou o seu
riso se misturar aos demais. A alegria tinha contagiado a todos. – Mais uma
rodada de café? – perguntou a enfermeira Elga, que estava duplamente feliz. A
sua proximidade com o Dr. Justus, com ele lhe falando quase encostado na sua
orelha, deixou-a com o coração em pandarecos. O que ele falava, parecia música nos
seus ouvidos. Com as faces bem coradas, preferiu arranjar um subterfúgio,
pegando a bandeja de café, a ceder à tentação de abraça-lo.
Alguns dias se passaram. A cirurgia
tinha sido um sucesso. A menina se recuperava rapidamente. Estava feliz porque
soube que já estava praticamente curada e o responsável pela sua cura tinha
sido aquele rapaz que mandava, diariamente, um tchao pra ela. E que em poucos dias estaria voltando
para casa.
Na véspera de ter alta recebeu a
visita de Antoane e do irmão. O encontro foi regado de felicidade. Os pais da
menina não se cansavam de agradecer a Assombração, por ter devolvido a saúde a
sua filha. Eles jamais poderiam imaginar que aquele rapaz simples e humilde, um
catador de lixo, viesse a ser o seu salvador. Assombração não sabia o que fazer
diante daqueles gestos de gratidão. O pai até ofereceu um quarto da sua casa
para ele morar. O irmão, Dr. Anton, percebendo que Antoane estava ficando meio
desorientado, foi em seu socorro, agradecendo aos pais de Verinha aquele gesto
de carinho e informando que o irmão iria voltar para casa. Aí é que perceberam
a semelhança dos dois.
Mais uma semana tinha voado. Dr. Anton
vinha preparando a mãe para o reencontro com Antoane. Foram alguns dias numa
preparação homeopática. Mesmo
assim, com todos os cuidados, no momento em que ficou sabendo que o filho tinha
sido encontrado, teve um
aumento da pressão arterial. Mas
foi apenas um susto. Depois de medicada, com a pressão estabilizada, deu um
sorriso e perguntou pelo paradeiro do filho.
- Anton, ele está ali fora? Quero
vê-lo.
- Calma mãe. Vou trazê-lo amanhã. Eu
preferi assim. Não sabia como à senhora ia reagir. Só com a notícia, a sua
pressão ficou descontrolada. Imagina
se tivesse trazido ele! Vamos tomar um calmante.
- Desde quando eu preciso de calmante!
Só fiquei um pouco emocionada! Só isso!
Anton estava preocupado. Só com a
notícia que o filho estava vivo, a pressão dela ficou descontrolada, imagina
agora vendo Antoane em carne e osso. O que poderia acontecer? Mas não tinha
alternativa mesmo. Não morreu de tristeza, não vai morrer de alegria.
Assombração estava que era só
felicidade. Levou o irmão para conhecer o Seu Juca e Dona Verona, seus melhores
amigos. Não podia dar outra: a empatia foi imediata. Dr. Anton não teve dúvida
ao dar o seu diagnóstico: duas pessoas do bem. Agradeceu pelo carinho e
proteção que tiveram com o irmão. Até o “durão” do Seu Juca deixou que as
lágrimas descessem pela face. Acabaram os quatro se abraçando. Assombração,
choroso, jurou que nunca ia deixar de visita-los. Aquela era uma amizade para o
resto da sua vida.
Dr. Anton caminhou com o irmão por
toda a cidade. Conheceu as
ruas que ele percorria diariamente, catando o seu sustento, e as árvores que o
abrigou por tanto tempo. Por último conheceu a rua que morava a menina. Pararam
em frente ao nº 18. Assombração notando que o quintal estava limpo comentou com
o irmão:
- Anton acho que a menina já está em casa. O quintal está bem
limpinho. A porta da frente está aberta.
O irmão não percebendo de que menina
ele falava, perguntou:
- Que menina é essa que mora aqui?
Assombração deu um sorriso e
respondeu:
- É a minha amiga, Verinha. Não se
lembra? Esqueceu? Por que será que não está brincando? Acho que vou apertar a
campainha. Não, deixa pra lá.
O Dr. Anton ia falar alguma coisa, mas
de repente abortou o que ia dizer e sorriu. Em seguida cutucou o irmão e
apontou para a lateral da casa. Antoane olhou para onde o irmão apontava e viu
quando menina saía detrás de um arbusto. Deu um sorriso tímido, mas não
conseguiu falar nada. Porém quando ela o avistou, bateu com a mão e mandou-lhe
um beijo estalado. Assombração quase pulou de contentamento. Emocionado,
encostou o rosto na grade, que cercava a propriedade, deixou que o seu sorriso
se misturasse com um pouco de lágrimas e retribuiu com um beijo, também
estalado. Depois se virou para o irmão e disse:
- Viu Tom? Viu? É ela! Agora ela está
boa e feliz!
Anton sorriu, balançou a cabeça
afirmativamente, mas repentinamente franziu a testa e perguntou:
- Como foi que você me
chamou?
- Tom.
- Tom?
- É. Tom.
- Por quê?
- Não sei. É Tom.
Anton olhou para o irmão, já com os
olhos cheios d’água, abraçou-o e disse:
- Antoane. Era assim que você me
chamava. Agora tenho certeza que você vai ficar curado. Tudo vai voltar ao
normal. Não importa se esse processo demore muito. Não importa mesmo. A gente
espera. Vamos para nossa casa? Mamãe está ansiosa pelo seu retorno.
fim
Obs. Esta é uma obra de ficção. Tanto a
história, como nomes das personagens, se existirem, é pura coincidência.
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