terça-feira, 7 de março de 2017

Assombração - Parte Final

          Para surpresa de todos, Assombração preencheu todo o formulário com a ajuda do irmão. Isso foi muito bom, tendo em vista que pelo menos não tinha esquecido a escrita. Em cada linha preenchida, deixava um sorriso. Somente quando foi assinar é que deu uma olhadinha na assinatura que estava no seu documento de identidade, mas conseguiu reproduzi-la corretamente. No final disse:
          - Anton, será que vou me acostumar com esse nome? Antoane Sandez! Acho Assombração tão bonito!
           O consultório quase veio abaixo de tanta gargalhada. Se a porta tivesse aberta, com certeza ecoaria por todo o hospital. Assombração fez uma expressão de surpresa, mas depois deixou o seu riso se misturar aos demais. A alegria tinha contagiado a todos. – Mais uma rodada de café? – perguntou a enfermeira Elga, que estava duplamente feliz. A sua proximidade com o Dr. Justus, com ele lhe falando quase encostado na sua orelha, deixou-a com o coração em pandarecos.  O que ele falava, parecia música nos seus ouvidos. Com as faces bem coradas, preferiu arranjar um subterfúgio, pegando a bandeja de café, a ceder à tentação de abraça-lo. 
         Alguns dias se passaram. A cirurgia tinha sido um sucesso. A menina se recuperava rapidamente. Estava feliz porque soube que já estava praticamente curada e o responsável pela sua cura tinha sido aquele rapaz que mandava, diariamente, um tchao pra ela.  E que em poucos dias estaria voltando para casa.
          Na véspera de ter alta recebeu a visita de Antoane e do irmão. O encontro foi regado de felicidade. Os pais da menina não se cansavam de agradecer a Assombração, por ter devolvido a saúde a sua filha. Eles jamais poderiam imaginar que aquele rapaz simples e humilde, um catador de lixo, viesse a ser o seu salvador.     Assombração não sabia o que fazer diante daqueles gestos de gratidão. O pai até ofereceu um quarto da sua casa para ele morar. O irmão, Dr. Anton, percebendo que Antoane estava ficando meio desorientado, foi em seu socorro, agradecendo aos pais de Verinha aquele gesto de carinho e informando que o irmão iria voltar para casa. Aí é que perceberam a semelhança dos dois.
          Mais uma semana tinha voado. Dr. Anton vinha preparando a mãe para o reencontro com Antoane. Foram alguns dias numa preparação homeopática.  Mesmo assim, com todos os cuidados, no momento em que ficou sabendo que o filho tinha sido encontrado,  teve um aumento da pressão arterial.  Mas foi apenas um susto. Depois de medicada, com a pressão estabilizada, deu um sorriso e perguntou pelo paradeiro do filho.
         - Anton, ele está ali fora? Quero vê-lo.
         - Calma mãe. Vou trazê-lo amanhã. Eu preferi assim. Não sabia como à senhora ia reagir. Só com a notícia, a sua pressão ficou descontrolada.  Imagina se tivesse trazido ele! Vamos tomar um calmante.
        - Desde quando eu preciso de calmante! Só fiquei um pouco emocionada! Só isso!
        Anton estava preocupado. Só com a notícia que o filho estava vivo, a pressão dela ficou descontrolada, imagina agora vendo Antoane em carne e osso. O que poderia acontecer? Mas não tinha alternativa mesmo. Não morreu de tristeza, não vai morrer de alegria.
          Assombração estava que era só felicidade. Levou o irmão para conhecer o Seu Juca e Dona Verona, seus melhores amigos. Não podia dar outra: a empatia foi imediata. Dr. Anton não teve dúvida ao dar o seu diagnóstico: duas pessoas do bem. Agradeceu pelo carinho e proteção que tiveram com o irmão. Até o “durão” do Seu Juca deixou que as lágrimas descessem pela face. Acabaram os quatro se abraçando. Assombração, choroso, jurou que nunca ia deixar de visita-los. Aquela era uma amizade para o resto da sua vida.
          Dr. Anton caminhou com o irmão por toda a cidade. Conheceu  as ruas que ele percorria diariamente, catando o seu sustento, e as árvores que o abrigou por tanto tempo. Por último conheceu a rua que morava a menina. Pararam em frente ao nº 18. Assombração notando que o quintal estava limpo comentou com o irmão:
          - Anton acho que a menina já está em casa. O quintal está bem limpinho. A porta da frente está aberta.
          O irmão não percebendo de que menina ele falava, perguntou:
          - Que menina é essa que mora aqui?
          Assombração deu um sorriso e respondeu:
          - É a minha amiga, Verinha. Não se lembra? Esqueceu? Por que será que não está brincando? Acho que vou apertar a campainha. Não, deixa pra lá.
          O Dr. Anton ia falar alguma coisa, mas de repente abortou o que ia dizer e sorriu. Em seguida cutucou o irmão e apontou para a lateral da casa. Antoane olhou para onde o irmão apontava e viu quando menina saía detrás de um arbusto. Deu um sorriso tímido, mas não conseguiu falar nada. Porém quando ela o avistou, bateu com a mão e mandou-lhe um beijo estalado. Assombração quase pulou de contentamento. Emocionado, encostou o rosto na grade, que cercava a propriedade, deixou que o seu sorriso se misturasse com um pouco de lágrimas e retribuiu com um beijo, também estalado. Depois se virou para o irmão e disse:

          - Viu Tom? Viu? É ela! Agora ela está boa e feliz!
          Anton sorriu, balançou a cabeça afirmativamente, mas repentinamente franziu a testa e perguntou:
          - Como foi que você me chamou?
          - Tom.
          - Tom?
          - É. Tom.
          - Por quê?
          - Não sei. É Tom.
            Anton olhou para o irmão, já com os olhos cheios d’água, abraçou-o e disse:
           - Antoane. Era assim que você me chamava. Agora tenho certeza que você vai ficar curado. Tudo vai voltar ao normal. Não importa se esse processo demore muito. Não importa mesmo. A gente espera. Vamos para nossa casa? Mamãe está ansiosa pelo seu retorno.

                                                     fim

Obs. Esta é uma obra de ficção. Tanto a história, como nomes das personagens, se existirem, é pura coincidência.

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