segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Assombração - Parte 16 (Penúltima parte)

continuando...
          
           O médico nunca havia se casado. O único casamento de fato era com a medicina. Não tinha irmãos e os seus pais já haviam falecidos há muito tempo. E desconhecia a existência de qualquer parente. Seus pais eram filhos únicos também. Então o que tinha na vida era só ele e a enfermeira Elga, de quem não sabia nada. Desconhecia completamente que ela era também só, sem parentes e amigos. E nem sequer imaginava, que essa mulher tinha por ele um imenso amor, porém trancado a sete chaves. Mas essa troca de olhar fez com que os corações dos dois batessem no mesmo compasso. Elga deu um sorriso tímido e com as faces avermelhadas, baixou a cabeça. O Dr. Justus percebeu ao sentir as pernas bambearem, que naquele instante tinha encontrado a mulher da sua vida. Estava engasgado. Não sabia o que falar, mas estava se sentindo como um adolescente, um adolescente aos quarenta e seis anos. – O que fazer? – não conseguia nem imaginar. Estava feliz. Isso era o mais importante. Abriu um sorriso que tomou conta de todo o seu rosto. Foi o sorriso mais feliz que já tinha dado. A enfermeira, que tinha levantado a cabeça levemente, observando a alegria que irradiava do médico, retribuiu o sorriso e baixou o olhar, para não deixar a amostra o que estava escondido na sua alma. Mas num repente entendeu que o seu amor, a partir daquele momento, não precisava ficar mais trancafiado a sete chaves. Levantou a cabeça de novo e deixou que a felicidade ficasse estampada nas suas faces. Os olhos faiscavam, mergulhados em lágrimas, que não chegavam a escorrer, e se abraçavam com os do Dr. Justus. Ele olhava para ela embebecido. E assim ficaram por algum tempo. Tempo esse que foi respeitado pelos irmãos. Quando os corações serenaram, aí sim é que o Dr. Justus, depois de respirar fundo, olhou para os irmãos e falou alguma coisa.  
           - Então... É. Então. Dr. Anton e...
           - Assombração! Pode falar! Assombração! – interrompeu num repente, Assombração, a fala do Dr. Justus.
           - Não. – disse carinhosamente o Dr. – Agora é Antoane. E, não podemos esquecer, temos que preencher a ficha com o seu nome completo. Endereço e tudo o mais. E – se dirigindo ao Dr. Anton – como fica o CPF e a carteira de identidade?
          Dr. Anton deu um sorriso de satisfação, abriu um envelope e disse:
          - Pode ficar tranquilo. Trouxe a cópia dos documentos dele. Depois pediremos a segunda via.
          - Posso ver? – perguntou Assombração.
          Dr. Anton retirou os papeis de dentro do envelope e entregou-os ao irmão.
          - Esse sou eu? – perguntou olhando para a xerox da carteira de identidade.
          - É! Mas não está muita clara! Essa outra cópia aí, é a sua certidão de nascimento.
          - Então eu nasci? – falou espantado Assombração.
          - Mas é claro irmão! Você não apareceu do nada! – respondeu o Dr. Anton com uma ponta de riso.
          - Mas eu só me lembro quando apareci aqui na cidade. Só me lembro disso. – falou Assombração com uma ponta de preocupação.
          Dr. Anton abriu os braços e enlaçou novamente o irmão, dizendo-lhe no ouvido:
          - Vamos fazer o possível e o impossível para que volte ao normal. Quem sabe, quando você vir a nossa mãe, isso aconteça! A memória pode voltar assim de repente! Sem mais nem menos, você lembra de tudo!
             Ainda não falei nada com a nossa mãe. Vou prepara-la aos poucos. Tenho receio do que possa acontecer a sua saúde o impacto dessa emoção. Você não acha?
         - Eu... eu não sei. Eu queria vê-la.
         - Em breve. Em breve. Agora, entregue os documentos ao Dr. Justus.
           Assombração entregou o envelope com as cópias dos documentos e depois, falando um pouco baixo, perguntou:
           - Dr. e a menina?
           Dr. Justus pegou o envelope, colocou a mão direita no ombro dele e respondeu:
          - Tudo bem, meu amigo. Ela está bem e vai ficar melhor. Já está sendo preparada para receber a sua doação.
          Depois de falar com Assombração, se dirigiu ao Dr. Anton, dizendo:
             - Dr. o que acha do Antoane ficar internado a partir de hoje, para realizarmos o transplante, se tudo correr bem, amanhã?                                                                                                                                     
             - O Senhor é quem sabe. O que for decidido, eu acato. Vou levar Antoane para um hotel e hoje à tarde, estaremos aqui sem falta. Garanto isso ao senhor.
          Assombração olhou para o irmão e falou com a cara meio fechada:
          - Hotel? Pra que hotel? Não é preciso! Tenho as árvores para me abrigar! Sempre foi assim! Pra que hotel?
           - Mas Antoane, você agora não precisa mais morar em cima de árvores! Você vai comigo para o hotel, onde estou morando temporariamente. Quando estiver tudo em ordem, vou leva-lo para a nossa casa. A nossa mãe vai adorar a sua volta. Mas primeiro vou prepará-la.
           Assombração coçou a cabeça e deixou aparecer um ar de preocupação. Depois falou para o irmão:
         - Anton. Anton será que ela vai se lembrar de mim?
         - Claro! Nós não deixamos um dia sequer de pensar em você! Todos os dias, desde o café da manhã, nas nossas conversas você era o tema principal.  Pode ficar certo que a nossa mãe sempre teve você vivo dentro do coração. Eu também.
       - Ah bem! Eu não consigo me lembrar dela! Estou fazendo força, mas a imagem dela não aparece.
        - Mas vai lembrar. Pode ficar certo. Aos poucos tudo vai voltar ao normal. As lembranças chegarão devagar. Vamos ter que ter paciência. O importante é que você está de volta. De resto, o tempo vai se encarregar de botar tudo em ordem novamente. Quem sabe até o Dr. Antoane volte!
          Enquanto Assombração, atento ao que o irmão falava, fazendo caras e bocas, Dr. Justus se dirigiu a enfermeira Elga:
        - Minha filha – deu um sorriso leve – leva o nosso amigo, depois que colocarem o papo em dia, para preencher nova ficha.
         - Mas Doutor, será que ele sabe... Será que se lembra como se escreve?

         - Não precisa. Vamos ver se pelo menos consegue se lembrar de como assinava o seu nome. Faz um teste antes. Mostre novamente o documento. Quem sabe, quando observar a assinatura, a memória volte!  Se não conseguir, o irmão assina, como responsável.
             ...Continua semana que vem... (última parte!!)

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