O médico
nunca havia se casado. O único casamento de fato era com a medicina. Não tinha
irmãos e os seus pais já haviam falecidos há muito tempo. E desconhecia a
existência de qualquer parente. Seus pais eram filhos únicos também. Então o
que tinha na vida era só ele e a enfermeira Elga, de quem não sabia nada.
Desconhecia completamente que ela era também só, sem parentes e amigos. E nem
sequer imaginava, que essa mulher tinha por ele um imenso amor, porém trancado
a sete chaves. Mas essa troca de olhar fez com que os corações dos dois
batessem no mesmo compasso. Elga deu um sorriso tímido e com as faces
avermelhadas, baixou a cabeça. O Dr. Justus percebeu ao sentir as pernas
bambearem, que naquele instante tinha encontrado a mulher da sua vida. Estava
engasgado. Não sabia o que falar, mas estava se sentindo como um adolescente,
um adolescente aos quarenta e seis anos. – O que fazer? – não conseguia nem
imaginar. Estava feliz. Isso era o mais importante. Abriu um sorriso que tomou
conta de todo o seu rosto. Foi o sorriso mais feliz que já tinha dado. A
enfermeira, que tinha levantado a cabeça levemente, observando a alegria que irradiava
do médico, retribuiu o sorriso e baixou o olhar, para não deixar a amostra o
que estava escondido na sua alma. Mas num repente entendeu que o seu amor, a
partir daquele momento, não precisava ficar mais trancafiado a sete chaves.
Levantou a cabeça de novo e deixou que a felicidade ficasse estampada nas suas
faces. Os olhos faiscavam, mergulhados em lágrimas, que não chegavam a
escorrer, e se abraçavam com os do Dr. Justus. Ele olhava para ela embebecido.
E assim ficaram por algum tempo. Tempo esse que foi respeitado pelos irmãos.
Quando os corações serenaram, aí sim é que o Dr. Justus, depois de respirar
fundo, olhou para os irmãos e falou alguma coisa.
- Então... É. Então. Dr. Anton e...
- Assombração!
Pode falar! Assombração! – interrompeu num repente, Assombração, a fala do Dr.
Justus.
- Não. – disse carinhosamente o Dr. –
Agora é Antoane. E, não podemos esquecer, temos que preencher a ficha com o seu
nome completo. Endereço e tudo o mais. E – se dirigindo ao Dr. Anton – como
fica o CPF e a carteira de identidade?
Dr. Anton deu um sorriso de
satisfação, abriu um envelope e disse:
- Pode ficar tranquilo. Trouxe a cópia
dos documentos dele. Depois pediremos a segunda via.
- Posso ver? – perguntou Assombração.
Dr. Anton retirou os papeis de dentro
do envelope e entregou-os ao irmão.
- Esse sou eu? – perguntou olhando
para a xerox da carteira de identidade.
- É! Mas não está muita clara! Essa
outra cópia aí, é a sua certidão de nascimento.
- Então eu nasci? – falou espantado
Assombração.
- Mas é claro irmão! Você não apareceu
do nada! – respondeu o Dr. Anton com uma ponta de riso.
- Mas eu só me lembro quando apareci
aqui na cidade. Só me lembro disso. – falou Assombração com uma ponta de
preocupação.
Dr. Anton abriu os braços e enlaçou
novamente o irmão, dizendo-lhe no ouvido:
- Vamos fazer o possível e o
impossível para que volte ao normal. Quem sabe, quando você vir a nossa mãe,
isso aconteça! A memória pode voltar assim de repente! Sem mais nem menos, você
lembra de tudo!
Ainda não falei nada com a nossa mãe.
Vou prepara-la aos poucos. Tenho receio do que possa acontecer a sua saúde o
impacto dessa emoção. Você não acha?
- Eu... eu não sei. Eu queria vê-la.
- Em breve. Em breve. Agora,
entregue os documentos ao Dr. Justus.
Assombração entregou o envelope com as
cópias dos documentos e depois, falando um pouco baixo, perguntou:
- Dr. e a menina?
Dr. Justus pegou o envelope, colocou a
mão direita no ombro dele e respondeu:
- Tudo bem, meu amigo. Ela está bem e
vai ficar melhor. Já está sendo preparada para receber a sua doação.
Depois de falar com Assombração, se
dirigiu ao Dr. Anton, dizendo:
- Dr. o que acha do Antoane ficar
internado a partir de hoje, para realizarmos o transplante, se tudo correr bem,
amanhã?
- O Senhor é quem sabe. O que for
decidido, eu acato. Vou levar Antoane para um hotel e hoje à tarde, estaremos
aqui sem falta. Garanto isso ao senhor.
Assombração olhou para o irmão e falou
com a cara meio fechada:
- Hotel? Pra que hotel? Não é preciso!
Tenho as árvores para me abrigar! Sempre foi assim! Pra que hotel?
- Mas Antoane, você agora não precisa
mais morar em cima de árvores! Você vai comigo para o hotel, onde estou morando
temporariamente. Quando estiver tudo em ordem, vou leva-lo para a nossa casa. A
nossa mãe vai adorar a sua volta. Mas primeiro vou prepará-la.
Assombração coçou a cabeça e deixou
aparecer um ar de preocupação. Depois falou para o irmão:
- Anton. Anton será que ela vai se
lembrar de mim?
- Claro! Nós não deixamos um dia
sequer de pensar em você! Todos os dias, desde o café da manhã, nas nossas
conversas você era o tema principal. Pode
ficar certo que a nossa mãe sempre teve você vivo dentro do coração. Eu também.
- Ah bem! Eu não consigo me lembrar
dela! Estou fazendo força, mas a imagem dela não aparece.
- Mas vai lembrar. Pode ficar certo.
Aos poucos tudo vai voltar ao normal. As lembranças chegarão devagar. Vamos ter
que ter paciência. O importante é que você está de volta. De resto, o tempo vai
se encarregar de botar tudo em ordem novamente. Quem sabe até o Dr. Antoane
volte!
Enquanto Assombração, atento ao que o
irmão falava, fazendo caras e bocas, Dr. Justus se dirigiu a enfermeira Elga:
- Minha filha – deu um sorriso leve –
leva o nosso amigo, depois que colocarem o papo em dia, para preencher nova
ficha.
- Mas Doutor, será que ele sabe...
Será que se lembra como se escreve?
- Não precisa. Vamos ver se pelo menos
consegue se lembrar de como assinava o seu nome. Faz um teste antes. Mostre
novamente o documento. Quem sabe, quando observar a assinatura, a memória
volte! Se não conseguir, o
irmão assina, como responsável.
...Continua semana que vem... (última parte!!)
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