O silêncio não podia se eternizar.
Alguma coisa tinha que acontecer para quebrar aquele gelo. E aconteceu: uma
xícara escorregou da mão da enfermeira e se espatifou no chão. Finalmente a
vida voltou a circular no ambiente. Um pedido de desculpas, depois do barulho,
ecoou na sala, fazendo com que todos saíssem do estado cataléptico. Assombração
liberou o seu sorriso. O Dr. Anton não resistiu e foi ao encontro do irmão,
abraçando-o e chorando emocionado. Reconheceu-o imediatamente. Assombração
apenas sorria. Esse era o seu estado normal. E nesse dia, tinha um motivo a
mais para estar mais feliz, pois se tratava de um momento, que não caberia, de
forma alguma, a tristeza. Tendo em vista que tinha certeza absoluta, que
devolveria o sorriso aos lábios da menina do nº dezoito. Para ele, a dúvida não
existia. A menina ia ser salva.
O Dr. Anton continuava abraçado ao
irmão. Não parou um momento sequer de chorar. Parece que chorava pelos anos
todo que esteve afastado dele. Assombração, sem deixar que o sorriso fugisse
dos seus lábios, simplesmente afastou o irmão e olhando-o nos olhos, disse:
- Esse é um momento de alegria! Não
tem espaço para a tristeza! Sabia que vou ajudar a menina do nº 18? Mesmo eu
não sabendo do resultado do exame, tenho certeza que deu positivo! Não é Dr.
Justus?
O médico, com o resultado debaixo do
braço, parecendo que guardava um tesouro, sorriu e balançou a cabeça
afirmativamente. Com a confirmação, Assombração abraçou o irmão com muita
força, quase o sufocando. Em seguida levantou-o, parecendo que jogava uma folha
de papel para o alto. Com isso, quase que o irmão bateu com a cabeça na
luminária. Depois desse gesto, colocou-o no chão e em seguida pegou a
enfermeira Elga e fez a mesma coisa. Ela, no entanto, gritou. Mas depois deixou
escapar um sorriso, meio sem jeito, essa é que é a verdade, causado por um
pouco de vergonha. Tendo em vista que o seu rosto branquinho, apresentava
manchas avermelhadas. Ele só não levantou o Dr. Justus, mas pegou a sua mão e
beijo-a, em sinal de agradecimento.
Naquela pequena sala, estavam cinco
almas felizes. E o Dr. Justus era uma delas. Queria falar, porém a voz não
saía. Olhava para Assombração, que ainda mantinha a sua mão pressa na dele, e
apenas sorria. O tempo foi passando e ele precisava falar alguma coisa. Por
sorte a atendente Angélica, precisando voltar para o seu setor, foi obrigada a
sacudir aquele silêncio, dizendo:
- Dr. Justus, desculpe. Mas, como
Assombração está entregue, vou voltar para a recepção. Um bom dia para todos.
Virou às costas e foi saindo, fechando
a porta atrás de si. Com essa quebra do silêncio, o Dr. Justus aproveitou,
vencendo aquele estado emotivo, e falou:
- Meu rapaz. Meu bom rapaz. Realmente
você é o doador compatível. E vai poder salvar a menina, como sempre afirmou.
Meu rapaz. Não sei, até agora, de onde você tirou tanta certeza. O que é que
posso dizer? Não sei mesmo. Acho que só Deus sabe. Só...
Assombração não deixou o Dr. Justus
completar o seu raciocínio, interrompendo-o bruscamente.
- Dr.! Dr.! Vamos lá! O senhor pode
tirar de mim, tudo que precisar para salvar a menina! Vamos logo!
Dr. Justus sorriu e falou calmamente,
enquanto abria a gaveta e guardava o exame.
- Calma meu rapaz. De agora em diante,
você não vai mais precisar ficar nervoso. Agora, está praticamente tudo resolvido.
Às chances da menina ficar boa, beiram os 100%. Então... Pode sorrir bastante!
Graças a Deus! Ah! Mais uma coisa! A partir de amanhã já podemos dar início aos
procedimentos para o transplante da medula. Gostaria que voltasse à tarde, para
ficar internado. Têm alguns procedimentos que temos que realizar antes da
intervenção cirúrgica. São alguns exames corriqueiros. Está bem? Mas antes que
vá embora, gostaria de te apresentar uma pessoa. Na realidade vocês já se
conhecem há muito tempo.
Assombração mostrou um ar de espanto e
depois abriu um sorriso, antes de interroga-lo:
- A mim? Quem é? Quem?
Dr. Justus sentou-se na sua cadeira,
sorriu para ele e disse:
- Ué! Você não observou uma pessoa que
está aqui na sala? Meu rapaz, você até o abraçou!
Dr. Justus em seguida chamou o Dr.
Anton, que estava naquele momento atrás do irmão.
- Dr. Anton, por favor, se aproxime.
Quando o médico chamou o colega,
Assombração virou-se e encontrou com o olhar do irmão, que já estava bem
encostado nele. Estavam cara a cara. Dr. Anton sorriu e disse:
- Antoane, está lembrado de mim?
Assombração ficou encarando-o, porém
sem o sorriso costumeiro, franziu a testa e depois respondeu:
- Não. Não. Sei não. Meu nome é
Assombração. Só sei isso. Mas você é parecido comigo. Por que é que você se
parece comigo?
Dr. Anton fechou os olhos, sem deixar
que o sorriso escapasse dos lábios, depois, esfregou-os com as costas das mãos,
e disse, com a voz um pouco embargada:
- Claro Antoane. Nós somos irmãos.
Você é o meu irmão.
Continua semana que vem...
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