terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Assombração - Parte 13

Continuando...
O Doutor Anton, que ainda continuava em pé, e a enfermeira Elga olhavam para o envelope, ansiosos. Pelo jeito dos dois, pareciam que iam avançar no envelope e tirá-lo das mãos do Dr. Justus. Mas estavam conseguindo se segurar. O Dr. Anton custou um pouquinho, mas respondeu a pergunta do amigo:
          - Claro. Claro. A resposta está aí dentro do envelope. O Dr. já sabe, não é?
            O Dr. Justus olhou-os, passou a mão nos cabelos, como era de costume, e disse:
            - Não. Ainda não sei. Mas se o resultado não for o que nós desejamos, não vamos esmorecer, vamos continuar procurando. Não abri o envelope. A vontade foi muita, mas consegui controlar o meu ímpeto e preferi abri-lo na presença do amigo. Vamos lá?  
          O Dr. Justus apontou a cadeira e esperou que o Dr. Anton se acomodasse. Em seguida puxou outra, não sentando na sua costumeira, e colocou-a ao lado da do colega. Depois pegou o envelope e colocou-o de contra a luz. Isso era um hábito que carregava consigo há muito tempo. Rodou o envelope e colocou o lado, que tinha um pequeno lacre, virado para si. Olhou para o amigo, deu um sorriso, colocou o envelope no colo, esfregou as mãos e, ai sim, foi abrindo-o cuidadosamente. Estava pra lá de habituado a fazer aquilo, mas o coração sempre disparava naquele momento. Torcia todas às vezes para que o resultado fosse positivo, mas dessa vez parecia que estava torcendo mais ainda. Realmente aquele era especial. Cuidadosamente foi tirando a folha que trazia o resultado. Antes de começar a ler, ajustou os óculos no rosto. Olhou firme para o papel e foi lendo. De repente deixou escapulir um sorriso que vinha, com certeza, de dentro da alma. Parece que nunca tinha tido um momento de tanta alegria. Olhou para o Dr. Anton e a enfermeira Elga, se levantou, abriu os braços, convidando-os para participarem daquele momento de tanta felicidade. Ficaram os três abraçados curtindo aquele instante pleno de emoção. Depois caminhou pela sala e teve vontade de gritar, mas se conteve. Tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu. A enfermeira, que o acompanhava há bastante tempo, sabia dos seus arroubos de felicidade. E nesse momento, custava um pouco a se expressar com palavras. Existia um ritual, até conseguir emitir qualquer palavra. Primeiro tirava os óculos e esfregava os olhos. Depois, num gesto que era só seu, erguia as mãos para o alto e falava alguma coisa ininteligível, e apertava o exame de encontro ao coração. A enfermeira nunca soube se ele professava alguma religião. A verdade, é que nunca teve coragem para perguntar. Algumas vezes até ameaçou, porém nunca passou de ameaça. Dizia sempre, para ela mesma, que no próximo exame iria elucidar esse enigma. Entretanto esse dia era sempre adiado. Às suas análises sempre apontavam para algum ato religioso. Com aquele ritual todo, - pensava- tinha quase certeza que se tratava de algum ritual religioso.
         O Dr. Anton estava mudo, mas tinha um sorriso congelado nos lábios. Não sabia se voltava a se sentar ou permanecia em pé. Acabou optando pela primeira opção, já que o Dr. Justus se encaminhava novamente para a sua cadeira.
          Elga, a enfermeira, foi rapidamente pegar o jarro com café, que já tinha passado. Dessa vez, trouxe três xícaras. Encheu as três e ofereceu primeiro para o Dr. Justus, em seguida para o Dr. Anton e finalmente pegou a terceira. Colocou a bandeja em cima da mesa e solicitou um brinde, que foi interrompido pela voz da atendente Angélica, que depois de bater na porta, anunciava a chegada de Assombração.
          - Bom dia. Dr. Justus, Assombração está aqui fora, querendo falar com o senhor. Ele pode entrar?
          O silêncio de repente abraçou a pequena sala de espera. A ansiedade se apresentava como o desassossego na sala. Os olhares se chocavam. O Dr. Justus estava emocionado. Olhou para o relógio e confirmou o horário: 9:00 horas. Sorriu para o Dr. Anton e, sem falar, com a cabeça autorizou a entrada do rapaz.
           O Dr. Anton dividiu o seu olhar entre a enfermeira, o Dr. Justus, a atendente e a porta. Aquele momento parecia que não tinha fim. Era com certeza breve, mas tão moroso, que o doutor teve vontade dele mesmo escancarar porta. A enfermeira com o seu sexto sentido em alerta, num gesto automático, colocou uma das mãos no ombro direito dele, impedindo-o de se movimentar. A sua vontade foi abortada em frações de segundos. Apenas olhou para Elga e deu um sorriso morno.

          A atendente Angélica foi abrindo a porta lentamente. Saiu para o lado e chamou Assombração. Num rasgo de segundos aquela figura, já tão conhecida do Dr. Justus e da enfermeira, atravessou o vão da porta. E não podia dar outra: os olhos dos irmãos ao se cruzarem, instantaneamente se fundiram. Assombração ficou travado debaixo do portal. As suas pernas estavam paralisadas. O mesmo aconteceu com o Dr. Anton. Ninguém conseguia se mover ou falar. Parecia que a sala estava congelada no tempo. O único som que poderia ser ouvido, caso alguém tivesse uma audição tão apurada, seria dos corações daquelas cinco personagens, que batiam acelerados. Naquele momento não dava para se saber, se Assombração tinha reconhecido o irmão. Se afirmativo, a sua memória tinha voltado ao normal. Será? O passado estava a quase cinco anos adormecido. Teria despertado naquele momento?
...Continua semana que vem...

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