Ele
deu uma pausa para tentar equilibrar as emoções, já que os olhos começavam a se
encher de lágrimas e o coração a bater desordenado, num choro mudo. O Dr. Justus e a enfermeira, ao
perceberem a sua voz embargada, não quiseram interromper o seu relato, apenas
esperaram até que ele se refizesse e, talvez, continuasse com a história. O
silêncio tomou conta da sala. O tempo que esse silêncio perdurou ninguém
saberia dizer. Todo silêncio que é carregado de dor, parece que não tem fim. E
esse, era um deles. Mas aos poucos, Dr. Anton foi se refazendo e voltou a
falar:
- É. Estou sufocado. É muita emoção.
Dr. eu gostaria de vê-lo. Esses anos todos sem a sua presença, deixou-me um
grande vazio. Eu e minha mãe carregamos uma tristeza, que vocês nem
imaginam.
Dr. Justus olhava-o com grande pesar.
Estava procurando às palavras certas para tentar aliviar aquele peso que o
colega carregava. Mas nada vinha à mente que pudesse dar um alento aquele
coração sofrido. O que falar? Não sabia, entretanto tinha que dizer alguma
coisa. Passou a mão direita sobre o cabelo, num jeito que era todo seu,
parecendo que segurava um pente invisível. Repetiu o gesto mais uma vez. Depois
colocou o dedo polegar na boca. Parecia que tentava imaginar o que se passava
no coração do colega. Em seguida respirou fundo, falou e disse:
- Dr. pode ficar tranquilo. Nós vamos
providenciar isso. Mas, Dr., o amigo tem que estar preparado... – deu uma pausa
e continuou: - O amigo não deve apostar 100% no fato. Pode ser apenas uma
coincidência. Tem muita gente parecida por esse mundo afora, que nem parente é.
Mesmo com toda semelhança que tem com você, pode não ser seu irmão.
- Mas essa hipótese está fora de
questão! Ele é o meu irmão sim! O nome dele, acho que ainda não falei, é
Antoane Sandez. Dr. o meu coração assim diz. E ele não se engana.
- Então! Quem pode ir contra o
coração?
- Sabe de uma coisa: nunca acreditei
que tivesse perdido meu irmão. Os gêmeos sentem quando um dos irmãos está com
algum problema. Nós quase sabíamos o que o outro estava pensando. Engraçado
isso, não é? Mas é a pura verdade. Quando ficávamos longe, sabíamos que o outro
estava preocupado. Se um dos dois ficasse doente, o outro também ficava de
cama. A sensação é que uma parte completa a outra. Eu me sinto pelo meio. Não
sou uma pessoa completa. Mas por outro lado, tenho a sensação que essa outra
parte não está perdida. Isso eu senti, quando foi encontrado somente o corpo do
meu pai. E essa esperança, de encontra-lo, me acompanha até hoje. Nunca duvidei
disso.
- Isso é uma coisa incrível. A
medicina não explica como isso acontece. Tenho uns primos que são gêmeos. O que
você falou, bate direitinho com eles. Sempre fiquei impressionado com a
convivência dos dois. Não se desgrudavam nunca. Se um tinha dor de cabeça, o
outro com certeza era afetado com o mesmo problema. Se ficassem afastados, a
tristeza pegava os dois. Quem explica isso? Então. Fica tranquilo que amanhã
sai o resultado dos exames. Ouve um pequeno atraso. Não conseguimos fazer os
exames aqui. Mas fica tranquilo que amanhã você vai conhecê-lo. Mesmo com o
pouco que o conheço, tenho quase certeza que ele estará aqui antes do sol
nascer.
- Levantarei juntinho com o sol.
Estarei cedinho, na sala dos médicos. Pode apostar nisso. Ah! Doutor! Acabei
não comentado que Antoane cursava também medicina! Ia ser um grande médico! Era
o melhor da turma!
A enfermeira acompanhava a conversa
dos dois de boca aberta. Uma vez ou outra passava a língua nos lábios, para
umedecê-los. De repente lembrou-se que estava com as xícaras de café na
bandeja. Sorriu, mas sem jeito, e ofereceu-as aos dois. Dr. Justus pegou
primeiro e bebeu de um só gole. Depois devolveu a xícara à bandeja e,
demonstrando muita ansiedade, falou:
- E aí! Continua! Continua!
Dr. Anton se arrumou na cadeira, pegou
a outra xícara de café, bebeu um pouco, e continuou:
- Como ia dizendo, ele cursava
medicina. Estávamos na mesma faculdade, na mesma turma e, pra variar, não nos
desgrudávamos nunca. Só nos separávamos aos domingos, por algumas horas, na
pescaria com nosso pai. Como disse, ele era uma pessoa muito supersticiosa.
Mamãe também é! Ela diz que não! Mas é! Com isso, só ia um de cada vez. Esse
domingo fatídico era o meu. Como acordei febril, – e por incrível que pareça,
ele acordou bem -, então foi no meu lugar. Não sei se escondeu-me que também
estava com febre. Eu nem percebi. E isso me incomoda até hoje.
- Mas você não teve culpa. Isso foi
uma fatalidade. Como foi o acidente? – perguntou o Dr. Justus.
Antes de responder, Dr. Anton levantou
os óculos, colocando-o acima da testa, e em seguida passou a ponta do dedo nos
olhos. Dava para notar que a emoção estava à flor da pele. Esticou os olhos
pelas paredes da sala por alguns segundos e continuou:
- Até hoje não conseguimos descobrir o
que aconteceu. O barco do meu pai quando foi encontrado, apresentava muitas
avarias. O estranho na história, é que o local não era fundo. Era bem próximo
de uma ilha. O barco foi encontrado por uns pescadores. Ao passarem próximos da
ilha, encontraram uma boia salva vidas, que estava flutuando. Ao pegá-la, viram
que tinha uma corda e que essa corda estava presa em alguma coisa no fundo.
Ficaram curiosos e um dos tripulantes, que conhecia bem os arredores da ilha, e
sabedor que ali não era fundo, mergulhou para descobrir o que prendia a boia. Qual
não foi a sua surpresa ao se deparar com uma embarcação no fundo, e bem
destruída. Subiu e comunicou o achado aos amigos, que logo entraram em contato
com a guarda costeira. Quando tiraram o barco, encontraram o meu pai preso
dentro da cabine. Ele deve ter descido para fazer alguma coisa, deixando o meu
irmão no comando, quando ouve o acidente e não conseguiu sair.
Continua semana que vem...
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