terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Assombração - Parte 9

Continuando...
Ele deu uma pausa para tentar equilibrar as emoções, já que os olhos começavam a se encher de lágrimas e o coração a bater desordenado, num choro mudo.  O Dr. Justus e a enfermeira, ao perceberem a sua voz embargada, não quiseram interromper o seu relato, apenas esperaram até que ele se refizesse e, talvez, continuasse com a história. O silêncio tomou conta da sala. O tempo que esse silêncio perdurou ninguém saberia dizer. Todo silêncio que é carregado de dor, parece que não tem fim. E esse, era um deles. Mas aos poucos, Dr. Anton foi se refazendo e voltou a falar:
         - É. Estou sufocado. É muita emoção. Dr. eu gostaria de vê-lo. Esses anos todos sem a sua presença, deixou-me um grande vazio. Eu e minha mãe carregamos uma tristeza, que vocês nem imaginam.  
          Dr. Justus olhava-o com grande pesar. Estava procurando às palavras certas para tentar aliviar aquele peso que o colega carregava. Mas nada vinha à mente que pudesse dar um alento aquele coração sofrido. O que falar? Não sabia, entretanto tinha que dizer alguma coisa. Passou a mão direita sobre o cabelo, num jeito que era todo seu, parecendo que segurava um pente invisível. Repetiu o gesto mais uma vez. Depois colocou o dedo polegar na boca. Parecia que tentava imaginar o que se passava no coração do colega. Em seguida respirou fundo, falou e disse:
          - Dr. pode ficar tranquilo. Nós vamos providenciar isso. Mas, Dr., o amigo tem que estar preparado... – deu uma pausa e continuou: - O amigo não deve apostar 100% no fato. Pode ser apenas uma coincidência. Tem muita gente parecida por esse mundo afora, que nem parente é. Mesmo com toda semelhança que tem com você, pode não ser seu irmão.
          - Mas essa hipótese está fora de questão! Ele é o meu irmão sim! O nome dele, acho que ainda não falei, é Antoane Sandez. Dr. o meu coração assim diz. E ele não se engana.
          - Então! Quem pode ir contra o coração?
          - Sabe de uma coisa: nunca acreditei que tivesse perdido meu irmão. Os gêmeos sentem quando um dos irmãos está com algum problema. Nós quase sabíamos o que o outro estava pensando. Engraçado isso, não é? Mas é a pura verdade. Quando ficávamos longe, sabíamos que o outro estava preocupado. Se um dos dois ficasse doente, o outro também ficava de cama. A sensação é que uma parte completa a outra. Eu me sinto pelo meio. Não sou uma pessoa completa. Mas por outro lado, tenho a sensação que essa outra parte não está perdida. Isso eu senti, quando foi encontrado somente o corpo do meu pai. E essa esperança, de encontra-lo, me acompanha até hoje. Nunca duvidei disso.
          - Isso é uma coisa incrível. A medicina não explica como isso acontece. Tenho uns primos que são gêmeos. O que você falou, bate direitinho com eles. Sempre fiquei impressionado com a convivência dos dois. Não se desgrudavam nunca. Se um tinha dor de cabeça, o outro com certeza era afetado com o mesmo problema. Se ficassem afastados, a tristeza pegava os dois. Quem explica isso? Então. Fica tranquilo que amanhã sai o resultado dos exames. Ouve um pequeno atraso. Não conseguimos fazer os exames aqui. Mas fica tranquilo que amanhã você vai conhecê-lo. Mesmo com o pouco que o conheço, tenho quase certeza que ele estará aqui antes do sol nascer.
          - Levantarei juntinho com o sol. Estarei cedinho, na sala dos médicos. Pode apostar nisso. Ah! Doutor! Acabei não comentado que Antoane cursava também medicina! Ia ser um grande médico! Era o melhor da turma!
          A enfermeira acompanhava a conversa dos dois de boca aberta. Uma vez ou outra passava a língua nos lábios, para umedecê-los. De repente lembrou-se que estava com as xícaras de café na bandeja. Sorriu, mas sem jeito, e ofereceu-as aos dois. Dr. Justus pegou primeiro e bebeu de um só gole. Depois devolveu a xícara à bandeja e, demonstrando muita ansiedade, falou:
          - E aí! Continua! Continua!
            Dr. Anton se arrumou na cadeira, pegou a outra xícara de café, bebeu um pouco, e continuou:
          - Como ia dizendo, ele cursava medicina. Estávamos na mesma faculdade, na mesma turma e, pra variar, não nos desgrudávamos nunca. Só nos separávamos aos domingos, por algumas horas, na pescaria com nosso pai. Como disse, ele era uma pessoa muito supersticiosa. Mamãe também é! Ela diz que não! Mas é! Com isso, só ia um de cada vez. Esse domingo fatídico era o meu. Como acordei febril, – e por incrível que pareça, ele acordou bem -, então foi no meu lugar. Não sei se escondeu-me que também estava com febre. Eu nem percebi. E isso me incomoda até hoje.
          - Mas você não teve culpa. Isso foi uma fatalidade. Como foi o acidente? – perguntou o Dr. Justus.
            Antes de responder, Dr. Anton levantou os óculos, colocando-o acima da testa, e em seguida passou a ponta do dedo nos olhos. Dava para notar que a emoção estava à flor da pele. Esticou os olhos pelas paredes da sala por alguns segundos e continuou:

           - Até hoje não conseguimos descobrir o que aconteceu. O barco do meu pai quando foi encontrado, apresentava muitas avarias. O estranho na história, é que o local não era fundo. Era bem próximo de uma ilha. O barco foi encontrado por uns pescadores. Ao passarem próximos da ilha, encontraram uma boia salva vidas, que estava flutuando. Ao pegá-la, viram que tinha uma corda e que essa corda estava presa em alguma coisa no fundo. Ficaram curiosos e um dos tripulantes, que conhecia bem os arredores da ilha, e sabedor que ali não era fundo, mergulhou para descobrir o que prendia a boia. Qual não foi a sua surpresa ao se deparar com uma embarcação no fundo, e bem destruída. Subiu e comunicou o achado aos amigos, que logo entraram em contato com a guarda costeira. Quando tiraram o barco, encontraram o meu pai preso dentro da cabine. Ele deve ter descido para fazer alguma coisa, deixando o meu irmão no comando, quando ouve o acidente e não conseguiu sair.
           Continua semana que vem...

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