Assombração mesmo aparentando leveza e
descontração, não conseguiu deixar para trás a ansiedade. Mesmo sendo pouca,
achava que deveria ir logo para o hospital. Parou um pouco, olhou para o céu,
balançou a cabeça e concluiu que era muito cedo. Mesmo o sol já se esticando
pela calçada, os ponteiros do relógio ainda não tinham chegado às sete
horas. Atravessou a
rua e foi em direção à cantina de Dona Verona. Lá chegando, encontrou-a de
costas arrumando uma prateleira. Dessa vez não ficou parado, de cabeça baixa,
esperando que ela notasse a sua presença. Deu uma leve tossida e não esperou
que ela olhasse. Antes, deu um sonoro bom dia e deixou um riso solto no ar.
Dona Verona virou assustada e deparou com aquela figura já tão sua conhecida,
em pé, cabeça erguida, sorrindo um sorriso cheio de alegria. Acabou entrando no
clima e deixou o seu sorriso se esbarrar com o do seu amigo. Naquele instante
percebeu que estava em frente de uma pessoa que finalmente tinha conseguido se
desvencilhar de um grande peso. Não
era outra pessoa, isso não. Era a mesma, porém agora conseguia sorrir sem
baixar a cabeça. Era o mesmo sorriso lindo e limpo, mas que não carregava mais
o medo. Seus olhos se encheram de lágrimas. Dona Verona pegou as mãos dele e
disse emocionada:
- Meu filho! Meu filho! Como você está
lindo! Esse bom dia, foi o
melhor bom dia que já recebi em toda a minha vida! Agora sim. Você deixou o seu
sorriso se libertar. Todo mundo tem que conhecer esse coração tão bonito, meu
filho. Chegue mais perto e bota esse rosto bonito, para que eu possa beijá-lo.
Assombração ficou da cor de um tomate,
mas virou a bochecha encarnada para Dona Verona beijar. Foi um beijo sonoro,
que quase o fez chorar de emoção. Em seguida ela se enlaçou no seu pescoço e
deixou que as lágrimas descessem sem freios. Depois ficaram cara a cara se
mirando, enlaçados de felicidade. Dona Verona custou a parar de chorar. Respirou
fundo e alisou a cabeça e o rosto de Assombração. Pegou a sua mão direita e
colocou-a em cima do seu coração. Depois falou, com a voz embargada, o que a
sua alma dizia:
- Sabe meu filho. Deus é muito bom
comigo. Depois que o meu filho Nereu se foi, foi bater pernas pelo mundo, achei
que ia morrer de tristeza. Aí Deus mandou outro filho pra mim, que trouxe de
volta a minha alegria. Meu filho, você salvou a minha vida! Você é o filho que
eu escolhi! O meu filho pra toda vida!
Assombração olhava para Dona Verona,
mas não conseguia articular palavra alguma. Estava engasgado. Só ficava olhando
para ela e deixando que as lágrimas escorregassem pelo rosto. Após alguns
minutos é que conseguiu dizer alguma coisa, quando viu uma menina, que vinha
saindo da cozinha, parar do lado de Dona Verona. Enxugou os olhos e disse:
- Dona Verona, essa menina é sua
filha?
Ela virou-se para a menina e
respondeu:
- Não meu filho. Ela é minha ajudante.
O nome dela é Paula. Ela é filha da minha vizinha Toninha. Você nunca viu
Paula? Também, como ia ver? Hoje é que você levantou a cabeça, não foi?
Depois de alguns segundos de silêncio,
os três caíram na maior gargalhada. O ambiente tomou um ar de total
descontração. Assombração estava feliz. Parecia que o sorriso não ia mais
abandonar os seus lábios. Aceitou o café que Dona Verona ofereceu. Só que desta
vez foi toma-lo na cozinha. Conversaram bastante, como velhos amigos, e em
alguns momentos, como mãe e filho. Ali estava selada, para sempre, uma amizade
sólida e verdadeira.
Os ponteiros do relógio voaram.
Assombração não tirava os olhos do seu relógio de pulso, que apresentava a
caixa muito manchada, mas que não era velho. Mas que parecia, parecia. Passou
pela sua cabeça o dia que o encontrou. Achou-o numa das lixeiras da rua. Com o
achado na mão, apertou a campainha da casa e comunicou o fato, de cabeça baixa,
a dona da casa. A senhora que o atendeu sorriu e disse:
- Pode ficar pra você, meu
filho.
Ele agradeceu e se lembrou que tinha
sido Dona Lourdes, a segunda pessoa que o chamara de filho. Dona Verona sempre
o tratou assim. Abriu um sorriso de felicidade.
O relógio já marcava oito e quinze. O
horário para chegar ao hospital, seria às nove horas. Olhou para o comprido da
rua e decidiu ir. Tinha tempo de sobra, mas nunca gostou de andar atrasado.
Ainda mais que tinha marcado com o Dr. Justus. O percurso seria cumprido em
menos de vinte minutos. Queria chegar mais cedo. Estava feliz, mas ansioso.
...Continua semana que vem...
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