terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Assombração - Parte 11

Continuando...
          Assombração mesmo aparentando leveza e descontração, não conseguiu deixar para trás a ansiedade. Mesmo sendo pouca, achava que deveria ir logo para o hospital. Parou um pouco, olhou para o céu, balançou a cabeça e concluiu que era muito cedo. Mesmo o sol já se esticando pela calçada, os ponteiros do relógio ainda não tinham chegado às sete horas.   Atravessou a rua e foi em direção à cantina de Dona Verona. Lá chegando, encontrou-a de costas arrumando uma prateleira. Dessa vez não ficou parado, de cabeça baixa, esperando que ela notasse a sua presença. Deu uma leve tossida e não esperou que ela olhasse. Antes, deu um sonoro bom dia e deixou um riso solto no ar. Dona Verona virou assustada e deparou com aquela figura já tão sua conhecida, em pé, cabeça erguida, sorrindo um sorriso cheio de alegria. Acabou entrando no clima e deixou o seu sorriso se esbarrar com o do seu amigo. Naquele instante percebeu que estava em frente de uma pessoa que finalmente tinha conseguido se desvencilhar de um grande peso.  Não era outra pessoa, isso não. Era a mesma, porém agora conseguia sorrir sem baixar a cabeça. Era o mesmo sorriso lindo e limpo, mas que não carregava mais o medo. Seus olhos se encheram de lágrimas. Dona Verona pegou as mãos dele e disse emocionada:
          - Meu filho! Meu filho! Como você está lindo!  Esse bom dia, foi o melhor bom dia que já recebi em toda a minha vida! Agora sim. Você deixou o seu sorriso se libertar. Todo mundo tem que conhecer esse coração tão bonito, meu filho. Chegue mais perto e bota esse rosto bonito, para que eu possa beijá-lo.
          Assombração ficou da cor de um tomate, mas virou a bochecha encarnada para Dona Verona beijar. Foi um beijo sonoro, que quase o fez chorar de emoção. Em seguida ela se enlaçou no seu pescoço e deixou que as lágrimas descessem sem freios. Depois ficaram cara a cara se mirando, enlaçados de felicidade. Dona Verona custou a parar de chorar. Respirou fundo e alisou a cabeça e o rosto de Assombração. Pegou a sua mão direita e colocou-a em cima do seu coração. Depois falou, com a voz embargada, o que a sua alma dizia:
          - Sabe meu filho. Deus é muito bom comigo. Depois que o meu filho Nereu se foi, foi bater pernas pelo mundo, achei que ia morrer de tristeza. Aí Deus mandou outro filho pra mim, que trouxe de volta a minha alegria. Meu filho, você salvou a minha vida! Você é o filho que eu escolhi! O meu filho pra toda vida!
          Assombração olhava para Dona Verona, mas não conseguia articular palavra alguma. Estava engasgado. Só ficava olhando para ela e deixando que as lágrimas escorregassem pelo rosto. Após alguns minutos é que conseguiu dizer alguma coisa, quando viu uma menina, que vinha saindo da cozinha, parar do lado de Dona Verona. Enxugou os olhos e disse:
          - Dona Verona, essa menina é sua filha?
        Ela virou-se para a menina e respondeu:
        - Não meu filho. Ela é minha ajudante. O nome dela é Paula. Ela é filha da minha vizinha Toninha. Você nunca viu Paula? Também, como ia ver? Hoje é que você levantou a cabeça, não foi?
         Depois de alguns segundos de silêncio, os três caíram na maior gargalhada. O ambiente tomou um ar de total descontração. Assombração estava feliz. Parecia que o sorriso não ia mais abandonar os seus lábios. Aceitou o café que Dona Verona ofereceu. Só que desta vez foi toma-lo na cozinha. Conversaram bastante, como velhos amigos, e em alguns momentos, como mãe e filho. Ali estava selada, para sempre, uma amizade sólida e verdadeira.
         Os ponteiros do relógio voaram. Assombração não tirava os olhos do seu relógio de pulso, que apresentava a caixa muito manchada, mas que não era velho. Mas que parecia, parecia. Passou pela sua cabeça o dia que o encontrou. Achou-o numa das lixeiras da rua. Com o achado na mão, apertou a campainha da casa e comunicou o fato, de cabeça baixa, a dona da casa. A senhora que o atendeu sorriu e disse:
          - Pode ficar pra você, meu filho.                          
           Ele agradeceu e se lembrou que tinha sido Dona Lourdes, a segunda pessoa que o chamara de filho. Dona Verona sempre o tratou assim. Abriu um sorriso de felicidade.

          O relógio já marcava oito e quinze. O horário para chegar ao hospital, seria às nove horas. Olhou para o comprido da rua e decidiu ir. Tinha tempo de sobra, mas nunca gostou de andar atrasado. Ainda mais que tinha marcado com o Dr. Justus. O percurso seria cumprido em menos de vinte minutos. Queria chegar mais cedo. Estava feliz, mas ansioso.
      ...Continua semana que vem...

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