terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

Assombração - Parte 15

Continuando...
Assombração ficou olhando-o em silêncio, antes de fazer qualquer tipo de comentário. Em seguida coçou a testa e passou a mão pelo rosto com vigor. Depois voltou a esfregar a testa, como quisesse arrumar alguma coisa dentro da sua cabeça. Mas finalmente arriscou mais de uma pergunta:
          - Você disse irmão? Então eu tenho mãe?
         Antes de terminar a pergunta, já estava com os olhos cheios d’água. Anton percebendo a emoção que tinha se apoderado do irmão, ficou também emocionado. Com cuidado disse:
          - Antoane. Nós temos uma mãe. A minha mãe, é também a sua mãe. Viu como somos parecidos? Somos muitos parecidos, irmão. Nós somos gêmeos.
          Assombração olhou bem nos olhos do irmão, enxugou as lágrimas que nesse momento já começavam a escorrer pelo rosto, e falou:
          - Puxa. Eu tenho uma mãe. Cadê a minha mãe? Tenho um irmão. Eu tenho outro nome. Meu nome é Antoane?
          - É. Esse é o seu nome de batismo. Você não se lembra de nada?         
            Anton respondeu a pergunta do irmão e em seguida quis saber sobre a sua memória. Antoane, com o olhar virado para cima, fez algumas caretas e, antes de responder, permitiu que um leve sorriso antecedesse as sua palavras.
          - Eu só me lembro que cheguei aqui. Nem sei como foi isso. Só abri os olhos e pronto: estava aqui. Não sei de mais nada. Você não conhece Dona Verona. Ela me chama de filho, sabia? Seu Juca também é meu amigo. E tem a menina do nº 18. Coitada, é ela que está doente. Mas agora vai ficar boa, não vai Dr.?
           - Claro Antoane! Com certeza! – respondeu o Dr. Justus sorridente.
           - Sabe doutor, até que esse nome também é bonito! Dr. e a minha mãe?
           - Antoane, me chame de Anton. Quando a nossa mãe ficar sabendo que você está vivo, vai sorrir novamente. As lágrimas, em todos esses anos, não permitiram que o sorriso aparecesse...
            Dr. Anton de repente interrompeu o que estava falando. A sua voz simplesmente parou de sair. Imediatamente o silêncio se apoderou novamente daquela pequena sala. Os corações, em conflito, eram palcos de um duelo entre a alegria e a tristeza. O combate tendia para a alegria, mesmo com as feições mostrando as lágrimas que desciam em cada par de olhos.
          O Dr. Justus que apreciava aquela cena com um nó na garganta, girou a sua cadeira para o lado, disfarçando, e enxugou os olhos. A enfermeira parecia que não tinha parado de chorar um só instante, pois já tinha os olhos vermelhos e inchados. O Dr. Anton, que desde que falou a última palavra, deixou que as lágrimas escorressem pelo rosto, como um fio d’água escorrendo por uma vidraça. Assombração olhava para as três personagens que entraram na sua vida e, sem perceber, começou a chorar compulsivamente. O irmão não se conteve e abraçou-o bem apertado. Os dois ficaram enlaçados por bastante tempo, deixando que o pranto se encarregasse de afogar em definitivo a tristeza, principalmente a de Anton, e festejar o reencontro daqueles dois irmãos, que as mãos do destino tinham se encarregado de empurrá-los pelos labirintos da vida. Os corações foram se serenando; as lágrimas, por sua vez, foram estancando e automaticamente a se desgrudar. Inevitavelmente o sorriso começou a brotar espontaneamente. O Dr. Anton, com as mãos em cima dos ombros do irmão, e com o rosto iluminado com um belo sorriso, não parava de olhá-lo. Antoane, que também olhava no olho do irmão, num repente deixou que o seu riso alegre e carismático explodisse, enchendo de alegria e descontração o ambiente. O Dr. Justus e a enfermeira Elga olhavam àquela cena, paralisados com a forte emoção. Todo ambiente estava mergulhado na energia do amor. Os dois, já começando a estancar as suas lágrimas, conseguiam dar movimento aos seus corpos e se uniram aos irmãos num grande abraço, fechando aquele momento de felicidade plena.  Os quatro  inundaram o consultório de sorrisos. Ficaram abraçados por muito tempo, enlaçados na emoção. Só se separaram, quando o Dr. Justus chamou-os a realidade, interrompendo aquele instante único. Sabia que ia ser difícil falar alguma coisa naquele momento, mas tinha que falar. Ainda com os olhos cheios de lágrimas e o coração numa marcha, que não se lembrava de já tido ele naquele compasso, o cirurgião, com anos e anos de estrada, sério e capaz, não tinha recordação de ter tido algum dia uma experiência daquele quilate. Sempre controlou suas emoções com facilidade, para que pudesse realizar com sucesso suas cirurgias, procurando sempre não se envolver emocionalmente com o paciente. Mas nesse caso, da menina Verinha, desde o início tinha sido diferente. O seu envolvimento com ela, a família e o doador, naquele momento, era total. E agora tinha mais uma pessoa, o Dr. Anton, que, com certeza, sabia, que a partir dali, estava selada uma amizade para o resto da vida. Pigarreou e, com a voz embargada, disse:
              - Meus amigos. Vo... Puxa! Estou emocionado! – respirou fundo e continuou – Vocês não fazem ideia do que vai aqui nesse coração. Nesses anos todo de profissão, nunca senti tanta emoção na minha vida. Cheguei a duvidar que, em tão curto espaço de tempo, poderíamos conseguir um doador, para a menina Verinha. Mas esse menino – posso chama-lo assim? -, com uma certeza absoluta, com esse coração que transborda bondade, me fez acreditar piamente, que estava frente a frente com essa possibilidade real. Que na realidade não era mais uma possibilidade e sim uma certeza absoluta.  

             Dr. Justus fez uma pausa, sorriu, pegou a sua xícara de café e bebeu o último gole, que repousava frio no fundo da xícara. Pela primeira vez olhou a enfermeira Elga dentro dos olhos. Nunca tinha observado àquela companheira de trabalho, que o acompanhava há quase vinte anos. Naqueles anos todo nunca tinha observado a bela mulher que ela era. E era, na verdade, a sua única família.
           Continua semana que vem...

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