Assombração
ficou olhando-o em silêncio, antes de fazer qualquer tipo de comentário. Em
seguida coçou a testa e passou a mão pelo rosto com vigor. Depois voltou a
esfregar a testa, como quisesse arrumar alguma coisa dentro da sua cabeça. Mas
finalmente arriscou mais de uma pergunta:
- Você disse irmão? Então eu tenho
mãe?
Antes de terminar a pergunta, já
estava com os olhos cheios d’água. Anton percebendo a emoção que tinha se
apoderado do irmão, ficou também emocionado. Com cuidado disse:
- Antoane. Nós temos uma mãe. A minha
mãe, é também a sua mãe. Viu como somos parecidos? Somos muitos parecidos,
irmão. Nós somos gêmeos.
Assombração olhou bem nos olhos do
irmão, enxugou as lágrimas que nesse momento já começavam a escorrer pelo
rosto, e falou:
- Puxa. Eu tenho uma mãe. Cadê a minha
mãe? Tenho um irmão. Eu tenho outro nome. Meu nome é Antoane?
- É. Esse é o seu nome de batismo.
Você não se lembra de
nada?
Anton respondeu a pergunta do irmão e
em seguida quis saber sobre a sua memória. Antoane, com o olhar virado para
cima, fez algumas caretas e, antes de responder, permitiu que um leve sorriso
antecedesse as sua palavras.
- Eu só me lembro que cheguei aqui.
Nem sei como foi isso. Só abri os olhos e pronto: estava aqui. Não sei de mais
nada. Você não conhece Dona Verona. Ela me chama de filho, sabia? Seu Juca
também é meu amigo. E tem a menina do nº 18. Coitada, é ela que está doente.
Mas agora vai ficar boa, não vai Dr.?
- Claro Antoane! Com
certeza! – respondeu o Dr. Justus sorridente.
- Sabe doutor, até que esse nome
também é bonito! Dr. e a minha mãe?
- Antoane, me chame de Anton. Quando a
nossa mãe ficar sabendo que você está vivo, vai sorrir novamente. As lágrimas,
em todos esses anos, não permitiram que o sorriso aparecesse...
Dr. Anton de repente interrompeu o que
estava falando. A sua voz simplesmente parou de sair. Imediatamente o silêncio
se apoderou novamente daquela pequena sala. Os corações, em conflito, eram
palcos de um duelo entre a alegria e a tristeza. O combate tendia para a
alegria, mesmo com as feições mostrando as lágrimas que desciam em cada par de
olhos.
O Dr. Justus que apreciava aquela cena
com um nó na garganta, girou a sua cadeira para o lado, disfarçando, e enxugou
os olhos. A enfermeira parecia que não tinha parado de chorar um só instante,
pois já tinha os olhos vermelhos e inchados. O Dr. Anton, que desde que falou a
última palavra, deixou que as lágrimas escorressem pelo rosto, como um fio
d’água escorrendo por uma vidraça. Assombração olhava para as três personagens
que entraram na sua vida e, sem perceber, começou a chorar compulsivamente. O
irmão não se conteve e abraçou-o bem apertado. Os dois ficaram enlaçados por
bastante tempo, deixando que o pranto se encarregasse de afogar em definitivo a
tristeza, principalmente a de Anton, e festejar o reencontro daqueles dois
irmãos, que as mãos do destino tinham se encarregado de empurrá-los pelos
labirintos da vida. Os corações foram se serenando; as lágrimas, por sua vez,
foram estancando e automaticamente a se desgrudar. Inevitavelmente o sorriso
começou a brotar espontaneamente. O Dr. Anton, com as mãos em cima dos ombros
do irmão, e com o rosto iluminado com um belo sorriso, não parava de olhá-lo.
Antoane, que também olhava no olho do irmão, num repente deixou que o seu riso
alegre e carismático explodisse, enchendo de alegria e descontração o ambiente.
O Dr. Justus e a enfermeira Elga olhavam àquela cena, paralisados com a forte
emoção. Todo ambiente estava mergulhado na energia do amor. Os dois, já
começando a estancar as suas lágrimas, conseguiam dar movimento aos seus corpos
e se uniram aos irmãos num grande abraço, fechando aquele momento de felicidade
plena. Os quatro inundaram o consultório de sorrisos.
Ficaram abraçados por muito tempo, enlaçados na emoção. Só se separaram, quando
o Dr. Justus chamou-os a realidade, interrompendo aquele instante único. Sabia
que ia ser difícil falar alguma coisa naquele momento, mas tinha que falar.
Ainda com os olhos cheios de lágrimas e o coração numa marcha, que não se
lembrava de já tido ele naquele compasso, o cirurgião, com anos e anos de
estrada, sério e capaz, não tinha recordação de ter tido algum dia uma
experiência daquele quilate. Sempre controlou suas emoções com facilidade, para
que pudesse realizar com sucesso suas cirurgias, procurando sempre não se
envolver emocionalmente com o paciente. Mas nesse caso, da menina Verinha,
desde o início tinha sido diferente. O seu envolvimento com ela, a família e o
doador, naquele momento, era total. E agora tinha mais uma pessoa, o Dr. Anton,
que, com certeza, sabia, que a partir dali, estava selada uma amizade para o
resto da vida. Pigarreou e, com a voz embargada, disse:
-
Meus amigos. Vo... Puxa! Estou emocionado! – respirou fundo e continuou – Vocês
não fazem ideia do que vai aqui nesse coração. Nesses anos todo de profissão,
nunca senti tanta emoção na minha vida. Cheguei a duvidar que, em tão curto
espaço de tempo, poderíamos conseguir um doador, para a menina Verinha. Mas
esse menino – posso chama-lo assim? -, com uma certeza absoluta, com esse
coração que transborda bondade, me fez acreditar piamente, que estava frente a
frente com essa possibilidade real. Que na realidade não era mais uma
possibilidade e sim uma certeza absoluta.
Dr. Justus fez uma pausa, sorriu,
pegou a sua xícara de café e bebeu o último gole, que repousava frio no fundo
da xícara. Pela primeira vez olhou a enfermeira Elga dentro dos olhos. Nunca
tinha observado àquela companheira de trabalho, que o acompanhava há quase
vinte anos. Naqueles anos todo nunca tinha observado a bela mulher que ela era.
E era, na verdade, a sua única família.
Continua semana que vem...
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