UM
ANJO NA BOLEIA
- José Timotheo -
- José Timotheo -
A vida na estrada reserva várias surpresas. Tem violência. Tem amor. Tem
sexo. Tem paixão. Tem prostituição. Tem companheirismo. Tem caridade. Tem
amizade. Tem drogas. Tem azar e sorte. Tem vida e morte.Tem muita fantasia. Tem
gente. Aí, tem tudo isso.
Os irmãos Toni e Quim, filhos de portugueses, moradores da baixada
fluminense, viviam quase o tempo todo nas estradas por esse Brasil afora. Toni
era o mais velho. Já se aproximava dos trinta e oito anos. E tinha quase oito
anos de diferença para o irmão. Um sujeito calmo e muito boa praça. Não tinha
caminhoneiro que não gostasse dele. Em compensação, Quim era mais agitado, mais
afoito e chegado a uma encrenca. Eram dois opostos, porém se davam muito bem.
Além de irmãos, eram grandes amigos.
Toni já tinha viajado por quase todo o país. Desde adolescente, fazia
par com o pai nas andanças por quase todo Brasil. Com dezesseis anos, fez a sua
primeira viagem. Depois dessa vez, não
parou mais. Passou a ser, quando podia, o fiel escudeiro do Seu Joaquim. O pai tentava negar o seu pedido para ir a
mais uma viagem, mas com a insistência de Toni, acabava cedendo. A sua
preocupação era com a educação do garoto, mas agradava muito a sua presença na
boleia. E assim o menino foi crescendo pelas nossas estradas e, com isso,
incorporou a vida de caminhoneiro à sua vida. Não tinha mais como mudar de
rumo. Era isso e mais nada. Depois da morte do pai, ele levou o irmão para a
sua primeira viagem e como aconteceu com ele, o irmão também se apaixonou pela
vida de caminhoneiro e aí, a dupla estava montada.
As viagens não paravam. Era do sudeste para o nordeste, daí para o
centro oeste, depois para o norte. Aí já tinha uma carga para o sul.E não
paravam nunca. Raramente apareciam em casa. O lar deles tinha virado a boleia
do caminhão. Quase não dormiam em hotéis de beira de estrada. Com o tempo, indo e vindo para as mesmas
cidades, acabaram arranjando namoradas nesses lugares e uma cama para amar e descansar.
Com isso o caminho de volta para casa, estava quase esquecido.
As histórias eram muitas. Muitos sufocos já tinham passado juntos.
Muitos sustos já tinham sido acumulados naqueles anos, atravessando o Brasil de
ponta a ponta. Mas tinha uma história que foi a mais marcante. E foi numa
dessas viagens, no sertão nordestino, para lá onde Jesus perdeu as botas, onde
Toni foi visitar um amigo que precisava da sua ajuda. Assim ele disse para o irmão.
Quando os primeiros raios de sol se derramavam pelo campo, Toni e Quim já
estavam desde as cinco horas da matina, rodando estrada. Haviam tomado um café
rápido. Quim nunca tinha visto Toni tão ansioso. A sua barriga deu um ronco.
Era o sinal para dar uma parada. Falou num tom um pouco baixo, perto do ouvido
do irmão:
- Toni, a barriga roncou. Olha o
sinal aí. Acho que está na hora do almoço. Vamos parar?
- Acho que não são nem onze horas. Mas tudo bem. Estou com fome também.
Quim, você sabe que não podemos perder tempo, certo? Então, dessa vez, nada de
parada longa. E nada de rabo de saia!
- Mas Toni...
- Nem mais, nem menos. Eu te conheço! Eu te conheço! Desde o outro
carnaval, Quim!
O irmão fez um muxoxo e disse:
- Mas Toni. E a Mariazinha? A gente não vai parar para almoçar? Então, a
gente junta o útil ao agradável e para lá no posto de gasolina, perto de onde
ela mora! Pelo tempo que a gente tá andando, deve dar, mais ou menos, por lá.
Toni, ela deve tá uma gracinha!
- Sem essa! Você esqueceu o que a gente tá levando aí? Cara são duas
cargas! Oh! Nada disso! Parar só para almoçar, e em outro posto! Assim a gente
muda o trajeto! Não dá não! Concordei em parar, mas agora discordo! Senão vamos
perder muito tempo! Vamos andar mais um pouco! Depois a gente enche o bucho!
Com um ar de decepção, Quim contesta:
- Pô, Toni! Não amassa meu cano! Pelo que me consta, não tem nada de
muito valioso aí atrás! E além do mais, estamos com tempo sobrando! Toni. É só
a gente entrar no próximo cruzamento e vamos perder, no máximo, meia hora pra ir
e meia pra voltar.Os seus planos não vão ser alterados. Mano, estou ficando com
uma tristeza profunda.
- Sem drama! Sem drama, Quim!
- Não é drama. Estou com saudade da Mariazinha. É sério.
- Quem não te conhece, te compra. Você já pensou em fazer novela? A cada
dia que passa as suas aptidões artísticas estão brotando cada vez mais
forte. Impressionante, né?
- Que artista o quê! Você está é ficando duro na queda! E misterioso! Estou pensando. Pensando aqui
com os meus botões. É só de uma carga que a gente vai ganhar alguma coisa, é ou
não? A outra, você sabe, não vai dar nem pro café.É só uma porção de coisas
velhas. Estou tentando, mas não consigo entender o que está acontecendo.Você
está muito sentimental com essas velharias.
- Que sentimental o quê! Você está deixando é criar minhocas na sua
cabeça!
- Você está é inventando coisas pra sair pela tangente! Eu te conheço!
Toni, você me convidou para visitar um amigo. Não foi? Até ai tudo bem. Você
sabe que estou sempre contigo e não abro. Mas aí chegando lá, você foi sozinho
e depois disse que não encontrou o amigo. Ficou sabendo que o cara tinha batido
as botas. E o mais estranho é que nem viu à cara dele. Só encontrou mesmo os
seus cacarecos e um bilhete pedindo para você entregar todo esse lixo para a
mulher dele. Alguma coisa me diz que você já sabia que o seu amigo já tinha
batido as botas!Isso está martelando aqui na minha cabeça!
Toni passou a mão pelo pouco cabelo que ainda forrava a sua cabeça e
disse um tanto meloso:
- Sabia nada. Só por que eu não chorei? Você está vendo chifre em cabeça de cavalo.Zé Betão era meu
amigo do peito. Era o melhor amigo do velho.Uma vez tirou a gente do sufoco.
Coisa que só irmão faz. Depois desse dia
então, nos tornamos amigos pra valer! A gente não esquece um momento desses. É
ou não é? Quim, a gente só leva mesmo é recordações pra viúva.Só isso. E eu não
acredito que o seu coração tenha virado pedra.
- Mas Toni, aí atrás só tem coisas velhas! Só troço pra ser jogado fora!
Já deve ter uma família completa de cupim morando naquela velharia! É bem capaz
que a mulher dele coloque fogo em tudo!Antes mesmo de entrar em casa! Não
duvido disso!
Continua semana que vem...
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