- Não se preocupe. Não tem nada pra
explicar, não! Você não tem um envelope para entregar pra família?
- Tenho.
- Então, é a única coisa que importa!
Eles não precisam saber de corpo nenhum!
Toni fica olhando para a menina, sem
saber o que falar. Estava tentando encontrar palavras para continuar a
conversa. Olha para o irmão, como querendo que ele falasse alguma coisa, mas
Quim, parecendo que tinha percebido a intenção dele, dá uma sacudida na cabeça,
negando, e diz:
- Oh! Estou fora! Não tenho nada pra
dizer! Não sabia de corpo nenhum! E tem mais: foi até melhor os caras terem
levado o caixão! Você sabe que eu não fico muito a vontade perto de defunto!
- Mas você é cagão, Quim! Eu sabia
que não podia contar com você! Agora, menina, me diz uma coisa: como é que você
sabia do envelope? Ninguém sabia! Acho que nem Quim sabia! Se eu comentei,
elenem percebeu!
- É! Não sei de envelope nenhum! Você
não falou nada! Acho que falou de uma carta! Só isso!
- Ah! Quim! Devo ter falado e você não
registrou! Mas quero saber como você sabia, menina!
- Isso não é importante agora, tá
legal? Vamos embora! Vamos subir no
caminhão e pé na mula!
- Mas...
- Mas nada!
- Mas nada? Olha aí Toni! Mas antes de
qualquer coisa: o cagão é você. Ouviu bem, Toni? E agora, menina, me diz uma
coisa: por que os caras deixaram a gente e se mandaram apressados? Pelo menos
isso tem explicação, né?
- Foi à sirene da polícia!
- Que sirene?
- Vocês não ouviram a sirene da
polícia?
- Eu não! E você Toni?
- Eu também não! Quim, eu desconfio que
estamos ficando surdos!
- É! Pode ser! Surdinho! Surdinho!
- Vocês não ouviram, porque estavam com
muito medo. O medo deixa as pessoas cegas, surdas e mudas.
- Mas eu não estou nem cego, nem surdo e
nem mudo. Falei de brincadeira que estava surdo. Só de brincadeira. Quim chega
mais perto: você não acha que na distância que a gente estava dos caras, a
gente não ia ouvir a sirene?
- Eu acho. Muito estranho! Muito
estranho!
Enquanto os dois falavam quase
sussurrando a menina deixava escapar um sorriso. Depois esticou o olhar por
todo aquele matagal queimado pela seca, talvez procurando por algum verde. Mas
o horizonte só mostrava desolação. Virou às costas e se encaminhou para o
caminhão. Quando ia saindo, Quim, percebendo o seu afastamento, fala:
- Menina. Menina Angélica. Sabe de uma
coisa? Eu jurava de pés juntos, que você estava com aqueles pilantras. Na
verdade, desde o inicio, achei sempre isso. Agora... Mas se você não estava com
eles, como é que não fizeram nada com você? Explica isso?
- Ah! Eles estavam tão preocupados com o
caixão, que nem prestaram atenção em mim! Mas... O melhor agora é a gente ir
embora! O que tem de barro pela frente, não está no gibi!
- Aí Toni! Continua sem explicar nada
direito! E ainda, fala uma gíria pra lá de antiga! Menina! Menina!
- Deixa de papo! Vamos embora! Vamos?
Os dois acabam, entre resmungos e
protestos, acompanhando a menina. Quando os dois entram, Angélica já está
sentada no seu lugar de sempre. Toni pega a direção e comenta com o irmão:
- Aí Quim! Ela é rápida! Menina
ligeirinha! Você viu quando ela subiu?
- Eu não, mano!
- Vocês é que são muito molengos!
- Molengo, eu? Eu não sou! Toni! E você
é?
- Você sabe que não! Nós somos uma dupla
que não dorme no ponto! É ou não é?
- Claro mano!
- Vamos deixar de papo furado? Vamos pra
rodovia? Na primeira estrada de chão, à esquerda, a gente entra! Aí, estamos
quase na minha casa!
- Daqui a pouco? Daqui a pouco, mesmo?
Não pode dizer a distância, não?
- Claro! Está bem pertinho! Uns cinco
quilômetros, só!
- Assim fica mais fácil, né Toni? Ela é muito
engraçada, você não acha? Menina, fala pra gente: entrando nessa tal estrada,
você vai ficar aonde?
- Vou ficar pertinho de onde vocês vão! Quando
chegar, eu aviso!
Toni liga a carreta, mas não sai do
lugar. A menina olha para ele e demonstra impaciência. Mas antes que ela
falasse alguma coisa, ele vai tentando justificar o fato de não ter colocado o
veiculo em movimento, dizendo:
- Já sei que vai reclamar. Mas tem um
probleminha. Não podemos sair assim, sem mais nem menos. Voltamos pra estrada e
de repente damos de cara com aquela dupla infernal! O que é que a gente faz?
Acho melhor não arriscar. Vamos por essa estrada de chão, mesmo. Lá embaixo, a
gente sai. Isso é mais seguro.
- Precisa não! Eles já estão bem longe,
com o seu tesouro! Não precisam se borrar de novo, não!
A menina fala, vira para o lado e dá um
sorriso. Toni dá um muxoxo e rebate a gozação:
- Se borrar, uma ova! Aí, Quim! Tá
chamando a gente de cagões! Pode isso?
- Aí menina! Você está rindo de quê? Toni,
ela tá sacaneando a gente!
- Deixa! Acho que ela esqueceu que os
bandidos estão com o corpo do meu amigo! Eu dei a minha palavra, que ia
entregar o corpo aos familiares! E agora?
Longe dali, os bandidos conversam.
- Tonhão, você não acha melhor a gente
parar e abrir o caixão? Não deve ter mais perigo, não! Já conseguimos despistar
a polícia, cara! Tá na hora da gente ver o nosso tesouro! Estou doido pra abrir
logo esse caixão!
- É. De repente você tem razão. Já estamos
andando há bastante tempo e nem sinal de polícia, nenhuma. Tá legal. Vamos sair
da estrada. Naquela estradinha ali, de chão batido, a gente entra. Parece um
lugar bem deserto. E não deve ter ninguém pra bisbilhotar. Ah. E tem mais:
aproveitamos e deixamos o corpo por aqui mesmo. Os urubus cuidam dele.
Continua semana que vem...
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