Toni coça a cabeça,
olha para a esposa do amigo e fica sem saber o que falar. Olha para o irmão e,
com um olhar que só Quim conhece, pediu socorro. Mas Quim, disfarçadamente,
vira o rosto. Num beco sem saída, deixando escapar um pigarro nervoso, fala
timidamente para dona Maria:
- Dona Maria. Eu...
- Sim. Alguma noticia do meu marido? O
que ele mandou pra mim?
- É sim. É ele mandou sim. Mas... Mas eu
não tenho boas notícias. Ele...
- Ele está doente? Muito doente?
- É! Ele ficou... Sabe! Ele não...
- O senhor que dizer... Ele morreu? É
isso? Ele morreu?
- Foi... É! Sabe! Infelizmente ele não
resistiu! E...
- Então ele morreu mesmo? Meu Deus! Meu
Deus!
Dona Maria se segura no portão, arria
a cabeça e chora compulsivamente. O filho, que estava ao seu lado, se abraça a
ela. Toni e Quim não aguentam a cena e choram juntos com a esposa e o filho de
Zé. O momento era de total tristeza. Dona Maria, depois de chorar tudo que
podia, levantou a cabeça e falou para os irmãos, ainda com os olhos inundados
de lágrimas:
- Senhor, o que é que vai ser da gente?
Eu sempre tive a esperança dele voltar. Um dia seu pai vai voltar. Eu sempre
falava isso para as nossas crianças. Mesmo do jeito que ele tinha ido. Ele
levantou um dia e disse que ia embora para "enricar", mas depois
voltava. Moço, nós já tivemos uma vida melhor. Antes dele se ir, nós vivia com
pouco, mas vivia bem. O senhor sabe que eu estudei um pouco? Aprendi a lê e
escrevê. E ensinei com o pouco que eu sabia, os nosso filho. Nesse fim de
mundo, não tem nada. Desculpe. Tem sim alguma coisa: miséria. Mas eu tinha
esperança que ele voltasse.
Quando a mulher de Zé dá uma pausa no
seu lamento, Quim consegue escapar do silêncio e fala para a viúva:
- Dona. Eu sinto muito! Sinto mesmo! Do
fundo do meu coração! Mesmo eu não conhecendo o Zé, eu fiquei triste! E estou
triste com a sua tristeza!
- É dona Maria, ele era um grande amigo.
Quim não conheceu o Zé. Só conhecia deu falar. Ele deve ter falado no meu nome
com a senhora. Eu me chamo Toni. A senhora se lembra?
Ela já um pouco recuperada do choque
da morte do marido, tenda responder, enxugando um resto de lágrimas:
- Toni? Ah, sim. Vocês trabalharam
juntos. Tem muito tempo, não tem?
- É! Muito tempo, mesmo! Velhos tempos! Tenho saudade daquele passado,
que faz muito tempo, mas parece que está aqui. Acho que não vai sair nunca
daqui dessa cabeça. Por que a vida faz isso com a gente?
- É seu Toni. Tem hora que fico com muita
reiva com tudo que acontece com a gente. Fico até burricida com Deus! Mas
depois eu peço desculpa. Tem muita gente por aí pior que a gente, não tem? Eu
não sei purquêtanta coisa ruim acontece comigo e com tanta gente por aí afora.
Mas acontece coisas boa também. Então eu peço desculpa a Deus, porque ele sabe
o que faz, né?
- Acho que a senhora está certa, não é
Toni?
- É. Tá certa sim. Quem somos nós pra
julgar Deus.
Toni dá uma parada. Antes de recomeçar
a falar, respira fundo, assopra e finalmente volta ao fio da meada:
- Dona Maria. Nós trouxemos algumas
coisas pra senhora. São alguns pertences do seu marido. Foi um amigo do Zé que
pediu pra eu trazer. Só não lembro o nome dele, no momento. Mas não deve fazer
diferença, né? O importante é que trouxemos o prometido. Também eu nem sei se
ele falou o nome. Deixa pra lá. Ele me entregou tudo é foi embora. Sabe que eu
não vi mais o cabra?
Dona Maria deixa escapar um sorriso
meio sem expressão e, apontando para a casa, convida- os a entrar:
- Vamos entrá? Não repare, não. A casa é
pobre, mas dá pra receber os amigo do meu marido.
- Aceitamos sim. Se não for incomodar!
Não é Quim?
- Leonor, côa um cafezinho, aí, filha!
Temos visita!
A cortina que cobre o vão da porta é
aberta e aparece uma menina, que não passa dos doze anos, magra, cabelo
lambido, com um vestido branco roto, dá um bom dia para os dois caminhoneiros e
depois pergunta a mãe:
- Boa tarde. Mãe faz quantos? Pode
fazer pra nós também?
- Não, filha. Só pras visita.
Quim olha para o irmão, enquanto
a menina volta por onde tinha saído, e quase sussurrando, fala:
- Toni, isso não tá certo! Eles são
muito pobres! A gente vai desfalcar o café deles!
- Fica quieto, Quim! Ela pode se
ofender! Depois deixamos uns do nosso! Temos muito! Não podemos é fazer
desfeita!
- Tá bom! Você tá certo, mano! Ih!
Toni! Olha só aquele retrato, ali! Não é aquela menina que veio com a gente?
- Isso mesmo, Quim! É ela! Só pode
ser! Por que será que ela não quis descer aqui?
Quim nada responde, porque, com
certeza, não saberia o que dizer. Mas olhava para o retrato, boquiaberto.
Estava impressionado. A semelhança era muita. Não se conteve e se dirigiu a
mulher do Zé:
- Dona Maria. Essa menina é sua
filha? Aquela ali do retrato!
- É sim! É linda, não é? Angélica!
Minha Maria Angélica! Sinto uma saudade danada dela! Meu Deus, que saudade!
Toni percebendo a dor que aquela mãe
sentia, pergunta:
- Ela fugiu de casa?
- Não sinhô! Fugiu
não! Nossa menina, nunca fugiria da gente! Nós perdemos ela pra Deus! Já faz
três anos! O pai nem soube. Pegou uma febre e... A gente não teve nem tempo pra
correr.
Continua semana que vem...
Nenhum comentário:
Postar um comentário