terça-feira, 27 de junho de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 14

Continuando...
Toni coça a cabeça, olha para a esposa do amigo e fica sem saber o que falar. Olha para o irmão e, com um olhar que só Quim conhece, pediu socorro. Mas Quim, disfarçadamente, vira o rosto. Num beco sem saída, deixando escapar um pigarro nervoso, fala timidamente para dona Maria:
      - Dona Maria. Eu...
      - Sim. Alguma noticia do meu marido? O que ele mandou pra mim?
      - É sim. É ele mandou sim. Mas... Mas eu não tenho boas notícias. Ele...
      - Ele está doente? Muito doente?
      - É! Ele ficou... Sabe! Ele não...
      - O senhor que dizer... Ele morreu? É isso? Ele morreu?
      - Foi... É! Sabe! Infelizmente ele não resistiu! E...
      - Então ele morreu mesmo? Meu Deus! Meu Deus!
         Dona Maria se segura no portão, arria a cabeça e chora compulsivamente. O filho, que estava ao seu lado, se abraça a ela. Toni e Quim não aguentam a cena e choram juntos com a esposa e o filho de Zé. O momento era de total tristeza. Dona Maria, depois de chorar tudo que podia, levantou a cabeça e falou para os irmãos, ainda com os olhos inundados de lágrimas:
        - Senhor, o que é que vai ser da gente? Eu sempre tive a esperança dele voltar. Um dia seu pai vai voltar. Eu sempre falava isso para as nossas crianças. Mesmo do jeito que ele tinha ido. Ele levantou um dia e disse que ia embora para "enricar", mas depois voltava. Moço, nós já tivemos uma vida melhor. Antes dele se ir, nós vivia com pouco, mas vivia bem. O senhor sabe que eu estudei um pouco? Aprendi a lê e escrevê. E ensinei com o pouco que eu sabia, os nosso filho. Nesse fim de mundo, não tem nada. Desculpe. Tem sim alguma coisa: miséria. Mas eu tinha esperança que ele voltasse.
       Quando a mulher de Zé dá uma pausa no seu lamento, Quim consegue escapar do silêncio e fala para a viúva:
        - Dona. Eu sinto muito! Sinto mesmo! Do fundo do meu coração! Mesmo eu não conhecendo o Zé, eu fiquei triste! E estou triste com a sua tristeza!
       - É dona Maria, ele era um grande amigo. Quim não conheceu o Zé. Só conhecia deu falar. Ele deve ter falado no meu nome com a senhora. Eu me chamo Toni. A senhora se lembra?
         Ela já um pouco recuperada do choque da morte do marido, tenda responder, enxugando um resto de lágrimas:
       - Toni? Ah, sim. Vocês trabalharam juntos. Tem muito tempo, não tem?
       - É! Muito tempo, mesmo!  Velhos tempos! Tenho saudade daquele passado, que faz muito tempo, mas parece que está aqui. Acho que não vai sair nunca daqui dessa cabeça. Por que a vida faz isso com a gente?
      - É seu Toni. Tem hora que fico com muita reiva com tudo que acontece com a gente. Fico até burricida com Deus! Mas depois eu peço desculpa. Tem muita gente por aí pior que a gente, não tem? Eu não sei purquêtanta coisa ruim acontece comigo e com tanta gente por aí afora. Mas acontece coisas boa também. Então eu peço desculpa a Deus, porque ele sabe o que faz, né?
       - Acho que a senhora está certa, não é Toni?
       - É. Tá certa sim. Quem somos nós pra julgar Deus. 
         Toni dá uma parada. Antes de recomeçar a falar, respira fundo, assopra e finalmente volta ao fio da meada:
       - Dona Maria. Nós trouxemos algumas coisas pra senhora. São alguns pertences do seu marido. Foi um amigo do Zé que pediu pra eu trazer. Só não lembro o nome dele, no momento. Mas não deve fazer diferença, né? O importante é que trouxemos o prometido. Também eu nem sei se ele falou o nome. Deixa pra lá. Ele me entregou tudo é foi embora. Sabe que eu não vi mais o cabra?
         Dona Maria deixa escapar um sorriso meio sem expressão e, apontando para a casa, convida- os a entrar:
       - Vamos entrá? Não repare, não. A casa é pobre, mas dá pra receber os amigo do meu marido.
       - Aceitamos sim. Se não for incomodar! Não é Quim?
       - Leonor, côa um cafezinho, aí, filha! Temos visita!
          A cortina que cobre o vão da porta é aberta e aparece uma menina, que não passa dos doze anos, magra, cabelo lambido, com um vestido branco roto, dá um bom dia para os dois caminhoneiros e depois pergunta a mãe:
            - Boa tarde. Mãe faz quantos? Pode fazer pra nós também?
            - Não, filha. Só pras visita.
              Quim olha para o irmão, enquanto a menina volta por onde tinha saído, e quase sussurrando, fala:
            - Toni, isso não tá certo! Eles são muito pobres! A gente vai desfalcar o café deles!
            - Fica quieto, Quim! Ela pode se ofender! Depois deixamos uns do nosso! Temos muito! Não podemos é fazer desfeita!
            - Tá bom! Você tá certo, mano! Ih! Toni! Olha só aquele retrato, ali! Não é aquela menina que veio com a gente?
            - Isso mesmo, Quim! É ela! Só pode ser! Por que será que ela não quis descer aqui?
              Quim nada responde, porque, com certeza, não saberia o que dizer. Mas olhava para o retrato, boquiaberto. Estava impressionado. A semelhança era muita. Não se conteve e se dirigiu a mulher do Zé:
           - Dona Maria. Essa menina é sua filha? Aquela ali do retrato!
           - É sim! É linda, não é? Angélica! Minha Maria Angélica! Sinto uma saudade danada dela! Meu Deus, que saudade!
          Toni percebendo a dor que aquela mãe sentia, pergunta:
           - Ela fugiu de casa?

- Não sinhô! Fugiu não! Nossa menina, nunca fugiria da gente! Nós perdemos ela pra Deus! Já faz três anos! O pai nem soube. Pegou uma febre e... A gente não teve nem tempo pra correr.
           Continua semana que vem... 

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