Quim abre um bocão e fala
assustado:
- O quê? Peraí! A senhora tá
dizendo que ela está morta? É isso?
- Sim. Infelizmente a minha
Angélica já morreu. Seu moço, ela era uma menina tão boa! Penso que agora ela
deve está no céu!
- Não acredito! A senhora me
desculpe, mas não pode ser! Quim fala pra ela!
- Senhora, Toni está certo. Ela
está viva. Nós...
- O senhô não entendeu. Os médico
disseram que ela pegou pneumonia. Não resistiu. Moço, ela morreu.
Quim olha para o irmão, com os olhos
arregalados, e fala:
- Toni, então a gente ficou esse
tempo todo com um fantasma? Não posso acreditar! Se eu contar isso pra alguém,
com certeza vou ser taxado de maluco!
- Vocês conheciam a minha filha?
- Chi, Dona Maria! É uma longa
história! A gente conheceu ela, sim!
Não é Quim? Parece incrível! Sabe que foi ela
que trouxe a gente até aqui?
- Seu moço, não pode ter sido ela!
A minha Angélica já morreu! Deve ter sido alguma menina parecida com ela!
- Nós deixamos Angélica, ainda
agora, naquela árvore lá na estrada. Aquela lá da curva.
- Mas ela morreu seu
moço.
- Pra mim ela parecia vivinha! Não é
Quim?
- Muito vivinha! E esperta pra
caramba!
- Quim, será que era só a gente via
ela? Você viu lá naquele posto, aquela confusão toda! Lembra que a garçonete só
botou dois pratos na mesa? E os bandidos? Eles também não viram a menina!
Lembra que ela ficou no meio dos dois uma porção de tempo?
- Mas eu falei pra você que estava
achando tudo muito estranho! Não falei? Mas você não deu muita atenção no que
eu estava falando! Toni, como é que ela sabia que tinha uns caras atrás da
gente? E o negócio da carreta! Como ela sabia que a carreta estava
tombada? E depois ela soltou a gente e
os caras não viram! Era tudo muito estranho!
- É!
- Seu moço! A minha menina era boa
mesmo! Agora que vocês falaram isso tudo, acho que pode ter sido ela mesma!
Será que a minha menina virou santa? Ela
voltou pra ajudar a gente! Isso era coisa dela mesmo, seu moço. Estava sempre
lá pra ajudar todo mundo. O senhor falou na árvore da estrada. Ela adorava
ficar lá nas grimpas. Passava um tempão lá. Mas só depois que ajudava em casa.
Sabe! Uma vez ela disse que ia achar o pai dela de qualquer jeito! Se não fosse
em vida, seria na morte! Ela achou! Achou e veio avisar a gente!
Dona Maria estava visivelmente
emocionada. Os olhos estavam rasos d´água. Pegou a ponta do avental e secou as
lágrimas. Depois passou a mão na cabeça do filho, que estava enroscado na sua
perna, e disse:
- Obrigado. Muito obrigado. Seu moço,
ela virou santa. Minha menina virou santa.
- Dona Maria, eu até comentei com o
meu irmão, Quim, que sonhei com a morte do Zé. Agora veio claramente na minha
cabeça, que a menina no sonho era Angélica. Ela me avisava da morte dele. E me
mostrava o lugar onde ele estava. E ainda me pedia pra eu ir lá, que ele
precisava de mim. Como é que eu só lembrei agora? Quim, ela é um anjo! Só pode
ser!
- Toni! Nós ficamos esse tempo todo
com um anjo? Olha só! Estou todo arrepiado!
- E eu não tô? Olha
só!
- Foi isso mesmo, seu moço?
- Foi assim mesmo, dona Maria! Eu
lembrava do sonho, mas não lembrava da menina! Ela deve ter apagado isso da
minha memória!
- Com certeza Toni! Já pensou se você
tivesse lembrado? Não quero nem pensar!
- Ia ficar com medo?
- E você não?
- Deixa isso pra lá! Acho... Não sei.
- Toni, acho melhor a gente não
demorar. Ainda temos que descarregar o caminhão. Veja só! E eu que achava que
era uma porção de tralhas! Mas agora estou vendo que vai servir muito pra eles!
Vamos logo lá? Ainda temos uma carga pra entregar! Esqueceu?
- Calma Quim! Estamos com tempo! O
tempo tá sobrando! Fica calmo! Ainda vamos tomar o cafezinho!
- Tá bom. Ih! Toni, você não disse que
tinha um envelope pra entregar?
- Ih! Quim! Isso mesmo! Já ia
esquecendo!
Enquanto Toni procurava nos bolsos,
dona Maria gritava pra filha:
- Leonor! E o café?
- Játôcuando, mãe!
Finalmente Toni encontra o envelope
e entrega a dona Maria. Ela abre, passa a vista rapidamente, mas devolve. Meio
sem graça, pede que ele leia. Toni pega, mas questiona:
- A senhora não vai ler?
- Di uns tempo pra cá, meus olhos tão
vendo tudo embaralhado. Essas letra miúda, faz muita confusão. Lê o senhor.
- Está bom. Ih! Aqui na carta diz onde
ele está enterrado! Ué! Eu pensei... Quim, a gente carregou um caixão vazio!
Não estou entendendo nada! Agora... Dona Maria, aqui está escrito que tem uma
conta corrente. Com cartão e tudo. E tem também uma chave de banco. Está tudo
numa caixa de sapato, junto com algumas fotografias e o atestado de óbito.
- Toni você viu essa caixa?
- Tá no caminhão. Eu botei dentro de
uma caixa grande. Acho que não esqueci, porque estava com um bilhete pra eu
guardar com cuidado. Vou lá buscar.
Toni vai até o caminhão, pega a
caixa e leva até o casebre. Retira a tampa,
pega a caixa de sapato e coloca em cima da mesa. Por algum tempo ficam os três
olhando. Quim ameaça abrir, mas é impedido por Toni, que oferece para dona
Maria. Ela ameaça, mas pede para Toni abrir.
- Distampa o senhor. Eu prefiro. O
senhor não abriu antes?
- Não. Não senhora. Do jeito que eu
peguei, eu guardei. Então eu vou abrir agora. Com a sua permissão. Tá aqui.
Olha só o cartão. Aqui tá a senha nesse papel. Esse outro papel, dobrado no
meio, deve ser o atestado de óbito. E é. Olha a chave aqui também. Aqui tem o
número. Deve ter alguma coisa importante dentro desse armário. O banco é lá da
cidade aonde ele foi sepultado.
- Mas Toni, o que será que tinha naquele
caixão?
- Sei lá! Nem desconfio! Mas parecia
muito pesado. Do jeito que os caras fizeram força pra carregar ele! O que será
que eles queriam? Devia ser alguma coisa que estava no caixão. Se seguiram a
gente, é porque alguém sabia...
- Sabia o que, Toni?
- Eles sabiam o que a gente estava
carregando ou pensavam que sabia. Alguém deve ter dito que no corpo tinha
alguma coisa de valor. Dona Maria, Zé estava trabalhando com o quê?
- Ele dizia que ia ficar rico. Acho que
foi atrás de ouro, diamante... Só isso que eu sei.
- Aí, Toni! Ele deve ter achado alguma
coisa! Alguém ficou sabendo! No garimpo é difícil esconder algum achado grande!
Por isso que os caras vieram atrás da gente, achando que estava escondido
alguma coisa no corpo!
- Pode ser Quim! Pode ser!
- Mano, tem outra coisa: quem sabe alguém
espalhou isso, de propósito! Aqueles bandidos vieram secos atrás da gente! Eles
sabiam o que estavam procurando! E o que era, estava dentro do caixão! Eles nem
perderam o tempo de revistar a gente! Toni, você já conhecia o cara que você
foi encontrar?
- Eu não! Nunca tinha visto o cabra! O
encontro foi rápido! Dona Maria a senhora conheceu algum Loureço? Esse era o
nome do cara! Agora me lembrei!
Dona Maria para e parece que fica
vasculhando a memória. Passa a mão na cabeça, coça a nuca e fala:
- Esse nome! Acho que não!
- Pensa mais. Alguma carta do Zé. Pensa,
dona Maria.
- Seu Toni. Espera aí. Eu tenho uma carta
sim. Nesse tempo todo, Zé só mandou duas carta. Mas eu não me alembro se falou
em algum amigo. Deve ter uns dois anos que ele mandou a última. Eu vou pegar.
Com sua licença.
Com sua licença.
Continua semana que vem...
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