Enquanto dona Maria
vai buscar a carta, a filha entra com uma bandeja, com duas xícaras de café.
Quim pega o seu, comenta:
- Nossa mãe! Toni olha só o cheirinho
desse café! Sente só!
- Além de cheiroso, está muito gostoso!
Obrigado, menina!
Nisso volta dona Maria com dois
envelopes na mão. Segurando-os, como se tivesse transportando algo de muito
valor. Antes de entregá-los, beija-os carinhosamente.
- Aqui senhor. Pode ler.
Toni abre o mais antigo e ler em
silêncio. No segundo, dá um sorriso e comenta:
- Dona Maria, ele fala em Lourenço, sim!
Diz aqui, que ele é um grande amigo. Uma pessoa de bom coração e caráter. Mas
diz também, que não sabe se terá esse amigo por muito tempo. Achava que
Lourenço não suportaria a enfermidade. Quim será que ele está morto, também?
- Sei lá! Foi ele que te entregou o
caixão?
- Isso não. Foi na funerária.
- Vocês trouxeram o corpo do meu marido?
- Não, a gente achava que sim. Mas não
trouxemos. Foi só o caixão vazio que veio com a gente. Mas eu pensei que o
corpo estava lá dentro. Acho que agora estou entendendo o que aconteceu. O caixão
foi só pra despistar. Quim será que foi um morto que armou isso tudo?
- Não! Estou achando que foram dois: a
menina e o pai! Mas como uma pessoa morta pode fazer isso? Que mistério, hein
Toni!
- Será, Quim? Se foram eles, usaram a
gente! Como devem ter usado outras pessoas por lá, também! Mas é muito
estranho, isso tudo! Nunca ouvi falar que algum morto tenha ajudado alguém!
- Ué! Você que acredita em tudo, deve
acreditar nisso também!
- Mais ou menos! Até que na menina eu
acredito! Depois dessa prova aqui! Esse retrato... a gente não se enganou! É
ela mesma, não é?
- É! Acho que é!
- Seu Toni. Eu gostaria de ir até esse
lugar. Queria ver aonde o meu marido está enterrado.
- A senhora vai ter que ir mesmo! Não é Toni?
A senhora está com a chave de algum cofre no banco. Tem que ver a conta que tem
lá também. Oh! Mas a senhora não deve procurar ninguém na cidade, não! Resolve
tudo no banco, primeiro! Aí depois a senhora vailá onde está enterrado o
falecido! Procura saber, discretamente, se esse tal de Lourenço ainda está por
lá! Isso se ainda estiver vivo!
- O que é isso, Quim! Se ele estiver vivo?
- Mas é claro! Pelo jeito que está escrito
na carta, o cara já passou para o andar de cima, também!
- É! Pode ser! Mas você tem que saber como
falar! Vai falando assim na bucha, que o cara morreu? Tem que ter cuidado!
Masvocê é assim mesmo, né? O que é que eu vou fazer?
Enquanto o irmão faz umas caretas, Toni
se dirige para dona Maria, antes que ele conteste a colocação que tinha feito.
- Dona Maria, me diz uma coisa: quem vai
ajudar à senhora resolver isso tudo?
- Eu tenho um filho maior. Ele trabalha
numa fazenda aqui perto. É menino bom! Tem o nome do pai. O patrão gosta muito
dele. Ele sabe ler e escrever. Dirige os caminhão lá da fazenda. Os trator
também! Seu moço, ele já estava até pensando em ir atrás do pai. Agora a gente
vai.
Muito obrigado pelo
que fizeram por nós. Pode deixá que a gente dá um jeito.
- Dona Maria...
- O que é que você vai falar, Quim?
- Nada. Só uma coisa que pensei aqui. A
senhora, antes de ir lá para o escafundeu de Judas, pode ir até uma agência do
banco, aqui na cidade vizinha, e conferir o que tem na conta.
- Pode?
- Dona Maria, Quim está certo. A senhora
tem o cartão e a senha. Com isso a senhora vai saber quanto o Zé deixou na
conta, pra vocês. Oh! Mas cuidado! Não pode mostrar pra ninguém essa senha,
não!
- Pode deixar. Eu vou ter cuidado.
- Toni, a gente já pode ir, né?
- Claro que não!
Falta descarregar o caminhão! Esqueceu?
- Puxa vida! Já pensou se a gente esquece?
Pegar essa estrada novamente pra vir aqui trazer tudo? Vamos rápido, Toni!
Em pouco tempo, com a ajuda de dona Maria
e os filhos, eles conseguem colocar tudo dentro do casebre. Um tudo que na
realidade, não era muita coisa. Mas deu para entupir a casa de Zé Betão. Com
aquelas tralhas, como diz Quim, dona Maria não conseguiu esconder a alegria,
que brotou de dentro da sua tristeza. Agradeceu, emocionada.
- Muito obrigada por tudo. Não tenho como
pagar tanta bondade.
- O que é isso, dona Maria? Não precisa
agradecer! Fizemos de coração! Não é Quim?
- Claro! Isso mesmo! Mas... Dona Maria,
desculpe, mas agora temos que ir andando! Hein Toni, podemos ir?
- Ah, sim! Podemos ir! A senhora não
precisa mais da gente, não?
- Mas vocês já vão? Se quiserem ficar
aqui, até amanhã, podem ficar! A casa é pobre, mas dá boa acolhida!
- Muito obrigado! Mas acho melhor, a
gente ir andando! Sabe dona Maria! Alguma coisa está me dizendo, que essa vida
de aperto vai passar! A vida de vocês vai melhorar!
- Deus queira que sim.
- E ele há de querer! Não é Quim? Dona
Maria a gente já vai andando. Fiquem com Deus.
Quim já demonstrando impaciência, fala
baixo no ouvido do irmão:
- Vamos, Toni! Vamos nessa! Já cumprimos
nossa missão! Já entregamos tudo que tínhamos pra entregar! Vamos picar a mula!
Vamos aproveitar que ainda está claro! Dá pra gente andar um bocado, ainda!
- Tá apressado! Vai parecer que estamos
doidos pra sair daqui! Isso é falta de educação! Calma aí, Quim!Será que não dá
pra gente deixar alguma grana pra eles? Eu acho que a dispensa deles, está
vazia! Até eles se acertarem, né?
- Vai lá, irmã Tereza! Vai lá!
- Dona Maria, eu estava falando aqui com
o meu irmão... A gente resolveu deixar algum dinheiro pra vocês. Vai dar pra...
- Não precisa se preocupar, não. A gente
dá um jeito. Um dia a mais, um dia a menos... Não vai fazer diferença, não!
- A senhora não vai fazer essa desfeita,
vai? É de coração! Eu e Quim queremos que a senhora aceite!
- Como é que eu vou pagar a vocês? Já
estou devendo tanto!
- E quem disse que a senhora está devendo
alguma coisa? Quem falou em pagar? É um presente, dona Maria! Se fosse ao
contrário, eu tenho certeza que Zé Betão faria o mesmo! Está aqui. Fiquem com
Deus e boa sorte. Nós já vamos. Se a senhora precisar da gente, é só telefonar.
Está aqui o nosso telefone. É só ligar! Não precisa chorar. Vou acabar chorando
também.
Continua semana que vem...
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