terça-feira, 20 de junho de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 13

Continuando...
        Tonhão fala para o amigo e aponta na direção da tal estrada de chão. Tião vai diminuindo a velocidade do carro, até quase parar. Da rodovia para a rua de chão, tem um desnível. Entra vagarosamente e depois dobra a esquerda, passando por cima de um mato ralo.  Estaciona o carro e os dois descem rapidamente. Ansioso, Tião abre a mala do carro e tenta puxar o caixão. Mas ele não consegue movê-lo. O amigo fica olhando, ri do seu fracasso e ainda faz uma gozação:
       - Ah! Ah! Ah! Tá fraco, hein Tião? O que você comeu não deu sustança, não?
       - Qual é? Tô fraco, uma ova! Vem de sacanagem, não! Ao invés de ficar aí falando besteira, vem me ajudar! Esse troço tá pesado pra cacete! Anda rápido pra gente sair logo daqui! Esse esforço vai valer a pena! Vem logo e deixa de frescura!
       - Tá nervoso? Fresco, é tu! Sou é cabra macho! Vou mostrar pra você como é mole arrastar esse caixão! Deixa comigo!
      - Ué! Cadê o machão? Deixa de besteira! Pega aqui por fora, que eu vou empurrar lá de dentro! Vamos lá! Parecia mais leve, não é Tonhão?
      - Estranho, né? Mas nós coloca ele aqui! Se colocamo, a gente tira! Vamos, Tião! Empurra essa droga, que eu vou puxar!
     - Lá vai! Um, dois, três... Foi! Agora vou aí pra fora.
     - Cuidado pra não deixar cair, Tião.
     - Qual o problema de jogar ele no chão?
     - Porra cara! A gente quer a grana, mas não podemos desrespeitar o defunto! Vamos pegar o que interessa e deixar o defunto por aqui mesmo! Mas com a tampa aberta, prus urubus! Vamos descendo devagar. Pronto. Viu? Agora é só destampar. Tira a tampa você.
     - Por que eu?
     - Tá bom. Você já fez força à beça, agora deixa comigo. Olha bem. Ué, Tião! A tampa tá aberta! Aqui! Só tá encostado! Cara, como é que a gente fez tanta força e não conseguimos abrir? Olha como tem pano em cima do defunto! Tião mete a mão e tira isso tudo!
     - Por que eu? Tira você!
     - Tudo bem! Mas eu tiro do meio pra cá e você pra lá!
     - Tá bom! Tá bom! Começa você!
        Os dois estavam visivelmente receosos para mexer no defunto. Mesmo convivendo com a violência, não estavam demonstrando desembaraço no trato com a morte. Custaram a tomar iniciativa. Foi Tião que acabou cedendo e começou a remover os panos que cobriam o falecido.
      - Já que você não se mexe, eu vou tirar.
         Lá foi Tião, vagarosamente, cheio de medo, afastando o tecido que aparentemente cobria o pé. Logo que levantou o pano, parou e fez uma cara de espanto:
      - Ih! Ih! Tonhão! Cara se demos mal! Só tem pedra!
      - Como só tem pedra?
      - É isso mesmo: só tem pedra! Tira tudo! Tira tudo!
      - Tião, que sacanagem! Só tem pedra aqui também! Tudo é só pedra!
      - Andamos pra caramba, pra encontrar só pedra? Cara, isso é sacanagem das grande! Tonhão, vamos voltar lá e pegar aqueles caras! Eles ficaram com o nosso tesouro! Nós fomos enganados pelaqueles dois babacas! Vamos voltar!        
      - Como voltar? Tá maluco? A polícia tava chegando lá, esqueceu? Nessa nós dançamos! E dançamos feio, cara! Além do mais, eles já devem estar muito longe! Essa parada nós perdemos! Agora, só partindo pra outra! Tá falado?
         Tião aceitou, mas revoltado. Acabou descarregando a sua raiva no caixão, dando vários chutes. Enquanto isso, Tonhão entrava no carro e assumia a direção. Com o carro ligado, esperava Tião, que demonstrando total desequilíbrio, esvaziava o tambor do revolver, no caixão, destruindo-o a tiros. E bem longe dali, os irmãos Toni e Quim continuam a caminho da casa da família de Zé. Já na estrada de chão, bem distante da rodovia, Toni ouve as reclamações de Quim:
       - Puxa, Toni! Não tinha estrada pior do que essa não? Já estou com os ossos todo quebrado! Pô, mano! Parece que a gente já andou pra lá de 20 km! Estou mais moído que vidro em linha de trem! Esses buracos estão sacodindo os meus miolos! Meus pensamentos vão ficar embaralhados!
       - Como reclama! Como reclama! Até parece que é a primeira vez que você encara uma estrada dessas! Para com isso, Quim! Deixa de bobeira! A menina vai achar que você é um fracote!
      - Que fracote, nada! Pô, Toni! Depois de tantas emoções, o que é que você queria? E vamos rezar para os caras não pegarem o nosso rastro! E aí, menina! Falta muito pra chegar?
      - Tá pertinho! Pertinho! Tá mais perto do que você imagina! Logo ali! Depois daquela árvore. Está vendo? É o primeiro sítio. Vou ficar ali mesmo. Pode parar em frente à árvore.
      - A sua família mora por aqui? A gente leva você até a sua casa!
      - Não precisa, não. Obrigado pela carona. Obrigado por tudo.
      - Né Toni? A gente é que agradece! E peço desculpas por ter desconfiado de você! Você salvou as nossas vidas!
      - Vocês é que vão salvar muitas vidas! Obrigado. Tchau.
      - Tchau! Vai com Deus!
      - Até mais ver! Ei, Toni! Ela disse que nós vamos salvar muitas vidas? É isso mesmo? Não entendi! Olha lá, mano! Será que é ali? Olha só! Pelo jeito da casa, devem viver numa tremenda miséria! Meu Deus! Toni, você sabe o nome da viúva?
       - Espera aí. Tá escrito no envelope. Vou pegar aqui no bolso. Toma. O nome está dentro. Tem um pedaço de papel com o endereço e o nome dela.
        - O nome dela é Maria da Anunciação. O número está ali: 535.
- Quim,vou pararum pouquinho depois da casa. Se não vai ficar muito em cima do portão.
       - Estou descendo, Toni. Ih! Olha lá! A menina ainda está parada lá na árvore!
       - Deve estar descansando! Com certeza, está cansada igual à gente! Vamos lá. Bate palma. Vamos, Quim!
       - Calma. Calma. Tem um menino ali. Dona Maria está? 
       O menino corre e entra no casebre, chamando pela mãe.
       - Mãe! Mãe! Tem um moço aqui chamando à senhora!
      Enquanto a criança entra gritando pela mãe, Quim fala, quase segredando, com o irmão:
       - Toni, acho melhor a gente não dizer nada sobre o defunto, não. Como é que a gente vai explicar que ele foi roubado, com caixão e tudo? Dá só a notícia da morte dele! É melhor! Vai por mim!

       - Acho que você está certo. Quim, tá vindo uma senhora. É a mulher do Zé, sim. Eu vi numa foto, que ele me mostrou. Caramba! Ela não mudou quase nada! Dona Maria?
      - Sim senhor. Sou Maria.
      - A senhora é a esposa de Zé Betão?
      - Sou sim senhor.Porquê? O senhor tem alguma notícia dele? Há muito tempo que ele não dá noticias!
      - Eu sou Toni e ele, é Quim, meu irmão. É... É... Nós trouxemos notícias, sim! Trouxemos algumas coisas pra senhora.
     - Ele mandou?
     - É... Mais ou menos. Sabe...
     - Toni, desembucha logo!
     - Calma, Quim!
       Toni bota a mão na frente da boca e fala baixo:
     - Quim, como é que eu vou dar a noticia assim de cara?

     - Sei lá! Você sabe que eu fico nervoso com muito suspense! Fala logo! Mas sem falar no corpo!
             Continua semana que vem...

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