terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A História de Helô - Parte 19

Continuando...

Os olhos de Helô furavam cada cantinho da recepção. De repente parou o olhar num quadro que ficava acima da mesa da recepcionista. Era um quadro retangular composto por vários retratos de antigas diretoras do convento. Não contou, mas devia ter mais de vinte. Em um dos retratos ela parou. O seu coração disparou. Estava diante da foto da aparição, não teve dúvidas. Era ela mesma: Madre Maria de Lourdes.  Tinha sido a quarta diretora, comandou a instituição por mais de quarenta anos. Helô juntou emoção com medo e saiu em disparada. Na saída quase se chocou com a irmã Fátima. Ela ainda tentou pegá-la pelo braço, mas não conseguindo, gritou:
          - O que foi,  Helô?  Viu um fantasma? Volta aqui, menina!
          Com o chamamento Helô parou. Lembrou-se que não podia criar nenhuma confusão. Então freou e girou nos calcanhares. Voltou até a irmã e com um sorriso nos lábios, disse:
          - Boa tarde, irmã! Que Deus esteja com a senhora!
          - Boa tarde, Helô, minha querida. Como você está?
          - Estou bem, irmã. Estou bem.
           - Que correria foi essa?
           A menina procurou uma explicação rápida. Seria uma justificativa não de todo mentirosa, já que realmente tinha ido procurar a irmã Gertrudes. E era realmente a única. Não teria outra.
          - Eu vim procurar a irmã Gertrudes. Disseram que ela estava aqui. Então entrei, mas depois eu me lembrei que era proibido ficar aqui, aí saí correndo.
          - Não é bem assim. Ficar de bobeira, como dizem vocês, não pode mesmo. Mas se for para falar com alguma irmã, pode sim. E pode deixar, que quando a irmã Gertrudes descer eu falo com ela. Digo que você esteve aqui à sua procura. Está bem? Ah! Pode deixar que não falarei com a Madre sobre isso.  
          - Obrigada, irmã! Fique com Deus, tá?
          - Vai com Deus, minha filha.
           Quatro meses depois deste evento não aconteceu nenhum fato novo que merecesse menção, a não ser o aniversário de Helô, que tinha completado onze anos, mas também passou em branco como nos anos anteriores,  sempre embalado numa comemoração silenciosa.  Isso não era exclusividade dela, era assim para todas as internas. Somente as irmãs Amélia, que já estava liberada para voltar a se encontrar com  Helô, e a irmã Gertrudes deram os parabéns e abraçaram-na, mas faziam isso cautelosamente. Não queriam dar motivos para a Madre puní-las,  já que era uma proibição direta da megera. Ela deixou claro que, se houvesse qualquer ato contrário às suas ordens, haveria punição severa para as  infratoras. Então andavam todas na linha.
          Ninguém entendia o que levou a Madre a decretar essa proibição, pois era somente em relação a festas de aniversários. Outros tipos de festejos estavam liberados, principalmente os que eram para arrecadar fundos e, normalmente,  somente esses eram permitidos.
          Em relação ao aniversário de qualquer menina, ela sabia quase de cor. Na sua agenda constava a data de aniversário de todas as órfãs. E como ela a manuseava diariamente, já tinha gravado praticamente todas as datas na cabeça. Esse hábito diário era para controlar as meninas que iriam completar quinze anos e também as de dezoito. As de quinze começavam a frequentar o seu escritório, quando da visita do padre e do senhor misterioso e os seus convidados. E as que iam completar dezoito, ela começava a fazer a contagem regressiva até a data de desligamento delas do orfanato, mas no momento de se despedirem já tinham um documento encaminhando-as para um estabelecimento comercial na capital, onde teriam um trabalho digno. Assim ela frisava: digno. O tipo de trabalho ia codificado, assim nenhum curioso saberia dizer do que se tratava. E lá iam as meninas acompanhadas até o destino final.  - Nenhuma ovelha será perdida. – dizia a Madre Superiora Joana de Maria, ao despedir-se das meninas.
          As visitas do Padre Arcanjo e do senhor misterioso seguiam religiosamente. Podia contar que na primeira semana do mês, precisamente na primeira quarta feira, chegavam os dois sorridentes. Não se atrasavam nunca: às 9:00 horas estavam em frente ao portão de ferro que dava acesso ao interior do convento. Desciam calmamente de um carro preto com vidro fumê, que após o desembarque voltava pelo mesmo caminho que tinha vindo, só voltando no dia seguinte, precisamente às 15:00 horas. Eram sempre recepcionados pela Madre e pelas suas fiéis escudeiras.
          A criançada agitada ficava de longe esperando a chegada dos dois. Todo mês sabia que brinquedos e roupas novos eram distribuídos para todas. Para as mais novas era um momento de total felicidade, já para as que tinham mais de quinze anos começava o inferno. E algumas, acima de dezesseis anos, já conheciam bem aquele tormento.
         Logo pela manhã, antes dos visitantes chegarem, algumas meninas eram levadas para o escritório da Madre, lá ficando em companhia de alguma irmã, escudeira dela, até que voltassem acompanhadas do padre e do senhor. 
...............Continua semana que vem!

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