quarta-feira, 6 de abril de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 5

Continua...
Essa trama é de quem já brigou contra a ditadura. Não acredita? Iam tomar o poder, para fazer dessa republiqueta  um país justo. Justinho nos moldes deles, isso sim. Omar. Meu amigo Omar. Estou com medo de enfartar também. Vou trabalhar até os cem anos. Mas já estou pensando aqui com os meus botões: trabalhar até os cem anos? Como? Até aos setenta já vai ser uma missão quase que impossível! O que fazer com a saúde no Brasil? Ela está doente, cara.  Não adianta nem plano de saúde. Está tudo nivelado por baixo. O cara está mal. Tem que fazer uns exames com urgência. Aí o bicho pega. Você só consegue marcar de um mês para fora. Às vezes alguém te liga e diz que houve uma desistência.  Numa certeza quase certa, o cara que te deu a vaga morreu antes de fazer os exames. Empacotou na fila de espera. Ninguém vai desistir depois de esperar um, dois meses. Vai? Omar, essa eu gostaria que você respondesse. Esse seu mutismo me impressiona. Tem certas situações, que até um morto se sente incomodado.  Ele tem que falar! Tudo bem! Tudo bem! Pelo jeito você fez um voto de silêncio mesmo. Vou respeitar isso. Omar olha só. Que maravilha esse céu. Olha como as gaivotas enfeitam esse pedaço de céu. Uma vez um amigo me perguntou, se eu sabia por que o céu não é branco. Pensei, mas não soube o que responder. Ele riu e então falou: que se assim fosse, nós não poderíamos apreciá-las passeando lá em cima. Mas, ri também e falei que Deus dava um jeitinho, e fazia elas azuis. Deus faz e desfaz. Você acha que perdeu tudo que aprendeu aqui? Se a gente desperdiçar o aprendizado que tivemos durante a nossa vida, a vida não tem sentido. É uma perda de tempo. Que Deus é esse que criou a gente pra passar o que a gente passa e depois pega a nossa bagagem e joga no lixo? Lá em cima deve ficar tudo contabilizado a nosso favor, e contra. O que a gente conseguiu realizar bem, fica guardado. O que não conseguiu, a gente tem que voltar e acertar. Assim faz sentido para mim. E pra você? Realmente na atual conjuntura perguntar isso, não faz o menor sentido. Nem te conheci antes de conhecer apenas os seus ossos. Daqui pra frente, pra mim você pode ser canonizado. São Omar. Quantos santos devem ter por aí, que fez o diabo em vida e depois foi canonizado? Engraçado. O cara mata, esfola, rouba e de repente vira santo. Se converteu. Se arrependeu da vida de crimes. Vira pregador. Está salvo. Vai entrar no reino dos céus. O que ele fez durante toda a sua vida, de ruim, é esquecido. Pode isso? Aí é mole, não é? Essa deve ser a teoria dos pilantras. No fundo têm medo do que podem encontrar do outro lado. Por isso se “arrependem” cinco minutos antes de morrer. Botam um dinheirinho enrolado na mão e partem para entrar no reino dos céus. Já se sentem sentados do lado direito do Pai. Omar. Deu tempo de você se arrepender? Nem separou uns presentinhos para o pedágio? Se não deu... Se fu... Sabe de uma coisa. Só eu que falo. Já estou com a garganta seca. Só uma cervejinha para aliviar.  Acho que vou deixar você sozinho. Tenho que pegar estrada. Devo achar o caminho. À tarde daqui a pouco vai embora. Ficar aqui no escuro, vai ser meio complicado. Já deve ser quatro horas da tarde. Percebeu o tempo que estou aqui com você? O sol nasceu e eu já estava aqui. Não me pergunte como. Acordei aqui. E você morreu aqui. De repente fui eu que morri e acordei nesse instante? Será que esses ossos são meus? Será? Sou apenas espírito agora?  Vou embora, senão vou acabar maluco. Vou deitar um pouco para refrescar a carcaça. Uma onda acaba de me cobrir. Mais uma. E mais algumas. Perdi a conta. Vou falar com Omar. Meu Deus! Omar botou a mão no meu ombro! Socorro! Socorro! Acho que me caguei! Estou sem coragem para abrir os olhos! Respirar fundo. Tenho que respirar fundo. Estou tremendo dos pés à cabeça. Ele agora está rindo de mim. Estou sem coragem de olhar pra 
cara dele. Apertou meu ombro de novo. E agora? Coragem cara! Coragem!
        - Hei. Você está morto? Não está, porque você está tremendo mais do que vara verde. Vamos cara, levanta!
         Ele continua falando comigo. O que é que eu faço? Vou olhar devagarzinho. Vou falar com ele.
         - Omar. Por que você resolveu me assustar agora? Cara a última coisa que eu queria na vida era ver uma caveira falar comigo!
        - Cara, meu nome não é Omar. De onde você tirou isso?
        - Não é Omar? Aí ficou pior. Meu Deus me dê coragem! Vou olhar cara a cara com ele! Lá vou eu. Meu Deus o que é isso? Você não é mais uma caveira?
        - Que caveira? Que história é essa? Aí cara aperta a minha mão. Sou de carne e osso. Porra cara, você pegou muito sol nessa cachola!
       - Sabe. Tinha uma caveira aqui do meu lado. Ela estava aqui mesmo. As ondas devem ter desenterrado ela. Eu achei aqui logo pela manhã. Na verdade eu acordei do lado dela. Eu dei o nome a ela de Omar. Sabe de uma coisa: nos tornamos muito amigos. E agora as ondas devem tê-la levado de volta para as profundezas.
      - Xi cara! Você não está nada bem! Nessa praia toda, só estamos nós dois. Eu pensei que fosse ficar aqui sozinho. Eu venho sempre aqui, por que é um lugar de difícil acesso. Por acaso aquele carro ali é seu?!
     - É. Por quê?
     - Como você conseguiu chegar até aqui?
     - Não sei. Só me lembro que acordei aqui. Parei num bar. Num posto de gasolina, na estrada... Mas por que a pergunta?
     - Essa praia não tem acesso pra carro.
     - Como é que é? Mas como cheguei aqui?
     - Você é que deve saber. O seu carro deve ser especial. Pra descer uma pedreira daquela, só mesmo um carro que voe.
    - Pedreira? Deve ter algum caminho que você não conhece.
    - Não tem. Frequento essa praia há muito tempo. Só vem aqui, quem gosta de pegar onda, praticar Wind surf, tomar banho sossegado e trazer uma namorada. Papo estranho esse seu. Uma caveira... Cara você matou alguém?
   - Claro que não! Eu não faria uma coisa dessas! Eu estava até preocupado, sem saber como explicar essa caveira aqui. Ela pode está enterrada novamente. A onda veio e me cobriu. Isso aconteceu algumas vezes. Numa dessa, pode ter levado Omar. A caveira! Vamos cavar pra ver se a gente encontra a dita cuja?
   - Que dita cuja que nada! Lá eu quero saber de caveira! Deixe-a sossegada!  Se é que realmente ela existiu.
   - Mas é claro que ela estava aqui! Não estou inventando não, cara! Pode acreditar em mim!
   - Deixa a caveira pra lá! Vamos falar de outra coisa. Será que o seu carro não veio pelo mar? Isso é uma grande possibilidade. Já pensou nisso?
   - Pensar, eu penso toda hora. Não vejo sentido nenhum, nessa coisa toda. Trouxeram meu carro até aqui, pra quê? 
   - Sei lá! Se você não sabe, como vou saber? Como é o seu nome?
   - Hermes.
   - O meu é Ivon. Vamos. Levanta daí. Vai acabar virando caveira. A onda hoje está muito baixa, mas mesmo assim pode te pegar de jeito. Aí oh! – babau – você se afoga! Vamos aproveitar que o vento está bom. Tá tudo de bom para o esporte aquático que eu mais amo: Wind surf. Está afim?
   - Está maluco? Se eu subir nisso aí, não saio nem do lugar!
   - Eu te explico. Te dou umas aulinhas de grátis. Você pega mole, mole. Vamos lá! É muito legal! Você vai gostar! Coragem cara! Vou dar uma volta pra você ver.
   - Como é o seu nome mesmo?
   - Ivon.
   - Ivon. Antigamente tinha um cantor com esse nome.
   - Cantor? Cara, eu não canto nada! Estou indo pra água. Presta atenção nos meus movimentos. Observa como é o lance. Depois que você experimentar, não vai querer outra coisa.
                                                                                                                       
   - Vamos ver. Do jeito que a minha vida anda, caminhar por cima do mar, pode ser uma aventura sem perigo algum.
  - Você está preocupado à toa. O mar vai acabar com o seu estresse.
   - Você falou o mar. Eu me lembrei de Omar. Você tem certeza que não quer cavar, para confirmar o que eu te falei?
   - Cara não tô afim mesmo! E lá eu quero saber de caveira! Cara você está apaixonado!
   - Que apaixonado o quê! Tá maluco? Uma caveira que botei o nome de Omar, você me diz que estou apaixonado! Qual é cara! Apaixonado por uma caveira?
   - Você é bicha?
   - Porra! Claro que não!
   - Escuta só. Não importa o nome que você deu pra sua caveira! Porra cara, nem caveira você quer levar a sério?
   - Levar a sério? Qual é?
   - Não estou querendo duvidar da sua masculinidade! A verdade é que você botou o nome masculino numa caveira, que você não sabe se é homem ou mulher.
   - E qual é o problema disso? Cara Omar é meu amigo! É uma caveira! Eu podia tê-la chamado de Mara! Encontrei um ombro amigo, essa é a verdade. Você nem imagina a paciência dele ao me ouvir.
   - Claro. Nunca vi caveira falante.
   - Não é essa a questão. Omar não é qualquer caveira.
   - E tem caveira diferente? Caveira é caveira. E ponto final.
   - Omar é diferente, porque com ele eu consegui começar a perder o medo de defunto. E até acho que ele é psicólogo. Cara ele me deixou falar! Eu encontrei um ombro amigo!

   - Essa é demais. Caveira não fala cara. Ombro amigo? Só tem osso. E uma caveira psicóloga. É muita maluquice junta.  Agora vamos para o que interessa: vou pra água. Presta atenção. Grava tudo que eu fizer.
Continua semana que vem...

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