terça-feira, 29 de março de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 4

Continuando...
Eu me recordo que parei num bar, na beira da estrada. Tinha que me aliviar... Estava quase me urinando todo. E também aproveitar para comer alguma coisa. Mas não sei onde fica esse lugar. Só sei que é em algum lugar na estrada Rio - Bahia. O bar estava bem cheio. A maioria era de caminhoneiros. Consegui uma mesa do lado do balcão. A poucos centímetros tinha o fogão. Num taxo de metal, fritavam pastéis. Não precisa nem dizer que o calor era infernal. Por isso é que a mesa estava vazia. Mas do jeito que estava com sede e fome, caiu do céu. Não, do inferno. Pedi primeiro uma garrafa de água mineral. Depois podia mandar um prato feito. Para acompanhar, um refrigerante. A água veio rápida. Bebi toda quase que num gole só. Foi só o garçom se afastar e uma mulher, parecia uma cabocla, se aproximou. Perguntou se podia se sentar, já que o bar estava lotado e a única mesa que tinha cadeiras disponíveis era a minha, gentilmente concordei. Agradeceu e sentou-se junto com um sorriso bonito e enigmático. O garçom voltou rapidamente e foi atendê-la.  Disse que queria o de sempre. Ele saiu e voltou como num passe de mágica, com uma cerveja, já aberta, e uma porção de linguiça. Cheguei a ameaçar uma reclamação, mas preferi não questionar a morosidade do meu pedido e a rapidez com que a moça foi atendida. E ela, como que percebendo, se adiantou e ofereceu-me um copo de cerveja e o tira gosto. Agradeci e peguei um pedaço de linguiça, mas me esquivei da cerveja, justificando que estava dirigindo. Não comi, devorei o petisco. Ela me olhava com o seu sorriso enigmático. Não tinha certeza se ela ria pra mim ou de mim. Também naquele momento não fazia a menor diferença.  Insistiu novamente para que eu aceitasse a cerveja.  Balancei a cabeça negando. Não pude responder, pois ainda estava mastigando um pedaço de linguiça. Não era das melhores, mas como a fome era grande, não podia dispensar. E ela continuava me olhando fixamente.  Não sei o que pensava.  Pegou a cerveja e encheu o seu copo. Não bebeu, mas começou a passar a língua em volta da borda. Fez isso, várias vezes. Perdi a noção do tempo que assim ficou. Não me esqueço daqueles olhos negros amendoados, cravados nos meus. Não piscou um momento sequer.  E aquele sorriso malicioso! Meu Deus do céu! Eu tremi! Juro por Deus! Eu tremi! Já estava hipnotizado. Ela então beijou o copo e me ofereceu. Já estava dominado. Peguei-o e bebi. Não resisti. Não tinha mais força de vontade.   Entornei o copo todo, goela abaixo. Não me lembro de tê-la visto beber. Até aqui a lembrança está cem por cento. Depois, é um branco só. E o prato feito? Não sei se comi só o pf. Depois disso tudo, só as ondas batendo nos meus pés. Já olhei o carro para ver se faltava alguma coisa, mas não consegui detectar nenhum roubo. A minha capanga estava intacta também. Não faltava dinheiro e nem documentos. O que será que aconteceu?  Estou aqui tentando me lembrar de algumas caras que vi por lá. Era muito falatório, muita fumaça de cigarro e muita incerteza.  Mas eu me recordo da morena e do garçom. Engraçado que de vez em quando, pegava ele me olhando. Não o vi atendendo outra mesa. Qual o significado disso? Acho melhor eu ir embora. Voltar para a estrada e chegar ao meu destino: Porto Seguro. Mas como deixar Omar aqui? Nós já somos amigos. Acho que velhos amigos. Um amigo não abandona o outro de jeito nenhum.  Já estou achando que esse cara era bom. Por que será que ele morreu? Tem hora que penso que vai falar comigo. Aquele medo inicial já foi embora. Não o vejo mais como uma caveira. Percebo apenas que ele é uma pessoa mais magra do que eu. Sei que isso é uma coisa muito esquisita. Muita gente vai achar que estou ficando maluco. Em alguns momentos acho isso também. Nem sei que horas são. Vou pegar meu celular. Porra! Me roubaram o celular! Por que me levaram o celular e deixaram o dinheiro, e as outras coisas? Não faz sentido. Ainda mais que era um celular velho. Só eu mesmo para usar aquele aparelho jurássico. Já estava quase na hora de jogá-lo na lata do lixo. Às vezes, quando saía de casa, ficava torcendo para alguém me assaltar e pedir o celular. Quando eu entregasse aquilo, o cara ia ficar muito revoltado. Omar será que você tem algum celular ai? Desculpe. Acho que estou ficando maluco mesmo. Você ia ligar pra quem? Na altura do campeonato os siris devem ter feito ligações para todo oceano atlântico. Um sirizinho deve ter falado com alguma sirizinha lá em Portugal. Não vai dar um sorrisinho não? Porra cara, você é sisudo mesmo, hein! Estou com vontade de ir embora, mas nem sei como sair daqui. Verdade, verdadeira. Omar. A verdade é que não tenho certeza se estou a fim de ir embora. Estou dividido. Porra!  Vou ou não vou? Vou segredar... Vou falar na sua orelha, ou onde era. Eu nunca estive num lugar tão sossegado. Verdade! Isso aqui é um paraíso. Só falta mesmo é uma linda mulher. Já sei que está pensando... Não cara! Eu sou solteiro! Eu parei aqui, mas estava indo para Porto Seguro. Precisamente Arraial d’Ajuda. Não conhece? Se não conhece, precisa conhecer. Desculpe. Agora é tarde, não é? Juro pra você. Se não fosse dar encrenca, colocava seus ossos dentro do carro e levava você comigo. Ia fazer o maior sucesso por lá. De repente eu digo que estudo medicina. Não. Não ia colar. Estou olhando pra você agora e estou achando que você podia ser uma mulher. Você tem cara de Amaralina. Conheci uma. Era um tremendo pé de cana. Bebia até álcool com gasolina. Vivia num desses postos de gasolina de beira de estrada. Tinha um cachorro que a acompanhava. Coitado do bicho. Quando ele lambia a sua cara, ficava bêbado também. Aqueles dois pareciam que tinham um amor platônico. Mas quando ela riscava um fósforo para acender o cigarro, o vira lata se afastava com uma rapidez danada. Não era só ele que tinha medo não, todo mundo achava que ela podia explodir a qualquer momento. Isso era questão de tempo. Não dá nem pra rir da situação. Diziam que ela tinha sido uma linda mulher. A cachaça acabou com ela. O vício é uma merda! Não acha? Falando em vício, até que eu tomava uma cerva geladinha. Vou dar uma olhada por ai, para ver se encontro algum ponto por onde eu possa me escafeder.  Você observou que o meu carro está na areia? Estou com medo que ele atole. Mas assim mesmo vou tentar movimentá-lo. Espera aqui. Engraçado. Aí Omar! Esse carro está com cheiro de novo! Tenho quase certeza que o meu já tinha perdido o cheirinho de zero, há muito tempo!  A placa é igualzinha, igualzinha! Só que... Estou observando que ela está muito nova.  Tem alguma coisa diferente. Que tem, tem! Mas o quê? Vejamos: pode ser impressão minha. Vou olhar meus documentos. Olhar pra quê! Sei que está tudo certo! Acho que deram um capricho nele, lá no posto. Ai Omar, está tudo certo! A hora que eu quiser, posso ir embora! Com certeza não me ouviu. Vou ficar lá com ele.  Não quero que o meu amigo fique solitário. Cheguei. Omar eu gostaria de saber ...  Sei que na atual conjuntura isso não vai fazer a menor diferença. Mas como sou um cara curioso, gostaria de saber se você já se aposentou.  Não precisa responder. Já vi tudo. Está na cara. No primeiro pagamento você enfartou. Foi isso? A pessoa trabalha a vida toda e na hora da aposentadoria... Eu queria entender. Você paga vários anos, aí ô! Top! Top! Parece que estão fazendo um grande favor. Você paga para receber dez salários e quando chega o primeiro pagamento, isso depois de uma porrada de meses esperando, não vem os dez. No ano seguinte o aumento não bate com o salário mínimo. Aí você desceu um pouquinho mais. E assim vai. E ainda colocam a culpa de tudo que está acontecendo no país, nos aposentados. Isso é uma trama diabólica em cima do povo. O que eles querem é alinhar todo mundo por baixo. Quando o país estiver com os seus aposentados e pensionistas ganhando um salário mínimo, aí vai estar do jeito que eles gostam.
Continua semana que vem... 

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