sexta-feira, 4 de março de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 1

A MENINA DO ROCHEDO
- José Timotheo -

Essa história pode ser real ou não. Isso não importa muito. Tudo parece um conto de fadas, mas também pode não ser. E se não for, que importância pode ter em pleno século vinte e um?
         Eu já não sou um garoto e lá vão décadas. Estava em uma das praias do sul da Bahia, e não era domingo. Tudo deserto. Não sei como ali cheguei. Eu, o céu, o mar e as ondas que vinham se arrastando pela areia até bater na sola dos meus pés. A água estava um gelo. Quando roçava em mim, me fazia tremer. Mas até que era um choque gostoso. Como gostoso, se nunca fui chegado à água fria? Mas até que aquela água, que quase congelava, estava me dando um prazer danado. Estava me fazendo ficar sem pensar em (quase) nada. Isso já era um tremendo sucesso, para quem carregava o estresse à tira colo vinte e quatro horas por dia. Estava de barriga para cima e ainda apreciava o céu azul. Não me lembro de algum outro dia ter ficado assim. Estava me sentindo confortável e bem relaxado. Não sei o tempo que assim fiquei. De repente me passou pela cabeça que eu podia estar morto. Um calafrio tomou conta do meu corpo. Um impulso natural foi de me mexer. E assim fiz. Mas depois me belisquei. Doeu. Aí falei pra mim mesmo: estou vivo. Isso me fez voltar ao estado inicial de bem estar.  Enfiei os cotovelos na areia, firmei os calcanhares e lancei-me um pouco mais em direção ao mar. Imediatamente uma onda forte cobriu-me o corpo. Fiquei debaixo d’água. Fechei os olhos por precaução mas não fiquei com medo. Para quem não consegue encostar a cara na lâmina d´água, foi uma senhora vitória. Fiquei ali um tempo que não sei precisar. A onda ia e vinha. Cobriu-me várias vezes. Já estava com o corpo quase coberto de areia, quando resolvi abrir os olhos. O susto foi grande: quatro urubus se aproximavam malandramente. Será que achavam que eu estava morto? Tinham cara de fome. O jeito não era de bons amigos. Olhei-os meio preocupado. A determinação do quarteto era visível. De repente estava morto mesmo e não sabia. Mexi a cabeça, mas eles continuaram se aproximando. Então resolvi levantar, mas não os intimidei muito. Afastaram-se um pouco e só. Me olhavam e eu os olhava, mas já demonstrando que não estava muito à vontade. Fui recuando, mas sem tirar os olhos deles. Nisso pousaram mais alguns. E eu continuei recuando. E eles vinham caminhando na minha direção. Dei mais uns dois passos para trás, tropecei em alguma coisa e caí. Ao tentar me levantar, olhei para ver no que havia tropeçado. Gritei tudo que tinha direito. O pavor estava estampado na minha cara, com certeza. O grito foi tão alto, que os urubus quase se chocaram ao partirem em fuga. Não sei como me levantei tão rápido. Mas fiquei em pé e corri para me afastar dali, imediatamente.  Corri o máximo que pude. Parei, só por conta da exaustão. Estava ofegante. A respiração era um descompasso só. Joguei-me na areia. Respirava fundo e soltava o ar bem devagar, procurando equilibrar corpo e alma. Parecia que já estava batendo as botas. Aquela cara olhando pra mim, me causava arrepios de pavor. Procurei em volta para ver se localizava alguém e nada. Queria dividir aquele desprazer com alguém. Mas nenhuma viva alma estava nos arredores. Parecia que estava numa cidade fantasma. Cidade? Ali só tinha areia e mar. Não vi nenhuma construção. Que lugar era aquele? Levantei-me sem muita convicção. No fundo queria ficar estirado ali para sempre. Olhei na direção de onde tinha vindo. Não acreditei que havia corrido aquela extensão toda. Devia ter batido os cem metros rasos, mole, mole! O que fazer? Não podia recuar sempre. De repente era tudo mentira. Pura imaginação. Mas tinha que ir lá e confirmar. Tentei colocar o medo sentado na areia, mas não tive sucesso. Peguei-o novamente. Se era pra eu ir até lá, que fossemos juntos. Sempre foi assim e agora não ia ser diferente. Tomei coragem, resolvi ir até o local e olhar cara a cara para o que me causou medo. Olhei as marcas que estavam cravadas na areia. Pelo menos podia voltar por elas. E assim eu fiz. Mas voltei de costas. Pisava dentro das marcas que estavam na areia. Ajeitava um pé de cada vez sem pressa nenhuma. Também, eu só ia olhar para a coisa, quando estivesse cravando meu pé na última cova, quer dizer, na última marca.  Assim fui naqueles quase 100  metros ou mais. Fiquei parado sem ter coragem de olhar para trás e para baixo. A coisa estava quase encostada no meu pé esquerdo. Respirei fundo e olhei. Meu Deus! Quase caí! Aquilo olhava para mim, sem olhos. Mas olhava. Os peixes tinham comido tudo, só deixando os ossos. Não dava para saber se era homem ou mulher. A única coisa que ainda existia, eram os cabelos. Curtos e ruivos. Pareciam ruivos.  Aonde deveria estar os órgãos sexuais, era um buraco. Os órgãos internos tinham sido devorados também. Tive vontade de vomitar. Fechei os olhos e respirei fundo. Ao abrir levei mais um susto: de dentro da cavidade ocular saia um siri. Achei que aquela pessoa tinha sido assassinada. Estava sem nenhuma roupa. Peixe não come roupa, não come sapato. Morreu de que? Achei melhor me afastar dali. Se chegasse alguém, eu não teria o que explicar. Mas se não tivesse o que explicar, qual era o problema? O pior seria explicar o medo. Não tem explicação. Ou tem? Todo mundo tem medo. Como não sou diferente dos outros, tenho muito medo também. Fui saindo devagar. De repente achei que o morto pudesse segurar a minha perna, aí preferi dar um pulo e sair correndo de novo.  Agora corri para o outro lado. Tive que pular por cima do defunto, e procurar me distanciar o máximo. Pensei na cerveja novamente. A sede apertou. Mas não tinha nenhuma barraca na redondeza. Aí me lembrei do carro. Dirigir depois de beber?  Nem pensar, entretanto continuava com sede. Surgiu mais um problema: o carro estava perto do defunto.

                              ...Continua semana que vem...

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