segunda-feira, 14 de março de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 2

Continuando...

Preferi ficar com sede. Eu nunca podia imaginar que uma praia pudesse ficar completamente deserta. Sempre aparece alguém. Em algum lugar sempre tem uma pessoa. Algum morador. Não tinha casa alguma ali. Como consegui escolher uma praia deserta e fúnebre? Não sei como achei aquilo ali, essa é a verdade. Não me lembro nada, nada, como cheguei. Lugarzinho ruim, esse! Não, não posso ser tão radical assim. Deve existir alguma coisa boa ao meu redor. Pensando, pensando, conclui que havia de ter ali, algo de positivo. De repente não tem ladrão. Isso! Esse é um dado positivo! Mas por outro lado, tinha assassino. Será que eu ia ser pego também? Não. O cara matou e foi embora. É isso. E agora? De repente aquela era a chance de exorcizar todos os meus medos. Quem sabe? Olhei em direção à caveira. Continuava lá imóvel. Também, se ela se mexesse, pensei: com certeza eu atravessaria a nado, o oceano atlântico. Senti um arrepio danado, quando mais um siri entrou pela cavidade bucal. Não tinha mais boca, era só um buraco. Entrou e sumiu. Os urubus foram embora, pois não havia mais carne nenhuma pra alimentá-los. Só sobraram mesmo os ossos. Será que esse cara foi morto e enterrado aqui mesmo? Um afogado para chegar até a areia da praia tem que ter carne. Isso é o que penso. Só ossos... As ondas do mar exumaram o cadáver. E agora? Acho que sou a única testemunha. Mas testemunha do quê? Vou ligar para a polícia. Não. Acho melhor não. Do jeito que esse país é, posso me estrepar.  Tem gente matando... O ladrão de elite mata muita gente. Nunca vi desviar tanto dinheiro do país e ainda assim se colocar de vítima. Quando vai preso, não devolve o dinheiro, pega prisão especial e nós é que pagamos a conta. Mas se roubam galinha, podem até pegar  "perpétua"! Já pensou se aquele cadáver ali for de político? Por que é que o mar foi fazer uma coisa dessas comigo? Estou comprometido. Essa é a verdade. Eu não podia ver. Quem vê alguma coisa neste país está enrascado. O que fazer?   Não sei. Por outro lado, já que devo estar comprometido, e não tenho como sair dessa, vou lá olhar o defunto de mais perto. Só falta mesmo tomar coragem.  Vou ou não vou? Vou! Tomei coragem, caminhei o mais devagar possível, mas fui. Agi como no Brasil, onde as coisas se arrastam, e como se arrastam...  Devo ter caminhado uma eternidade. Entretanto, o inevitável aconteceu: cheguei. Olhar ficou difícil. Mas tinha que olhar. Tinha que tirar coragem de algum lugar. Encorajei-me e olhei cara a cara com... Com o quê? Só tinha mesmo ossos. Se eu quisesse conversar um pouco para quebrar a solidão, como é que ia ser? Me sentei do lado do... Vou dar um nome para ele. Conversar com alguém sem saber o seu nome, é muito chato. Que nome dar para esse conjunto de ossos? Que coisa, hein! Não tenho outra opção, a não ser falar com uma caveira? Não, tenho outra sim: trocar ideias com uma pedra. Ah! Pedra não! Caveira é melhor. Já pensou ficar num lugar sem ver uma alma viva? Você tem que falar até sozinho! Só não pode aparecer uma alma penada! Pelo amor de Deus! Se isso acontecer, vou me borrar todo! Caraca! Como não pensei nisso: vou pedir pra caveira não mostrar sua alma! Pode ser que respeite o meu medo.  Ah! Mas tem uma coisa a meu favor: não sou vidente! Ufa! Escapei por pouco! E agora o nome? Vou pensar. Achei. Omar. Isso! Omar! Tem tudo a ver! Agora posso fazer umas perguntas pra ele e eu mesmo responder. Mas se ele  responder?  Vai ser um Deus nos acuda! Tenho que ficar calmo. Vou ficar tranquilo. Arrisco ou não arrisco uma pergunta? Claro! O que tenho a perder? Omar, quem é você? (Que perguntinha chinfrin!). Acho que não devo perguntar nada. Vai que ele está sob algum juramento. De repente não viu nada. Não sabe de nada. Alguém fez isso, não eu. Aquele dinheiro num paraíso fiscal, não é meu, alguém botou lá. Essa assinatura não me pertence. Eu não fiz nada! Eu não sei de nada! Aí vai ficar difícil a gente manter uma conversa. Mas... Ele pode ter sido um guerrilheiro, quem sabe? Mas não vai falar nada. De repente foi guerrilheiro, mas nunca usou arma. Nunca deu um tiro. Estava só de passagem e... Nunca sequestrou ninguém. Se nunca fez nada, pode ter escrito o manual de guerrilha. Isso explicaria alguma coisa. Posso perguntar aonde mora. De repente ele pode responder que morava em Brasília. Será que era na periferia? Acho que não. Se bem que está tão magrinho! Ele não vai dizer se morava na asa norte, sul ou... Tem pinta de político. Um ar fechado, uma pessoa séria. Mas esse cabelinho está me deixando encucado. Não dá pra gente identificar qual a sua ideologia. Ainda não vi nenhum deputado com esse tipo de corte, nem senador, nem ministro... Normalmente eles cortam o que é bom para o povo. Mas também não é bem assim; não são tão egoístas.  Eles cortam e dividem sempre entre eles. Me lembrei de um fato comum: todo ano destinam verbas para prevenção de enchentes. Quando cai a chuva, parece que a força da água leva todo o dinheiro na correnteza. Aí é destinada outra verba para a próxima enchente. E por que será que a verba é sempre levada água abaixo? Tem que se fazer uma barragem. Isso mesmo, uma barragem. Complicou. A barragem vai formar um lago. Logo a água vai afogar a verba. Acho melhor tentar fazer outra pergunta. Mas está difícil. Vou continuar olhando para ele. Será que era médico? Não. Se fosse médico, não estaria ali. Estaria salvando vidas. E não iria se fingir de morto. Médico que é médico, nunca morre. Não tem medo de doença. Ele encara o mal e faz de tudo para que as pessoas se livrem das suas garras. Um médico, que realmente é médico, não diz para o paciente que ele está com os dias contados. Não, ele jamais faz uma coisa dessas. Ele dá a maior força para que a pessoa dê a volta por cima e consiga se sentir mais forte. Um médico dá força, não aniquila a força. Um médico é paciente e seu próprio paciente. Êta! Estou divagando demais! Tenho que fazer alguma pergunta mais simples. Vou observá-lo melhor. Omar tem as pernas compridas. Os braços também são bem longos. Mas não é muito maior do que eu. Vou medi-lo. Fui até o carro e peguei uma trena. Aproveitei e bebi um pouco d’água. Estiquei a trena. Não podia encostá-la na caveira. Peguei um pedaço de tábua que estava próximo, encostei-a na parte superior da cabeça e com um outro pedaço, que parecia ser um cabo de vassoura, fixei a tábua. Coloquei a ponta da fita da trena e estiquei até a sola do pé, digo, até o osso do pé. Estava cravadinho lá: 1,71 metros. Um, sete, um. Muito comprometedor. Seria um advogado com diploma comprado? Esses que falam "adevogado"? Pode ser. Mas pode ser coincidência. Esse número não quer dizer nada. Já estou pensando mal de Omar. Será que ele era daqueles que abriam um olho para um lado e fechava o outro? A balança dele só pendia para um lado? A justiça pode ser enrolada, mas não é injusta. Pelo menos não deveria ser. Mas tem ocasiões que deixa a gente com uma pulga atrás da orelha. É ou não é? Processos que se arrastam por anos e mais anos... Parece que não interessa a ninguém o desfecho. Principalmente quando o caso é de corrupção.  Isso é coisa do Brasil. Ou de outros lugares parecidos com o nosso. Entretanto, tem país sério que resolve em poucos dias casos de corrupção. É verdade. Pode acreditar. Será que a nossa justiça é injusta? Sabe que acabei de ficar triste.

Continua semana que vem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário