quarta-feira, 20 de abril de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 7

Continua...
Eles estão indo embora. Olha só o estado que ficou o meu carro! Só restou o chassi! Que merda! Por que será que eles fizeram isso? Levaram toda a lataria. Agora sumiram. Sorte que não vieram atrás de mim. Não entendi nada. Acho que nunca vou saber o porquê de depenarem o meu carro. Vou subir de novo. E se eles voltarem? Tenho que sair daqui. É melhor prevenir do que remediar. Já ouvi essa frase um milhão de vezes. Vou fugir antes que voltem. Vou subir de novo. Tenho que levantar essa vela. Caraca! Olha o vento de novo! Estou voando! Como é que para essa joça? Meu Deus! Estou indo em direção daquele rochedo! E se eu bater naquelas pedras? Estou chegado perto! Estou chegando perto! Meu Deus!

Omar, o que é que você está fazendo aqui em pé olhando pra mim? Você continua sem falar nada. Você sumiu. Me fez passar por maluco, cara! Agora me aparece aqui na minha frente, como se nada tivesse acontecido! Já estou bebendo água. Estou me sentindo tonto. Será que bati com a cabeça? Omar me desculpe, mas tenho que subir pra não morrer e ficar igual a você. Porra! Tem alguém puxando o meu cabelo! Omar tem alguém puxando o meu cabelo. Está doendo pra cacete. Agora estou me sentindo estranho. Onde estou? Meu Deus! Estou no céu? Eu morri? É isso? Quem é você? Uma princesa? Não entendi. Continuo sem entender. Piorou. Que língua você está falando? 

        - Meu nome é Victória.

        - Agora entendi! Você é um anjo? 

        - Não.

        - Então é uma princesa. Acertei?

        - Também não. Sou apenas uma refugiada. 

        - Teve algum problema político?

        - Nada disso. Eu apenas me refugiei aqui. Achei esse lugar bonito e aqui me instalei.

        - Você falou uma porção de coisas que eu não entendi. Você é de que país?

        - De nenhum e de todos. Sou uma cidadã do mundo. Eu falei em grego arcaico. Depois em hebraico. Falei em persa.

       - Então você é uma pessoa culta. Não entendi nada do que você falou. Às vezes até o português fica difícil de entender. Êta linguazinha difícil! Por um acaso você viu Omar?

       - Quem é Omar?

       - Omar é um amigo. Você promete que não vai rir?

       - Claro. Sem risos, nem deboche. Mas antes é melhor você sair da água.

       - Mas é melhor você parar de puxar os meus cabelos.

       - Tudo bem. Você garante que não vai afundar?

       - Não sei. Acho que não. Mas... Segura a minha mão e me puxa. É mais garantido.

       - Vem devagar, para não se machucar nas pedras. Isso, muito bem. Sente-se um pouco.

       - Está bem. Acho que quase morri. Você me salvou a vida. Você viu uns caras atirando em mim?

       - Não. Não vi. Que importância tem isso?

       - Como assim, que importância tem? Eu quase fui morto por eles.

       - Tem certeza? Você não estava morto antes?

       - Eu morto? Não! Claro que não!

       - Às vezes as pessoas morrem em vida. Estão vivos, mas sem vida. Será que não é o seu caso?

       - Não! Eu estou vivíssimo! Já Omar...

       - Omar não é um amigo?

       - Claro! Claro! Só que Omar é uma caveira.

       - Uma caveira? Qual o seu nome?

       - Hermes.

       - Bonito nome. Hermes. Você sempre foi uma pessoa fechada. Estou certa?

       - Por uma acaso você é psicóloga?

       - Não. Longe disso. Você e a caveira... Já parou para pensar que a caveira pode ser você mesmo?

       - Está maluca? Eu estou vivo! Omar é que já passou dessa pra melhor!

       - Quem garante?

       - Quem garante o quê?

       - Quem garante que ele está num lugar melhor? Às vezes não. Criamos em vida o nosso inferno e acabamos levando ele com a gente.

      - Você é estranha. O que tem de bonita tem de esquisita.

      - Você tem certeza que eu sou bonita? Olha lá. O seu inferno está vindo pra cá.

      - Meu Deus! E agora? Pra onde eu vou? Como eu vou escalar esse paredão de pedra?

      - Fica calmo e me segue. Pode confiar em mim. 

      - Você tem corda pra gente escalar essa montanha de pedra?

      - Para quê? Segue-me e faz o seu próprio caminho. Você precisa se desfazer das cordas que te amarram.

      - Você fala umas coisas estranhas. Você é muito nova pra falar desse jeito. Ainda fala algumas línguas esquisitas.

     - Aí é que você se engana. Você é quem fala esquisito. Não tem nenhum cuidado com o que fala. Vamos subir? O que você atraiu, está à sua procura. Segura a minha mão e acompanha-me.

Ué, estão aparecendo degraus! Vou apenas pensar. Vou conversar comigo mesmo. Olha só! Ela não está encostando os pés no chão! O quê que é isso? É um anjo ou um demônio? Pode ser o que for, mas que é bonita é!

     - Até com os pensamentos você não tem cuidado. Às vezes os pensamentos são mais perigosos que as palavras ao vento. Você perde muito tempo pensando coisas que só vão te dar dor de cabeça. O pensamento e as palavras têm força. Você conhece o bumerangue: ele vai e volta. Não é isso? Com o pensamento e a palavra acontece a mesma coisa. Se você pensa coisa boa, vai receber tudo na mesma proporção. Se pensa ou fala coisa ruim, já sabe o que vai voltar, não sabe?

   - Mas... É difícil não falar. Não pensar... Em muitas situações a "tolerância é zero". Eu sou assim.

   - Muda ou a vida vai te cobrar. Você julga... Com certeza vai ser julgado. Jesus que não carregava qualquer tipo de culpa foi maltratado ao extremo, mas foi incapaz de levantar um dedo acusatório contra qualquer um dos seus algozes. Pelo contrário, ainda pediu para que Deus os perdoasse.

    - Mas é tão difícil!

    - Então fique calado. Quando você exalta um defeito de alguém, na verdade está querendo esconder os seus.

    - É... Victória será que não estou correndo o risco de escorregar?

    - Você está com medo de apenas sofrer algumas escoriações? Você que já tem feridas abertas por escorregar pela vida toda! O pior é que você ainda não percebeu o quanto você tropeça, cai, levanta e continua tropeçando, caindo... E causando tropeços e quedas em muita gente! Ainda está preocupado com uns simples arranhões na pele!

    - É porque dói. Mas eu não prejudico ninguém. Eu me acho um cara legal.

    - Tem certeza? Você se lembra do último pedinte?

    - Não. São tantos mendigos, que fica difícil a gente se lembrar de um.

    - Você acha que são todos mendigos? Esse último você taxou de bêbado. Foi julgando sem saber. É fácil julgar, não é?

    - Não é o problema de julgar. É...

   - É o quê?

   - É... Não sei. A verdade é o seguinte: ninguém quer trabalhar! É um bando de vagabundo espalhado pelo Brasil! O cara quer esmola para tomar cachaça! Isso sim!

    - Se o irmão pediu a esmola para comer, você pode dar. Agora se ele usou para outro fim o problema é somente dele. Você fez a sua parte. Nem todos que pedem esmola são para beber ou fazer uso de drogas. Lembra-se daquele pedinte? Não lembra. Então. Ele estava pedindo para comprar remédio para um filho doente. E ele também estava muito doente. E continua muito adoentado. Tem um problema cardíaco grave. Está completamente impossibilitado de trabalhar. E sem trabalhar, não tem recurso. Ele, para você, parecia bêbado. Você nem parou para ouvi-lo. Na verdade, você era o único embriagado.

     - Não entendi a colocação, mas... Sabe, até que eu sou um cara legal. Eu me esqueci de falar, que tenho medo de altura. A gente vai demorar muito pra chegar a algum lugar seguro?

    - Você é um cara sem fé. Um cara medroso. Um cara que não enxerga um palmo à frente do nariz. Você está com a cara enterrada no caminho, que não observa nada que está a sua frente. Não percebe nada que acontece à sua volta. Acredita nas pessoas erradas e não dá ouvido às pessoas certas. O único perigo que você vê, está lá embaixo. Isso porque você só olha para trás.

   - Não é bem assim. Eu tenho fé. Mas tenho medo também. Hei! Você não é... Você é a cabocla do bar? Tenho certeza! Você é a garota que sentou na minha mesa!

   - Hei! Eu sou loura! Você continua vendo tudo distorcido! E eu não sento em cima de mesa de ninguém! O máximo, numa cadeira! 

   - Mas eu não me engano! Você está querendo me matar! Deve ser em algum ritual Satânico!

   - Você continua vendo fantasma. Você é que está querendo se matar. Vem comigo. Segue-me. Eu sou a salvação.

  - Salvação de quê? Eu vou é descer. Meu Deus! Cadê o caminho? Como eu consegui subir nessa pedreira?

  - Eu fiz o caminho pra você. Não percebeu? Até agora você ainda não conseguiu fazer o seu próprio caminho.

  - O que é que você fez comigo lá no bar? Deve ter colocado alguma coisa na cerveja! Eu vou voltar!

  - Olha lá para baixo. Estão esperando por você. E você não tem alternativa. Se tentar descer cairá com certeza. Venha. Você não cresceu mesmo. Continua parecendo uma criança.

Eu acho que ela está armando pra mim. Já armou uma vez... Como é que ela pode mudar tanto a sua aparência? Não tem muito tempo e ela era loura. Ou não? Agora está morena. Será que é aquela cabocla, lá do bar? Vou tentar passar para o outro lado. Vou aproveitar que está de costas. Não posso escorregar. Mas como sair daqui? Estou pendurado. Que merda! Não tenho lugar para pisar! Assim não vou aguentar! Meu Deus! E agora? Os meus dedos estão ficando dormentes! Estou pendurado!

    - A sua mente é que está pendurada. Olha aí para a sua esquerda: tem um corrimão. Segure-o. Agora fique em pé.

    - Isso é um truque? Não tinha corrimão nenhum. Como é que vou ficar em pé?

    - Ficando. Já que você acredita em todo mundo, pode acreditar também em mim.

                 E se isso for ilusão? Estou num mato sem cachorro. Aonde uma simples viagem me colocou: em cima de um rochedo. Uma parede de pedra lisa. Nem um alpinista ia conseguir isso. Só posso estar sonhando. Porra, os caras ainda estão lá embaixo! Que merda! Um deles está apontando uma arma pra mim! Agora começou a atirar! Tenho que sair daqui já! 

     - Hei menina! Me tira daqui! Os caras estão atirando! Vão acabar me acertando!

     - Pode vir. Venha. Segure no corrimão e suba. Vê se não demora. Senão, pode levar um tiro na bunda. Seja rápido.

     - Já estou indo. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Não tenho saída mesmo. Já estou indo! Você está loura de novo? Assim vou acabar ficando maluco! Hei! Me espera! Cadê você?

Porra! A garota sumiu! E agora? Deixa eu acelerar! Que coisa estranha. Parece que o corrimão está me acompanhando. Vou pegar coragem e olhar para trás. Respira fundo, cara! Respira fundo! Ué! O caminho sumiu! E o corrimão também! Menos os caras! Continuam de prontidão! Estou frito! Só tenho uma saída! E essa saída é ir com a menina! E lá vou eu!  

   - Menina, me espera! Pelo amor de Deus, me espera!

   - Pronto, chegou. Vamos entrar na minha casa.

   - Casa? Isso não é uma caverna?

   -É o meu lar. É um teto. Você tem casa?

   - Claro!

    -Mas de repente não tem teto.

    -Não entendi. Claro que a minha casa tem telhado.

    -Você nunca entende nada. Senta aqui apontando para uma pedra quadrada e fica apreciando a paisagem.
              Continua na semana que vem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário