Continuando...
A menina ainda continuava do lado de
fora, parada. Estava extasiada com o que estava vendo, mas na realidade não
entendia muito bem aquele cômodo, ricamente mobiliado e escondido de todos. Custou
a se movimentar, mas com cautela foi saindo da inércia. Olha aqui, olha ali, fez
uma varredura geral, botando apenas uma parte do corpo pra dentro, mas
finalmente entrou. Não falou nada com a Madre, apenas observou cada objeto ali
exposto, em silêncio. Estava fascinada com tudo que via e tudo brilhava. Tudo
ouro dezoito quilates (mas não sabia), no entanto observou que a colcha que
cobria a cama era bordada com fios de ouro. Isso ela sabia porque já tinha visto na capa de um bispo, numa ocasião
em que receberam a sua visita, mas a informação partiu de uma irmã que jurou
ser ouro puro. Caminhou mais algum tempo observando cada utensílio. Depois
parou, olhou para a Madre e mentalmente perguntou:
- Madre, por que Isso? É da Madre
Joana? E o voto de pobreza?
- É a vaidade, Helô! Este cômodo é da Madre
Joana sim, mas não foi ela que construiu, ela só descobriu. Minha filha, há muitos anos atrás tivemos uma Madre que
também era muito vaidosa, só que ela não tinha tanta maldade no coração. Nunca
abusou de qualquer criança. Já a Madre Joana... você já sabe. Helô, o voto de
pobreza para essas pessoas é da boca para fora.
A menina estava boquiaberta com o que
ouvia, mas aproveitou a pausa que a Madre fez e perguntou:
- Madre, esse quarto aqui é do
conhecimento de todas as irmãs?
- Claro que não! Eu não lhe falei que
ele é secretíssimo? Só que agora não é mais, já que você o conheceu e eu também,
mas já não sou de carne e osso como você, isso não conta. O achado, minha
filha, ficou só para ela. Veio bem a calhar essa descoberta. O seu quarto
simples, que todos conhecem, fica colado a esse e tem uma passagem secreta
entre eles. A Madre descobriu por um acaso. Tempos depois ela mandou alguém
fazer outras passagens daqui para outros cômodos. Toda essa construção, fora
esse quarto aqui, foi feita pela Madre e seus comparsas. Começou pela caverna
até chegar à parede desse quarto. O senador e o padre ficaram responsáveis por
tudo. Para que não houvesse qualquer tipo de suspeita, arranjaram uma obra
emergencial no prédio que dá para o pomar. Isolaram toda aquela área. Para
ganhar bastante tempo, resolveram fazer um anexo, onde ficam o berçário, a
enfermaria e o alojamento para as irmãs, que são responsáveis também por todos
os outros alojamentos onde ficam as órfãs.
- Desculpe, Madre, a minha falta de atenção. De repente
esqueci que aqui é um lugar só da Madre Joana. Secretíssimo, como a senhora
disse. Agora, isso é inacreditável! Como conseguiram fazer tudo isso sem ninguém ficar
sabendo?
- Então, minha filha, foi todo mundo
proibido de circular. Toda essa área foi isolada, como já lhe falei. Na região
da mata, onde fica a gruta, a proibição foi muito antes, anterior à gestão da
Madre Joana. Foi uma forma de manter as crianças afastadas dali, um jeito ainda
de protegê-las, mas para que se fizesse isso criaram os animais perigosos, os
fantasmas. As professoras foram as principais armas para o sucesso. E
funcionou. Ali é o lugar mal assombrado. A única corajosa a entrar na região
foi você.
- Mas com a ajuda da senhora.
- Continuando. Não podemos perder
muito tempo, mas vou completar o que estava falando. Voltando à obra, você sabe
que as pessoas que fizeram esses cômodos e as passagens secretas não ficaram
vivas para contar essa história?
- Puxa, Madre, verdade!?
- Uma triste verdade, minha filha. Agora,
outra coisa que tenho de deixá-la informada. O cemitério que você conhece, na
gruta, foi desativado há muito tempo. A partir daí todo sepultamento passou a
ser no cemitério da cidade. Atualmente quem sabe da existência dele são algumas
irmãs, as bem idosas, você, a Madre Joana e também todo o grupo dela. Com isso
ficou mais fácil para Madre Joana e eles realizarem essa obra. Tudo conspirou a favor do mal,
quando foi descoberto por técnicos que vieram examinar o terreno.
- Madre, por que foi desativado esse
cemitério?
- Houve alguns desmoronamentos. As
obras emergenciais foram sendo adiadas. Adiaram tanto que acabou caindo no
esquecimento. Com a obra que a Madre fez, recuperou também a gruta, que era
importante para os seus planos. Helô, vamos andando. Já ficamos aqui por muito
tempo.
Quando as duas iam saindo, Helô ouviu
um choro. Para e fica procurando. Depois olha para a Madre e pergunta:
- Madre, quem está chorando? De onde
está vindo esse choro?
A entidade não responde, apenas aponta
numa direção. Helô olhou e viu uma irmã arriada perto da cama, mas antes que ela
fizesse mais alguma pergunta, a Madre foi logo explicando aquele fato.
- Já tentamos tirar essa irmã daqui,
mas está muito difícil. Continua muito apegada a isso tudo aqui. Acha que isso
ainda lhe pertence. Está presa a cada móvel desses. Foi ela que construiu esse
quarto. Desde que desencarnou, não consegue se libertar.
- Como assim, Madre?
- Minha filha, ela ainda não tomou
consciência que já fez a passagem. Não consegue entender o seu novo estado.
- Que coisa estranha! Mas ela não
sente fome?
- Sente, mas não se afasta e com isso não
percebeu que o tempo que está aqui dentro, sem comer, com certeza já teria
morrido.
- Isso é normal, Madre? Todo mundo
que morre fica assim?
- A maioria, Helô. Muitos são até
preparados para voltar sem ter consciência que estão mortos, mas têm que
voltar. Essa é a lei. Até nos tornarmos puros, é um vai e vem sem fim.
- Não entendo isso não, Madre!
- Mas vai entender. Deixa-me
completar a narrativa sobre a irmã. Quando a Madre Joana descobriu este lugar,
a irmã tentou afastá-la, mas não conseguiu. Acabou ficando com muito medo dela,
ao ver as entidades trevosas que a acompanhavam, e com isso acabou se
encolhendo pelos cantos. Ela acha que a Madre Joana roubou o seu posto.
- Coitada! Ela era Madre?
- Sim. Há muito tempo. Ela tem medo,
mas não quer se afastar daqui. Pensa que ainda vai conseguir o seu posto de
volta.
- Que coisa triste! Ela vai ficar
assim para sempre?
- Não, minha filha, tem uma equipe de
socorro para ajudá-la a entender o seu novo estado. Ninguém fica abandonado
nesse mundo de Deus. Os irmãos que trabalham com esse tipo de ajuda são
experientes. Pode ficar certa que será resgatada daqui. Não só ela, mas todos
que ainda estão sem rumo. Algumas irmãs já foram resgatas e levadas para
hospitais.
- Hospitais? No céu?
- É, Helô, isso mesmo, hospitais, mas
não é no tão falado céu. É aqui no nosso planeta mesmo. Nessas idas e vindas,
não se vai para muito longe não.
- Madre, está difícil para eu
entender isso.
- Depois eu te explico. Não só
explico como vou levá-la, depois que você dormir, para conhecer esses
hospitais.
..............Continua semana que vem!
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