terça-feira, 16 de julho de 2019

A História de Helô - Parte 41



Continuando...

           A menina ainda continuava do lado de fora, parada. Estava extasiada com o que estava vendo, mas na realidade não entendia muito bem aquele cômodo, ricamente mobiliado e escondido de todos. Custou a se movimentar, mas com cautela foi saindo da inércia. Olha aqui, olha ali, fez uma varredura geral, botando apenas uma parte do corpo pra dentro, mas finalmente entrou. Não falou nada com a Madre, apenas observou cada objeto ali exposto, em silêncio. Estava fascinada com tudo que via e tudo brilhava. Tudo ouro dezoito quilates (mas não sabia), no entanto observou que a colcha que cobria a cama era bordada com fios de ouro. Isso ela sabia  porque  já tinha visto na capa de um bispo, numa ocasião em que receberam a sua visita, mas a informação partiu de uma irmã que jurou ser ouro puro. Caminhou mais algum tempo observando cada utensílio. Depois parou, olhou para a Madre e mentalmente perguntou:
          - Madre, por que Isso? É da Madre Joana? E o voto de pobreza?
          - É a vaidade, Helô! Este cômodo é da Madre Joana sim, mas não foi ela que construiu, ela só descobriu. Minha filha,  há muitos anos atrás tivemos uma Madre que também era muito vaidosa, só que ela não tinha tanta maldade no coração. Nunca abusou de qualquer criança. Já a Madre Joana... você já sabe. Helô, o voto de pobreza para essas pessoas é da boca para fora.
          A menina estava boquiaberta com o que ouvia, mas aproveitou a pausa que a Madre fez e perguntou:
          - Madre, esse quarto aqui é do conhecimento de todas as irmãs?
          - Claro que não! Eu não lhe falei que ele é secretíssimo? Só que agora não é mais, já que você o conheceu e eu também, mas já não sou de carne e osso como você, isso não conta. O achado, minha filha, ficou só para ela. Veio bem a calhar essa descoberta. O seu quarto simples, que todos conhecem, fica colado a esse e tem uma passagem secreta entre eles. A Madre descobriu por um acaso. Tempos depois ela mandou alguém fazer outras passagens daqui para outros cômodos. Toda essa construção, fora esse quarto aqui, foi feita pela Madre e seus comparsas. Começou pela caverna até chegar à parede desse quarto. O senador e o padre ficaram responsáveis por tudo. Para que não houvesse qualquer tipo de suspeita, arranjaram uma obra emergencial no prédio que dá para o pomar. Isolaram toda aquela área. Para ganhar bastante tempo, resolveram fazer um anexo, onde ficam o berçário, a enfermaria e o alojamento para as irmãs, que são responsáveis também por todos os outros alojamentos onde ficam as órfãs.
          - Desculpe,  Madre, a minha falta de atenção. De repente esqueci que aqui é um lugar só da Madre Joana. Secretíssimo, como a senhora disse. Agora, isso é inacreditável! Como  conseguiram fazer tudo isso sem ninguém ficar sabendo?
          - Então, minha filha, foi todo mundo proibido de circular. Toda essa área foi isolada, como já lhe falei. Na região da mata, onde fica a gruta, a proibição foi muito antes, anterior à gestão da Madre Joana. Foi uma forma de manter as crianças afastadas dali, um jeito ainda de protegê-las, mas para que se fizesse isso criaram os animais perigosos, os fantasmas. As professoras foram as principais armas para o sucesso. E funcionou. Ali é o lugar mal assombrado. A única corajosa a entrar na região foi você.
          -  Mas com a ajuda da senhora.
          - Continuando. Não podemos perder muito tempo, mas vou completar o que estava falando. Voltando à obra, você sabe que as pessoas que fizeram esses cômodos e as passagens secretas não ficaram vivas para contar essa história?
          - Puxa, Madre, verdade!?
          - Uma triste verdade, minha filha. Agora, outra coisa que tenho de deixá-la informada. O cemitério que você conhece, na gruta, foi desativado há muito tempo. A partir daí todo sepultamento passou a ser no cemitério da cidade. Atualmente quem sabe da existência dele são algumas irmãs, as bem idosas, você, a Madre Joana e também todo o grupo dela. Com isso ficou mais fácil para Madre Joana e eles realizarem  essa obra. Tudo conspirou a favor do mal, quando foi descoberto por técnicos que vieram examinar o terreno.
          - Madre, por que foi desativado esse cemitério?
          - Houve alguns desmoronamentos. As obras emergenciais foram sendo adiadas. Adiaram tanto que acabou caindo no esquecimento. Com a obra que a Madre fez, recuperou também a gruta, que era importante para os seus planos. Helô, vamos andando. Já ficamos aqui por muito tempo.
          Quando as duas iam saindo, Helô ouviu um choro. Para e fica procurando. Depois olha para a Madre e pergunta:
          - Madre, quem está chorando? De onde está vindo esse choro?
         A entidade não responde, apenas aponta numa direção. Helô olhou e viu uma irmã arriada perto da cama, mas antes que ela fizesse mais alguma pergunta, a Madre foi logo explicando aquele fato.
          - Já tentamos tirar essa irmã daqui, mas está muito difícil. Continua muito apegada a isso tudo aqui. Acha que isso ainda lhe pertence. Está presa a cada móvel desses. Foi ela que construiu esse quarto. Desde que desencarnou, não consegue se libertar.
          - Como assim, Madre?
          - Minha filha, ela ainda não tomou consciência que já fez a passagem. Não consegue entender o seu novo estado.
          - Que coisa estranha! Mas ela não sente fome?
          - Sente, mas não se afasta e com isso não percebeu que o tempo que está aqui dentro, sem comer, com certeza já teria morrido. 
          - Isso é normal, Madre? Todo mundo que morre fica assim?
          - A maioria, Helô. Muitos são até preparados para voltar sem ter consciência que estão mortos, mas têm que voltar. Essa é a lei. Até nos tornarmos puros, é um vai e vem sem fim.
          - Não entendo isso não, Madre!
          - Mas vai entender. Deixa-me completar a narrativa sobre a irmã. Quando a Madre Joana descobriu este lugar, a irmã tentou afastá-la, mas não conseguiu. Acabou ficando com muito medo dela, ao ver as entidades trevosas que a acompanhavam, e com isso acabou se encolhendo pelos cantos. Ela acha que a Madre Joana roubou o seu posto.
          - Coitada! Ela era Madre?
          - Sim. Há muito tempo. Ela tem medo, mas não quer se afastar daqui. Pensa que ainda vai conseguir o seu posto de volta.
          - Que coisa triste! Ela vai ficar assim para sempre?
          - Não, minha filha, tem uma equipe de socorro para ajudá-la a entender o seu novo estado. Ninguém fica abandonado nesse mundo de Deus. Os irmãos que trabalham com esse tipo de ajuda são experientes. Pode ficar certa que será resgatada daqui. Não só ela, mas todos que ainda estão sem rumo. Algumas irmãs já foram resgatas e levadas para hospitais.
          - Hospitais? No céu?
          - É, Helô, isso mesmo, hospitais, mas não é no tão falado céu. É aqui no nosso planeta mesmo. Nessas idas e vindas, não se vai para muito longe não.
          - Madre, está difícil para eu entender isso.
          - Depois eu te explico. Não só explico como vou levá-la, depois que você dormir, para conhecer esses hospitais. 
..............Continua semana que vem!

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