terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 32

 


.Continuando...

         O amigo foi em seu socorro - prendendo o riso – e subiu com ele, ajudado por Murt que já tinha estendido a sua mão para ajudá-lo.

         Já do lado de fora, Mohammed e Murt amparavam o amigo que não parava de vomitar. Botou pra fora tudo o que tinha comido e o que ainda ia comer, segundo comentário de Murt.

         Depois da melhora de Rachid, Murt apresentou outra solução:

         - Eu tenho outra proposta.

         - E o que é, Murt? Não é outra proposta nojenta, não é? – perguntou Rachid, com uma cara que era só nojo.

         - Nada de nojento. Um dia escutei uma conversa da minha mãe com uma tia, onde ela explicava como era fácil pegar o rato. Ela disse que colocou num pratinho uma porção de fubá, misturado com cimento. Do lado, colocou uma vasilha de água. Aí os ratos iam pra comida e depois bebiam água. Com isso os bichos foram sumindo.

           - Eles não devem ter gostado da comida! Hahaha

           - Está brincando, Mohammed. Eu fiquei triste quando soube o que acontecia com eles. Os coitados quando comiam o fubá com cimento e depois bebiam água, morriam porque a comida endurecia na barriga deles. Aí eles morriam. Coitados, né?

           - Murt, você ficou com pena? Depois de dizer que você comia ratos, sentiu pena dos bichos? Não entendi.

           - Mohammed, comer porque se está com fome, é uma coisa. Mas só em pensar no sofrimento que o bicho passou, com aquela massa secando dentro do estômago, dá um mal-estar danado. Fiquei pensando naquilo secando dentro do meu estômago. Pensa só! Ah eu comia sim! Mas quando já estava sozinho pelo meio da rua, com os amigos que tinham também perdido a família! A fome era tanta, que eu nem me lembrava do que escutei. 

            - Ninguém merece sofrer, não é? Deve ser uma dor insuportável! Nem a gente e nem os ratos.

           A noite já tinha chegado e como todos os dias, praticamente, vinha com um céu que se debruçava sobre cidade. A sensação era que as estrelas iam se desprender e uma a uma, cair sobre Cabul. Mohammed gostava de ficar observando a abóboda celeste todas as noites, principalmente do esconderijo principal. Lá, não tinha dúvida, era o lugar mais seguro de Cabul. Ali, só iam pela manhã, pois a noite a segurança era duvidosa.  Somente em último caso, arriscavam usá-lo depois que o sol caía atrás das montanhas. Na escuridão, tinham a sensação que alguém se escondia nos escombros, que tomava conta da rua, à espreita. Mesmo assim achou que seria mais conveniente, o que pedia o momento, trazer os soldados para aquele segundo esconderijo.  O primeiro, continuaria em segredo absoluto.

            Mohammed sentia-se sufocado ali. A sensação era de estar enterrado com aquelas pessoas que ele mal conhecia. Só a presença a Rachid aliviava um pouco aquele mal-estar. Um amigo, amigo do peito, somente Rachid. Amigo, irmão de infortúnio, companheiro de esperança e de luta pela sobrevivência. Murt tinha aparecido tempos depois e era meio arredio, estava junto, mas gostava de ficar sempre isolado. Não que não participasse de todos os movimentos do grupo, isso não. Sempre estava presente nas garimpagens que os amigos realizavam. Entretanto gostava muito de sair sozinho pelas noites e raramente não trazia arma ou alimento para o grupo. Àquelas saídas noturnas, solitárias, incomodava muito a ele, mas como sempre Murt trazia alguma coisa, contribuindo efetivamente ao grupo, nunca o interpelou. Entretanto tinha sempre uma pulga atrás da orelha, em relação a esse amigo. Na realidade ele o considerava, no íntimo, apenas como um colega de infortúnio.

         Devia passar das vinte horas. Cada um refugiou-se em um canto, abraçado aos seus pensamentos. O silêncio era quase total, apenas cortado, de vez em quando, por algum suspiro ou respirações ruidosas, de quem já começava a mergulhar no sono. 

......Continua Semana que Vem!!

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário