quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Sem Inspiração - Parte 1



SEM INSPIRAÇÃO

- José Timotheo -

          Meus pensamentos foram escorregando até chegar à minha caneta. Não sei bem o que eu queria escrever. Muitos pensamentos juntos não dão muito certo. Levantei a caneta e interrompi. Era muita coisa querendo sair de uma vez só. É estranho quando uma ideia se agarra a outras, atrapalhando a criação. Você acaba dando um nó na cabeça. Às vezes até tenta-se botar esses pensamentos em ordem, mas vem alguma coisa, que parece um vírus, e faz uma limpeza na sua cabeça. Você olha para dentro e percebe que ficou tudo branco. E nem consegue um pedacinho de inspiração, que por ventura tenha ficado em algum canto, para jogar no papel.  A limpeza é total.  
          Peguei a caneta novamente e coloquei o bico em cima da folha. Quem sabe os pensamentos se ordenassem. Mas foi pior. Antes tinha até um emaranhado de ideias. Agora nem cheiro de qualquer inspiração que se amontoara, havia pouco tempo, eu achei mais. Inspiração tem cheiro? Não sei. Mas como sou chato, continuei com a caneta descansando no papel. Tenho alguns amigos que me criticam por escrever em folhas de papel. Ficam indignados por eu não usar o computador direto. Eu digo que tem hora que até uso a máquina de primeira. Mas em outras ocasiões escrevo tudo no papel mesmo. Depois vou para o computador e aí sim, arrumo as ideias com calma. Isso quando elas não se atropelam. Mas o que fazer quando não se tem inspiração?
         Enquanto tentava localizar na lembrança algum tema que havia pousado na cachola, o interfone tocou. Aí mesmo é que o vazio se encheu de confiança. Já era dono da minha criação. Então não tive outra opção a não ser ir atender o interfone. Mal eu peguei o aparelho, uma voz invadiu o meu ouvido. Reconheci na hora quem era. Sabia que já vinha aborrecimento. Enchi logo a boca de desaforos para empurrar pelo fone. Mas qual não foi a minha surpresa: dessa vez não veio reclamação. No lugar veio um convite. De saída fiquei boquiaberto pelo tom calmo da voz. Porque era quase todo o dia reclamando que estavam arrastando uma cadeira, batendo com algum objeto no chão, a máquina de lavar ligada num horário impróprio e assim vai uma lista grande de insatisfações do vizinho. Fiquei com uma pulga atrás da orelha. Por que será esse convite? O que tem por trás? Pensei, pensei e não consegui saber. O meu silêncio acabou incomodando-o. Ele então falou:
         - Ué, não está me ouvindo não? Vou repetir: desce para tomar uma cachaça comigo! Vamos abrir uma garrafa, que tem mais de quarenta anos. Vem logo!
Continua semana que vem...

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