terça-feira, 24 de julho de 2018

Um Dia de Sol - Parte II

Continuando...

 Me chamou de atrasado assim na bucha. Mas não fiquei aborrecido. Desvencilhei-me da turba e fui caminhar no calçadão. Ainda era muito cedo. E nem parecia que a seleção de futebol ia jogar à tarde. Será que vinha à lembrança de 2014? Agora era um pé à frente e outro atrás. Nos jogos anteriores, a garotada não convenceu muito, logo... vamos esperar pra ver. Seguro morreu de velho. 
         Andei, andei e olhava a areia desenhada de mulheres. Corpos quase nus expostos ao sol e a olhares de desejos. Os homens eram poucos, espalhados em cima do extenso manto branco.  Realmente parecia que ninguém estava se preocupando com o jogo da seleção. Só vi apenas uma bandeirola balançando no ar. Perguntei a hora num quiosque. A resposta veio rápida: onze horas. Olhei e vi que o semáforo estava conspirando a meu favor. Atravessei quase correndo a rua. O jogo era às quinze horas. Tinha que acelerar para ir à casa de um amigo e assistir ao confronto de Brasil e Bélgica. Cheguei lá meia horas antes. O entusiasmo ainda não tinha chegado. Acho que todo mundo estava vacinado. Mas veio a primeira rodada de cerveja, e aí alguém gritou “vamos Brasil!”. O coro veio em seguida: vamos Brasilsilsilsil!!! Isso ficou ecoando na minha cachola. Depois da terceira latinha de cerveja, ficou todo mundo contagiado. No final... dois a um Bélgica. Ficamos abatidos, mas não derrotados. Alguém gritou, com muito otimismo, que 2022 estava próximo. Aí viria o hexa.
          O jogo acabou. Voltei para casa, não muito satisfeito, mas nada parecido com a copa de 2014. Entrei e peguei o jornal que ainda estava no tapete da porta da cozinha. Folheei. Mas evitei as matérias sobre política. Fui direto à página de esporte. Parecia que já éramos campeões. Mas nem passamos... Em letras pequenininhas anunciava o jogo de vôlei contra a Rússia. Pensei: - Aí sim vai valer a pena! Amanhã não perderemos! – E perdemos de três sets a zero. E quase perdemos outra, manchando mais ainda a imagem do Brasil. Essa derrota seria pra envergonhar de vez o brasileiro. Mas a justiça foi rápida e evitou que um desembargador, que não  concursado mas “de alto saber jurídico e reputação ilibada”, aproveitando-se de um domingo em que o povo ainda digeria a derrota no futebol, no sábado, quase libertou um condenado, pra lá de condenado. Se fosse um ladrão de galinha, ninguém ia se preocupar com ele. Com certeza ia mofar na prisão, até morrer de tuberculose ou a facadas.
         Liguei a televisão e fiquei triste. Doze crianças e o treinador ainda estavam presos numa caverna na Tailândia. Isso é que era o de mais importante, e quase passou despercebido. Mas graças a Deus já tinha muita gente tentando libertá-los. O mundo silenciosamente deu a mão e foi socorrê-los. E nós aqui chateados pelos fracassos das seleções de futebol e de vôlei. Desliguei a televisão, pedi a Deus pelas crianças da Tailândia e por nós brasileiros. Olhei pela janela e vi que uns amigos iam chegando para jogar vôlei na praia. Fui ao encontro deles. No meio do caminho abracei aquele domingo de sol.
Obs. Na terça feira, todos os meninos e o técnico estavam salvos. Já nós brasileiros, ainda não temos certeza de quando seremos salvos.
FIM

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