UM DIA DE SOL
José
Timotheo
Venho
caminhando ladeira abaixo. Olho quem me olha e enxergo quem não me vê. É um dia
de sol. Só quero passear e ver as pessoas. Saber das coisas que o jornal e a
televisão não mostram. Alguma coisa de feliz da minha gente. O que o jornal
estampa e a televisão grita o dia inteiro eu procuro jogar no vaso e dar
descarga. Eu não sei como os repórteres conseguem repetir as mesmas notícias
vinte e quatro horas seguidas. O otimismo parece que tirou férias. Ele carece
de esperança. Eu não acredito que o Brasil só tenha manhãs cinzentas e noites
rubras.
Passo
por uma praça. Paro e observo que faltam flores. Vejo também meia dúzia de
brinquedos caídos, alguns aparelhos de ginástica, para idosos ou
não, sendo usados por crianças e velhos. Não tenho certeza se fazem exercícios
ou brincam. Não acredito que todas as praças estejam caindo aos pedaços. Vou em
frente.
Um
cheirinho de mar invade minhas narinas. Atravesso a rua, com o sinal aberto
para mim, mas preocupado para não atropelar algum carro. Consegui chegar do
outro lado. Aperto o meu braço: estou vivo. Respiro fundo e olho para o outro
lado da baía. O reflexo não me deixa muito à vontade. O espelho d’água,
literalmente falando, é um espelho refletindo o sol dentro do meu olho. Então,
óculos escuros na cara! O que fazer? Não consigo encarar a claridade do dia!
Um
banco limpo se apresenta a uns poucos passos à frente. Vou ficar à vontade para
assistir um grupo jogar vôlei descontraidamente. Pareço num camarote. O
privilégio é só meu. Alguém sacou equivocado e a bola caiu nos meus pés.
Parecia um convite. Mas hoje não quero jogar. Estou aqui só para ver o dia e a
minha gente. Devolvi a pelota, como dizem os portugueses, junto com um sorriso.
Quinze minutos e o jogo foi ficando enfadonho. Quando
pensei em me levantar, chegou uma galera. Perdi a visão do jogo e do mar.
Alguém que eu não via, começou a fazer um discurso político. Não sei a qual
partido pertencia. Mas também para que saber? Qualquer partido já está
desprovido de conteúdo... de verdades. Então qualquer letra não vai alterar o
fator honestidade mesmo. Perguntei a uma menina, que havia acabado de pisar no
meu pé, se já era campanha política, em pleno janeiro. Ela olhou pra mim, não
pediu desculpas, fez uma careta e disse:
-
Tá maluco? A gente aqui não gosta de política! Não conseguiu entrar dentro do
tema, do conceito, do conteúdo, da inspiração daquele homem da natureza? Presta
atenção no que ele fala! Respire o que sai da sua boca!
Fiquei
olhando pra ela e tentando entender o que o cara falava. Ela de olhos já
fechados parecia em êxtase. Apurei a minha audição e consegui sintonizar a fala
do cara. Só que não entendi patavinas. Chegou aos meus ouvidos alguma coisa que
se parecia com um gemido. Levantei-me e tentei furar o bloqueio e chegar até o
líder. Fiquei assustado, juro. Não sei bem o que era aquela pessoa. Era pele e
osso. Um rapaz amparava-o para que não desmontasse.
Da
boca desse magricela saía uns sons não identificados. Perguntei a um rapazinho,
que tinha acabado de abrir os olhos, quem era aquela figura estranha.
-
Ei amigo. O que é que ele está dizendo, com esses gemidos?
Ele
me olhou de cima abaixo, com um misto de curiosidade e desdém, e falou no meu
ouvido:
-
Ô coroa, você está por fora mesmo. O que ele diz é um mantra. É uma coisa
profunda que só é entendida por gente evoluída.
CONTINUA NA SEMANA QUE VEM...
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