terça-feira, 17 de julho de 2018

Um Dia de Sol - Parte I



UM DIA DE SOL

José Timotheo

          Venho caminhando ladeira abaixo. Olho quem me olha e enxergo quem não me vê. É um dia de sol. Só quero passear e ver as pessoas. Saber das coisas que o jornal e a televisão não mostram. Alguma coisa de feliz da minha gente. O que o jornal estampa e a televisão grita o dia inteiro eu procuro jogar no vaso e dar descarga. Eu não sei como os repórteres conseguem repetir as mesmas notícias vinte e quatro horas seguidas. O otimismo parece que tirou férias. Ele carece de esperança. Eu não acredito que o Brasil só tenha manhãs cinzentas e noites rubras.
        Passo por uma praça. Paro e observo que faltam flores. Vejo também meia dúzia de brinquedos caídos,  alguns aparelhos de ginástica, para idosos ou não, sendo usados por crianças e velhos. Não tenho certeza se fazem exercícios ou brincam. Não acredito que todas as praças estejam caindo aos pedaços. Vou em frente.
       Um cheirinho de mar invade minhas narinas. Atravesso a rua, com o sinal aberto para mim, mas preocupado para não atropelar algum carro. Consegui chegar do outro lado. Aperto o meu braço: estou vivo. Respiro fundo e olho para o outro lado da baía. O reflexo não me deixa muito à vontade. O espelho d’água, literalmente falando, é um espelho refletindo o sol dentro do meu olho. Então, óculos escuros na cara! O que fazer? Não consigo encarar a claridade do dia!
       Um banco limpo se apresenta a uns poucos passos à frente. Vou ficar à vontade para assistir um grupo jogar vôlei descontraidamente. Pareço num camarote. O privilégio é só meu. Alguém sacou equivocado e a bola caiu nos meus pés. Parecia um convite. Mas hoje não quero jogar. Estou aqui só para ver o dia e a minha gente. Devolvi a pelota, como dizem os portugueses, junto com um sorriso.
       Quinze minutos e o jogo foi ficando enfadonho. Quando pensei em me levantar, chegou uma galera. Perdi a visão do jogo e do mar. Alguém que eu não via, começou a fazer um discurso político. Não sei a qual partido pertencia. Mas também para que saber? Qualquer partido já está desprovido de conteúdo... de verdades. Então qualquer letra não vai alterar o fator honestidade mesmo. Perguntei a uma menina, que havia acabado de pisar no meu pé, se já era campanha política, em pleno janeiro. Ela olhou pra mim, não pediu desculpas, fez uma careta e disse:
         - Tá maluco? A gente aqui não gosta de política! Não conseguiu entrar dentro do tema, do conceito, do conteúdo, da inspiração daquele homem da natureza? Presta atenção no que ele fala! Respire o que sai da sua boca!
          Fiquei olhando pra ela e tentando entender o que o cara falava. Ela de olhos já fechados parecia em êxtase. Apurei a minha audição e consegui sintonizar a fala do cara. Só que não entendi patavinas. Chegou aos meus ouvidos alguma coisa que se parecia com um gemido. Levantei-me e tentei furar o bloqueio e chegar até o líder. Fiquei assustado, juro. Não sei bem o que era aquela pessoa. Era pele e osso. Um rapaz amparava-o para que não desmontasse.
          Da boca desse magricela saía uns sons não identificados. Perguntei a um rapazinho, que tinha acabado de abrir os olhos, quem era aquela figura estranha.
          - Ei amigo. O que é que ele está dizendo, com esses gemidos?
         Ele me olhou de cima abaixo, com um misto de curiosidade e desdém, e falou no meu ouvido:
          - Ô coroa, você está por fora mesmo. O que ele diz é um mantra. É uma coisa profunda que só é entendida por gente evoluída.
     CONTINUA NA SEMANA QUE VEM...

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