Com o olhar dos dois
em cima, a menina faz uma careta e depois fala:
- Estão olhando o quê? Vamos olhar
para a estrada? Tem muito chão ainda pela frente! Muita estrada pra rodar! Eu
não falei que ia resolver o problema? Então...
- Toni, eu nunca vi tanta gente brigando!
Estranho é que a porrada comia solto e só a gente ficou de fora. Engraçado é
que a confusão começou por minha causa. Viu que os dois também brigaram? Toni
olha aqui: estou todo arrepiado. De repente. Estranho. Muito estranho. Menina,
como é que você conseguiu arrumar àquela confusão toda?
- Eu não falei que ia tirar vocês
dali? Falei e cumpri. E tem mais... Pé na tábua, Quim!
- Não precisa nem falar! Aí Toni: vou
voar!
- Voa, mas voa baixo! Menina sabe de
uma coisa? Eu olho pra você e acho que já te vi em algum lugar!
Angélica dá um sorriso enigmático
e fala:
- Quem sabe? Quem sabe?
- Eu hein! Você parece que é de
outro mundo!
- De repente eu sou! Quem sabe não
sou um fantasma! Ah! Ah!
- Ei, menina! Não fala isso, nem de
brincadeira! Não me assusta, não! Como você pode ser um fantasma, se eu pego em
você? Fantasma é de fumaça!
Quim dá uma risada e sacaneia o
irmão:
- Ih! Toni!Acho que você está com
medo! Tá sim! Cuidado para não se borrar! Ah! Ah! Ah!
- Medo nada! Só estava fingindo que
estava com medo! Vamos andar mais,
vamos? Quer que eu dirija? Você está muito lento! Tá parecendo uma tartaruga!
- Lento? Toni, você me chamou de
tartaruga? Você vai ver só!
- Êpa! Êpa! É pra correr um pouco
mais! Não é pra voar, não! Você não ficou bêbado com um copo de cerveja, ficou?
Se ficou, então passa a direção pra mim!
- Bêbado uma ova! Você me manda
empurrar o pé!Depois me manda aliviar! Mas eu tenho que pisar mais um pouco,
maninho!
- Deixa de bobeira! Que pisar o quê!
- Parecem duas crianças. Toni, não
só pode como deve correr mais um pouco, sim. Quim deve andar mais. Os caras já
estão se aproximando.
- Eles devem perder a nossa pista.
Estamos com uma dianteira boa. Quim já está andando bem.
- Acho que não. Tem que andar mais.
Os bandidos estão mais perto.
- Toni, eu gostaria de saber o
porquê de tanta certeza que essa menina tem! Menina, nós já pegamos uma dianteira
pra lá de boa! Tá esquecendo que deixamos todo mundo brigando? Até os caras
estavam saindo no braço!
- Escuta uma coisa: estão pensando
que eles vão desistir só por causa de uma briguinha boba? Podem tirar o
cavalinho da chuva! Aquela confusão toda que arrumei, foi só para atrasá-los um
pouco! Vão nos achar de qualquer jeito! Eles estão atrás de vocês, desde quê vocês
saíram de lá! E não vão desistir fácil, não!
- Toni, essa menina sabe o que os
caras querem com a gente! Você sabe, não é menina? Toni, a sua protegida está
enrolada com eles! Por mim a gente deixa ela por aqui mesmo!
- O que é que você está dizendo? Que
protegida, o quê! Eu nem conhecia ela
antes! Mas pra que deixar ela aqui? Ah, sei lá! Já não sei mais nada! Na minha
cabeça é uma confusão só! Tem hora que penso igual a você! Mas agora, acho que
ela tem que continuar com a gente! E não me pergunte o porquê disso!
- Mas Toni, ela é esquisita. E deve
tá envolvido com aqueles bandidos.
- Quim. Eu sei que ela faz umas
coisas estranhas. Mas ela armou aquela confusão toda e nós conseguimos sair sem
ninguém perceber. Livrou a cara da gente, não foi?
O irmão não respondeu nada, mas deu
um muxoxo e, simultaneamente, balançou a cabeça em sinal de discordância.
Durante alguns minutos a cabine ficou em silêncio. Do lado de fora, um vento
morno penteava a vegetação ressecada, que margeava a estrada. Bois e cavalos disputavam um pasto ralo e
quase sem verde. A região estava carente de chuva. De vez em quando, o vento
levantava uma nuvem de poeira avermelhada, embaçando o horizonte. Toni olhava aquela paisagem e falou alguma
coisa que ninguém ouviu, mas o irmão indagou:
- O que é que você está resmungando
aí?
- Nada de mais. Estava falando comigo
mesmo. Estou olhando ali pra fora e estou vendo que a chuva não cai por aqui,
há muito tempo. Aí me lembrei de uma viagem que fiz com nosso pai. Passamos por
um lugarejo, que parecia o fim do mundo. Nunca tinha visto um lugar tão seco.
Tão seco e tão pobre. Miséria pura. Parece que não chovia por lá, há mais de
três anos.
- Não me lembro de você ter
comentado.
- Você era pequeno. E continua...
- Até parece que você é muito maior
que eu! Puxamos aos nossos pais: duas tampinhas! Ah! Ah!
- Assim você fica melhor, Quim. Ri
pra desopilar o fígado.
- Aí Toni! Tá falando difícil! O quê
que é isso?
- Escutei por aí! Bonito, não é?
Desopilar!
- Vocês estão rindo, mas Quim está
andando devagar. Tem que acelerar. Pode andar um pouco mais, sem se preocupar
com a patrulha rodoviária. Por aqui não tem. Mas se quiserem que os bandidos
peguem vocês, aí não vou poder fazer nada!
- Aí menina! Já estou a quase cem!
- Bota cento e vinte! Temos que
distanciar deles! Já estão chegando! Eles não estão de brincadeira, não! Estão
chegando, quase voando, pra roubar vocês! E isso é pra lá de certo! Querem
tirar uma coisa de vocês! Só que não vou dizer o que é! Mais tarde eu digo!
Agora, não!
- Toni, viu como ela sabe? Não
disse? Isso não está cheirando nada, nada bem! Pode escrever aí: vamos dar com
os burros n’água! Ela é comparsa desses caras!
- Você está imaginando coisa que não
é verdade. Eu só quero ajudar vocês. E vou provar mais uma vez as minhas boas
intenções. Quer ver como vou ajudar? Acho melhor, aproveitando que não vem
nenhum carro de lá, você ir pela contra mão.
- Tá maluca? Olha a curva ali
pertinho? Como é que eu vou pra contra mão?
- Se não fizer isso, vamos bater!
Não tem saída! Logo ali, na frente, tem uma carreta tombada! E a única saída, é
pela contra mão! Se não fizer agora, não vai dar tempo!
Continua semana que vem...
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