terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Assombração - Parte 6

Continuando...

        O doutor ficou por algum tempo sem responder. Falar o quê? Ninguém poderia ter um nome assim. A enfermeira já tinha até comentado sobre o apelido, mas mesmo assim estava surpreso. Tirou a mão de cima do ombro de Assombração, puxou uma cadeira e sentou-se de frente para ele. Ficaram os dois conversando por alguns minutos. O doutor perguntou tudo que podia para tentar desvendar, ou encontrar alguma pista que o levasse à sua identificação, mas nada conseguiu. Ele repetiu tudo que já havia falado para enfermeira. Ou seja: muito pouco. Simplesmente disse mais uma vez, que abriu os olhos ao amanhecer e estava ali no bairro.  O seu aparecimento na região sempre foi um mistério. Nem o Seu Juca e nem Dona Verona, as únicas pessoas mais próximas, conseguiram descobrir de onde ele tinha vindo. Entretanto nunca foram até a uma delegacia investigar de verdade. Só tentaram mesmo conversando com Assombração. Aí se passaram quase cinco anos.   
           O Dr. Justus se levantou, deu um sorriso meio sem graça e disse:
          - Venha comigo, rapaz.
           Assombração devolveu o sorriso e acompanhou-o. A enfermeira tentou falar alguma coisa, mas o doutor desconversou e pediu para que ela o acompanhasse também. Dentro do consultório do Dr. Justus, acertaram que iam coletar o sangue de Assombração, apenas constando esse apelido. Depois veriam o que fazer. E assim foi feito. O exame foi marcado para o dia seguinte. Assombração chegou na hora marcada, confirmando que era uma pessoa pontual. Rapidamente o Dr. Justus já estava com o resultado na mão, que confirmava a compatibilidade com o sangue da menina. Tinha o mesmo tipo sanguíneo: A +. Mas ele sabia que isso não era tudo, já que alguns familiares tinham o sangue compatível, entretanto, não confirmavam a compatibilidade tecidual, que é determinada por um conjunto de genes, localizado no cromossomo 6. Tinha que fazer o exame de histocompatibilidade. Só com a análise das células do doador e do receptor é que se poderia determinar a compatibilidade.
          Assombração quando soube que tinha o mesmo tipo sanguíneo da menina, falou emocionado para a enfermeira:
          - Não disse! Meu sangue serve para a menina do nº 18! Ela vai ficar boa! Vai mesmo!
          Elga sorriu, mas preferiu não jogar água fria na sua felicidade. Com cuidado tentou explicar que teriam que ser realizados outros exames. E que só depois é que poderia ser confirmada a sua compatibilidade. Assim mesmo ele saiu do hospital explodindo de tanto contentamento. Foi mostrar a sua alegria para o Seu Juca e Dona Verona, que acabaram embarcando na sua euforia. Acharam até que estava tudo resolvido. Mas antes de se retirar, Assombração comentou que teria que voltar ao hospital para fazer mais alguns testes, porém deixou claro que o seu coração dizia que estava tudo certo, independente desses exames. A sua certeza era tanta, que os dois amigos entraram de corpo e alma no seu clima. Dali para frente o pensamento positivo já tinha tomado conta de ambos.  Assombração deixou-os curtindo aquele momento de paz e saiu para escolher qual árvore ia ser o seu lar naquela noite, pois a tarde já estava quase se despedindo. Procurou andar rápido para tentar chegar antes que os pássaros se recolhessem. Não queria causar nenhum incômodo aos moradores de direito. Chegava e ficava em silêncio até adormecer. De manhãzinha, despertava com a passarada.
           O sol chegou sem modéstia. Veio e cobriu com a sua luz a cidade. O hospital já estava no seu corre-corre costumeiro: um entra e sai frenético, de funcionários chegando para o setor burocrático; outros, do corpo médico, para iniciarem o plantão de 12 horas e mais alguns médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, deixando o plantão noturno, de luta e dedicação. A recepcionista Angélica já estava sentada na sua cadeira, distribuindo um bom dia para quem chegava e para quem saía, sem deixar, entretanto, o seu sorriso costumeiro, descolar dos lábios.  De repente ao olhar na direção da porta de entrada do hospital, emoldurou um sorriso de surpresa, que fora até notado pela amiga da recepção. Só descongelou-o quando uma pessoa chegou até o balcão. Nesse momento teceu um comentário:
          - Quê qui é isso? Não estou acreditando no que estou vendo! É você mesmo? Vestido assim, tá parecendo outra pessoa! Irado! Assombração, quem te arrumou assim? 
           O rapaz olhava para a recepcionista, com o rosto corado,  aparentando surpresa com o comentário e custou a respondê-la. Mas falou baixinho:
          - Senhorita. Não entendi bem essa intimidade comigo.  Assombração? O que é isso? A senhorita me conhece?
         - Claro! Claro! E quem não te conhece? Aqui no bairro não tem uma pessoa que não te conheça!
        - Desculpe, mas eu não moro na redondeza. Moro na capital.
          A recepcionista não falou de pronto, antes deixou que um sorriso descontraído viesse aos lábios. Olhou-o bem nos olhos e perguntou:
         - Não mora? Como não mora! Eu só não sei em que árvore você está habitando hoje!  Só isso!
         - Não estou entendendo nada. O que é que está acontecendo aqui? Senhorita, cheguei ontem de Vitória, onde moro desde que nasci. Estou chegando para ocupar o meu posto de trabalho, na ala de pediatria.
            Antes de falar alguma coisa, a recepcionista arregalou o par de olhos para o rapaz. Num misto de surpresa e incredulidade, falou, gaguejando:
           - Nã... nã... não! É o que estou pensado? Então o senhor... É... O senhor é médico! Médico mesmo? Não! Não pode mesmo! Não pode ser!

          - Sim. Doutor Anton. Vim ocupar a vaga do Dr. Carlos Antunes. A senhorita deve estar me confundindo com outra pessoa.
             Semana que vem continua...

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