Todas aquelas joias, inclusive o anel, ela nunca
teve coragem de levar para algum ourives avaliar. Tinha muito medo de ser
roubada, então mantinha todas as joias trancadas a sete chaves. Mas pelo menos
uma vez no mês, abria o seu esconderijo e ficava se deleitando com toda aquela
fortuna. Ninguém sabia da existência do seu tesouro. A única que sabia tinha
morrido. Era a irmã Maria José.
A
madre, no dia da descoberta das joias, observou que a sua escudeira ao encarar
o anel deitou um olhar de pura cobiça. Isso a deixou com uma pulga atrás da
orelha. Não falou nada. Apenas recolheu a joia e guardou-a. Saiu do aposento e
trancou-o. No terceiro dia após esse acontecimento, a irmã Maria José, como era
conhecida, sumiu misteriosamente. Pela manhã a madre saiu dos seus aposentos e
perguntou a algumas irmãs por Maria José, mas ninguém soube dizer. Após o
almoço fez a mesma coisa, mas ninguém soube dar qualquer informação a respeito
da irmã. No dia seguinte a madre apareceu com uma carta, dizendo que tinha
achado debaixo do seu travesseiro. O conteúdo dizia que ela tinha ido até a sua
cidade natal visitar uma irmã de sangue,
que estava muito adoentada. No final deixava lembranças para todos do convento
e agradecia à madre por tudo que tinha feito por ela nessa vida. Assinou, mas
depois deixou uma observação que dizia que não sabia por quanto tempo teria que
ficar afastada do convívio de todos. Em
um dos trechos da carta, disse que preferiu sair à francesa, sem se despedir,
pois nunca gostou de despedidas. Isso iria fazê-la chorar e ficar muito triste.
E pedia desculpas à madre por ter agido assim.
Esse sumiço se esvaiu no tempo. Em
poucos meses ninguém se lembrava mais
dela e a madre já tinha outra em seu lugar, que nunca soube do seu tesouro, entretanto
tinha acesso a esse quarto e a outros também secretos descobertos pela madre
posteriormente.
O
Bispo demonstrou ter ficado satisfeito com o modo pelo qual foi recepcionado. Até
se emocionou com a apresentação do coral das crianças, deixando escapulir uma
lágrima que não passou despercebida pela madre, que intimamente sorriu de
satisfação.
O
Bispo há muito tinha se despido da juventude. A viagem causou algum desgaste. Mesmo
sorridente, era bem visível o seu abatimento e nem conseguiu disfarçar o seu
cansaço. A madre percebendo o seu estado convidou-o a uns momentos de descanso,
prontamente recebido pelo Bispo. A madre e algumas freiras acompanharam o Bispo
e a sua comitiva para as acomodações que já estavam arrumadas. O representante
da igreja da capital foi acomodado nos aposentos da madre, já a comitiva, em
número de seis, foi dividida em dois outros aposentos.
O
Bispo, depois de algumas horas de descanso, levantou-se revigorado. O almoço já
se aproximava. A madre foi pessoalmente convidá-lo para o repasto. Ele sorriu e
agradeceu o convite, pois a fome já havia se apresentado. A sua pança bem
destacada dava para ver que um dos pecados capitais o acompanhava. Levou alguns
anos em uma briga constante contra a gula. Outros pecados já tinham sido
domados, mas esse continuava ferozmente a desafiá-lo. Tinha feito até promessa para
alguns dos seus assessores que, antes de ir ao encontro de Deus, venceria esse
vilão. Mas acabou acalmando o seu espírito
e convidou-o a se harmonizar com o pecado, partindo da premissa que teria uma
vida longa. Jurava de pés juntos que teria ainda uns vinte bons anos de vida
pela frente, logo deveria viver pacificamente com quem que lhe dava tanto
prazer. E, conversando com Deus, pediu para que Ele não fechasse a sua porta,
só por causa desse pecadinho. Pediu e esperou. Já que Deus não se manifestou,
concluiu que Ele concordou. Daí pra frente a gula fez parte do seu sermão.
O
almoço transcorreu em total harmonia. Não havia registro no convento de um buffet
tão farto envolvendo visitantes, as freiras e as órfãs. A fartura só rolava no
dia a dia para a madre, suas asseclas, o padre Arcanjo e o senhor misterioso,
quando visitavam o convento. Era uma alimentação sempre especial, que não
alcançava as freiras e as crianças.
As
meninas, como todas as irmãs, já estavam cientes, se perguntadas, da resposta:
todos os dias o almoço e o jantar eram sempre servidos com muita fatura. Elas
sabiam que, se alguém contrariasse a orientação da madre, o castigo seria
severo. E ela tinha certeza que não iriam contra as suas ordens, pois em algum
momento alguém já provara do seu mau humor e ninguém iria querer pagar pra ver.
Uma coisa muito impressionante era que nem as crianças pequenas se arriscavam
em falar alguma coisa. Esse poder dela fugia a qualquer compreensão. O normal
seria alguém escorregar, mas isso não acontecia nunca. O medo era muito mais
forte e foi muito bem implantado por ela. Em casos de suspeitas, mesmo não
sendo comprovado o deslize, a punição vinha assim mesmo. Houve relatos em que a
punição foi tão severa que a pessoa fugiu. Esse ambiente de terror já se
arrastava por alguns anos. Até sumiços misteriosos eram comentados à boca
miúda.
Após o almoço, o Bispo, que saiu do
refeitório remando, com uma expressão de satisfação, foi convidado pela madre
para circular pela propriedade. Não recuou do convite, mas estava na cara que preferia
ir para o quarto e tirar a sua sesta. Ela percebeu, porém fingiu que não
entendeu, e levou-o até o jardim principal, que embelezava a frente do
convento. Descansaram por mais de quarenta minutos, apreciando as várias
espécies de flores cultivadas com carinho pelas irmãs. O sossego foi
interrompido por dois padres da sua comitiva, o padre Paolo e o padre Cosme que
vieram chamá-lo para dar início à vistoria nos prédios. Em seguida chegou o Dr.
Adalberto, um médico pediatra também da comitiva, informando que já tinha feito
uma avaliação na saúde das crianças, constatando apenas alguns casos de dermatites
de contato, mas que, segundo a irmã Laura, já estavam todas elas medicadas. Foram
atendidas pelo Dr. Wolfe, médico que assistia gratuitamente as crianças órfãs.
..................Continua semana que vem!
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