terça-feira, 8 de janeiro de 2019

A História de Helô - Parte 14

Continuando...

        As crianças ficaram sabendo que teriam a tarde livre e foi uma alegria só. Tudo o que mais queriam era brincar. Rapidamente saíram da sala de aula e foram direto para o refeitório. No meio do caminho, Helô desviou o seu trajeto e foi até o alojamento. Retirou duas velas e fósforos de dentro de um armário, para serem usadas em caso emergenciais, e escondeu-as numa touceira de capim na entrada do pomar. Voltou rapidamente para não levantar suspeitas. Foi num pé e voltou no outro.
        A fila para o almoço já estava grande. Helô notou que a madre e algumas irmãs foram em direção ao portão principal. Com a sua curiosidade aguçada, foi até a irmã Maria do Rosário, que estava sentada numa cadeira na entrada do refeitório, e procurou se informar. Ficou sabendo por ela que o Bispo estava chegando com a sua comitiva. 
         A madre recebeu o Bispo Giordano e a sua comitiva, na entrada do convento. Não o conhecia, mas tinha recebido todas as informações pelo padre Arcanjo, com antecedência. Com isso, teve todo o tempo do mundo para colocar em ordem tudo que pudesse dar margem de desaprovação pelo Bispo que, segundo o padre, era um homem corretíssimo. Alertou-a para não sugerir nenhum “agrado”, como era recebido de bom grado pelo bispo anterior. Ela já estava com o dossiê completo do “italiano rabugento”, pois era assim que o padre se referia ao seu superior.
          Depois de um pequeno passeio pelo jardim, a madre superiora alojou o bispo no seu quarto, que era o mais confortável. Mas antes, a partir da informação, tratou de tirar todas as peças que adornavam o seu cômodo. O seu apartamento luxuoso se vestiu de humildade. Colocou tudo, inclusive dinheiro, num compartimento secreto que ficava por detrás de um armário antigo, mas muito forte, que estava ali há muito anos. Esse armário foi descoberto por um acaso, quando pensou em descartá-lo. Tentou com uma irmã arrastá-lo, mas foi em vão. Então mandou chamar outras irmãs. Tentaram, tentaram e também nada conseguiram. Naquele momento achou melhor ficar do jeito que estava, ira apenas melhorar a sua aparência. Pensou em chamar algum marceneiro da localidade e ver o que podia ser feito. - Quem sabe com homens fortes, não consiga removê-lo! – pensou.
          A madre sentou-se na cama e ficou olhando para o móvel. De repente achou que o armário entrava pela parede. Levantou-se quase num pulo e começou a fazer a sua investigação. Olhou a parte encostada na parede. Na observação constatou que o armário realmente não estava encostado na parede, mas sim entrando por ela. Então foi abrindo as portas, depois bateu no fundo e, para a sua surpresa, um som oco veio como resposta. Percebeu que atrás era um vão. Então forçou o fundo, mas ele não cedeu. Não era uma madeira fina, que normalmente forra o fundo de um guarda-roupas. Pensou em arranjar alguma ferramenta e tentar arrancá-lo, mas viu no centro do móvel duas peças de cobre parecendo dois puxadores de gavetas. Achou que podia ser por onde ficava preso o armário. Tentou torcer o da direita, mas não conseguiu girá-lo. Tudo levava a crer que estava emperrado. Aí tentou o da esquerda. Na primeira tentativa, conseguiu girá-lo com facilidade e, para a sua surpresa, essa parte central foi abrindo feito uma porta. Rapidamente já estava toda escancarada, mas era uma escuridão só. O seu coração bateu forte. Saiu de dentro do móvel e foi até a mesinha de cabeceira e pegou um lampião, que ficava do seu lado para emergência. Antes de acendê-lo foi até a porta do quarto e trancou-a. Em seguida acendeu-o e foi rasgando o breu. Com o corpo tremendo, talvez de emoção, se viu dentro de um cômodo amplo e mobiliado. Olhou móvel por móvel. Foi observando cada pedacinho do quarto. Pela quantidade de poeira que tomava conta do local, calculou que ali não entrava ninguém há muito tempo. Dos móveis que viu, o que lhe chamou mais a atenção foi uma cama de casal, uma peça ricamente ornada em marfim com detalhes em ouro dezoito quilates.
          - Quem teria montado esse quarto? – falou quase sussurrando.  
          Várias peças completavam harmonicamente o ambiente. Estavam cobertas de poeira, mas dava para perceber que todas tinham entalhes parecidos com os da cama. Até uma mesa com duas cadeiras compunha o ambiente. Todas as peças deveriam valer uma fortuna e a madre olhava aquilo tudo extasiada. Agora teria dois ambientes: um bem humilde e o outro coberto de riquezas. Só que com o tempo acabou transformando tudo num luxo só.
          Para cuidar daquilo tudo tinha uma fiel escudeira de nome Maria José, trazida por ela do Estado do Espírito Santo. Era na verdade a sua serviçal. Pessoa de sua confiança que cuidava de tudo dentro dos aposentos e que estava sempre de prontidão, não permitindo que ninguém entrasse ali. Vestia um hábito, mas na verdade nunca tinha sido irmã. Era surda e muda, pessoa certa para manter todos os segredos da madre bem guardados. Era uma dupla perfeita, ou quase.
          As duas, sem deixar escapar qualquer suspeita, foram colocando em ordem os aposentos. Com o tempo a madre, que não deixava de visitar o aposento recém-descoberto, inculcou que por ali devia haver algum tesouro escondido. Quase todos os dias, ela fazia uma varredura pelos armários, cômodas, cama e até pelo chão. Procurava como um cão farejador por algum esconderijo. Não se conformava em ver tanta riqueza distribuída pelos móveis e não ter mais nada. Na sua cabeça não deixava de vislumbrar joias e mais joias, sentia o cheiro delas por ali. Não ia se cansar nunca até encontrá-las. Tanto procurou que um dia, ao pendurar alguns vestidos no guarda-roupas, vestidos que mantinha longe da curiosidade alheia, um cabide caiu da sua mão e bateu de ponta no fundo. O baque gerou um som oco. A sua imaginação ficou aguçada. Arriou-se e começou a bater no fundo do armário com os punhos. Enquanto batia percebeu que o fundo, num trecho de quarenta por quarenta centímetros mais ou menos, sugeria uma tampa. Acabou ficando em pé dentro do armário e com o calcanhar começou a bater. Então sentiu que o fundo cedeu um pouco. Com gestos mandou Maria José pegar alguma ferramenta para tentar remover aquele quadrado no fundo do armário.  A serviçal trouxe uma tesoura grande. A madre não ficou satisfeita mas, como no momento não tinha outra coisa, foi aquilo mesmo. Como era paciente, a irmã foi vagarosamente tentando puxar a tampa e por sorte, já que não estava pregada, apenas encostada, ela saiu facilmente. Quando viu uma caixa dentro de um buraco no chão, seu coração disparou. Rapidamente meteu as mãos dentro do buraco e pegou a caixa. Colocou-a em cima da cama e abriu-a. Seus olhos quase pularam das órbitas.  A caixa estava cheia de joias de ouro e diamantes. Foi olhando peça por peça. Quando pegou um anel todo cravejado de brilhantes, que devia valer uma fortuna, sorriu alucinadamente. Gargalhou de tanto prazer. Depois se abraçou às joias e rolou pela cama, entre risos histéricos. Maria José acompanhava aquilo tudo com os olhos arregalados. Em hipótese alguma interrompeu a sua patroa. Ficou em pé só observando.
....................Continua semana que vem!

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