Para as crianças aquela visita, já que não era
normal aparecer tanta gente de uma só vez, parecia um evento festivo. Para onde
a comitiva ia, lá estavam as crianças. A Madre Superiora Joana de Maria tentou
espantá-las, mas o Bispo permitiu que elas os acompanhassem. A princípio a
Madre se sentiu contrariada, entretanto concluiu que poderia ser melhor para
ela, tanto que mandou as crianças se aproximarem mais, ficando mais próximas do
grupo. Nesse momento, mais uma vez, a
voz falou na orelha de Helô:
-
Minha filha, saia com cuidado do meio do grupo e vá até à gruta.
Helô ouviu claramente a voz e tentou obedecer-lhe o mais rápido
possível. Então, enquanto o grupo se movimentava, foi retardando os seus
movimentos até ficar no final do grupo. Foi fácil sair, já que todos estavam
focados no movimento do Bispo Giordano e da sua comitiva. Saiu pela lateral que
dava acesso ao pomar. Em poucos minutos já tinha pegado os fósforos e as velas
que tinha escondido previamente no caminho. Rapidamente chegou à entrada da
gruta. A luz natural do dia dava pra ver bem toda a entrada. Cautelosamente foi
entrando. A voz ainda não tinha falado
nada, mas não sentia medo e continuou a penetrar na gruta. Só foi
acender a vela no momento que a luz natural se extinguiu.
A
visão daquelas placas com os nomes dos mortos causou-lhe um pequeno
desconforto. Arrepiou-se toda e o coração bateu descompassado. Naquele instante
teve vontade de voltar, mas a voz veio em seu socorro, sussurrando no seu
ouvido:
- Calma, Helô. Estou aqui do seu lado. Estou com você. Coragem, minha
menina, vá em frente. Aqui ninguém vai fazer mal a você. O mal está lá no
casarão, de espreita, aqui não. Agora vamos abrir aquela porta.
-
Por que a senhora não abre? – perguntou baixinho Helô.
-
Eu não posso. Eu passo por ela mas não posso abrí-la. Não tenha medo. Fique
firme no que você encontrar. Não esqueça que estou do seu lado. Vamos, abra a
porta.
Helô foi clareando a parede até chegar à rosa vermelha em alto relevo. O
corpo todo tremeu ao encostar a mão. Antes de girar a rosa, olhou para o lado
como quisesse ver a dona da voz. Sentiu-se sozinha. Vacilou mais uma vez,
retirando a mão. Rapidamente a voz ecoou:
-
Minha filha, não desista. Vamos em frente. Estou com você.
Ela era uma criança, mas de muita coragem. Muitos adultos já teriam
fugido, mas Helô tinha nascido com uma coragem e um entendimento do mundo fora
do comum. Desde muito pequena já se mostrava destemida. Enquanto as outras
crianças se escondiam por medo do bicho papão, ela saía para procurá-lo. Entretanto,
por mais corajosa que a pessoa seja sempre tem algo que a assusta, e Helô tinha
uma coisa de que tinha um grande medo: a madre. Mas também até o bicho ruim devia
ter medo dela! Ela parou, mas não recuou.
A
menina ficou um tempo olhando para a rosa. Esfregou as mãos e em seguida
encostou as pontas dos dedos. Parecia que estava testando a temperatura da
rosa. De repente segurou com firmeza e foi girando-a. Lentamente a porta foi se
abrindo. Um cheiro forte foi saindo do interior escuro. Aquele odor incomodou-a
um pouco. Não soube identificar que cheiro era aquele, mas que era desagradável
isso era. De repente se arrepiou toda. Aquele fedor fez com que se lembrasse de
gente morta. Pensou mais uma vez em recuar. Naquele momento a porta ainda não
estava totalmente aberta. Tentou dar um passo atrás, mas teve a sensação que
alguma coisa barrava o seu movimento, mas assim mesmo forçou recuar. A voz
rapidamente ecoou no seu ouvido:
-
Não, Helô. Estou com você. Vai em frente. Esqueça o mau cheiro. Ele vai sumir.
E tem mais: o que você vai ver é necessário que veja. Minha menina, você é a
única pessoa que vai poder resolver essa questão. Eu sei que não vai ser hoje,
mas tem muita coisa ainda por vir. Tem que ser aos poucos, passo a passo, mas
na hora certa a cortina será aberta.
Helô não sabia o que dizer. Olhava em volta para ver se via de onde
vinha aquela voz. Pensou:
-
Será que estou sonhando? Como eu ouço essa voz?
-
Você não está sonhando, minha filha. Na hora certa, além de me ouvir, você vai
me ver. Não tenha medo.
- Está bem. Vou mostrar que não tenho medo.
– disse e levantou a vela tentando iluminar o buraco negro que surgia à sua
frente.
A menina não saberia definir o que tomou conta dela. Era uma força que
tinha se apoderado do seu corpo, fazendo brotar uma coragem que jamais tinha
sentido, tanto que, antes mesmo da porta se abrir totalmente, levantou a vela e
foi adentrando a sala mal cheirosa. A escuridão então perdeu o que tinha de indefinido
e, de repente, pareceu que de uma simples chama nascia um sol. Ela já estava no
meio de um cômodo bem amplo, onde conseguia ver tudo que estava espalhado ao
seu redor. Mesmo com toda a coragem que tinha demonstrado, sentiu um arrepio de
mau agouro, mas não recuou. Seus olhos continuaram a investigar o ambiente.
Algumas macas, em número de três, que na verdade eram utilizadas para exames
ginecológicos, estavam enfileiradas pelo lado direito. Por baixo de cada uma
tinha um saco grande, preto, bem volumoso, amarrado na boca. Do lado esquerdo,
duas mesas pequenas com duas cadeiras cada uma e, em cima delas, algumas caixas
pequenas retangulares de aço. No fundo da sala destacava-se uma caixa d’água de
cinco mil litros. Helô olhava aquilo tudo, mas não conseguia entender nada.
Depois foi caminhando em direção à caixa d’água. Ao aproximar-se sentiu um
cheiro que não conseguiu identificar. Parou. Mas resolveu chegar até a caixa.
Aí o cheiro aumentou de intensidade. Sentiu-se bem incomodada com aquele odor.
Apertou o nariz e meteu a mão na tampa da caixa e fez menção de levantá-la, mas
a voz se fez ouvir novamente:
-
Não, Helô! Não! Minha filha, não precisa retirar essa tampa. O que tem aí
dentro é um ácido, um produto altamente tóxico. Esse líquido desintegra quase
tudo que seja mergulhado nele. Coisas horríveis são feitas com isso. Não
precisa olhar. Mas agora é preciso que tenha coragem, é preciso que veja o que
tem dentro daqueles sacos pretos. Não esqueça que estou do seu lado. Coragem minha
menina.
.................Continua semana que vem!
Nenhum comentário:
Postar um comentário