terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A História de Helô - Parte 16

Continuando...

Para as crianças aquela visita, já que não era normal aparecer tanta gente de uma só vez, parecia um evento festivo. Para onde a comitiva ia, lá estavam as crianças. A Madre Superiora Joana de Maria tentou espantá-las, mas o Bispo permitiu que elas os acompanhassem. A princípio a Madre se sentiu contrariada, entretanto concluiu que poderia ser melhor para ela, tanto que mandou as crianças se aproximarem mais, ficando mais próximas do grupo.  Nesse momento, mais uma vez, a voz falou na orelha de Helô:
          - Minha filha, saia com cuidado do meio do grupo e vá até à gruta.
            Helô ouviu claramente a voz e tentou obedecer-lhe o mais rápido possível. Então, enquanto o grupo se movimentava, foi retardando os seus movimentos até ficar no final do grupo. Foi fácil sair, já que todos estavam focados no movimento do Bispo Giordano e da sua comitiva. Saiu pela lateral que dava acesso ao pomar. Em poucos minutos já tinha pegado os fósforos e as velas que tinha escondido previamente no caminho. Rapidamente chegou à entrada da gruta. A luz natural do dia dava pra ver bem toda a entrada. Cautelosamente foi entrando. A voz ainda não tinha falado  nada, mas não sentia medo e continuou a penetrar na gruta. Só foi acender a vela no momento que a luz natural se extinguiu.
          A visão daquelas placas com os nomes dos mortos causou-lhe um pequeno desconforto. Arrepiou-se toda e o coração bateu descompassado. Naquele instante teve vontade de voltar, mas a voz veio em seu socorro, sussurrando no seu ouvido:
              - Calma, Helô. Estou aqui do seu lado. Estou com você. Coragem, minha menina, vá em frente. Aqui ninguém vai fazer mal a você. O mal está lá no casarão, de espreita, aqui não. Agora vamos abrir aquela porta.
          - Por que a senhora não abre? – perguntou baixinho Helô.
          - Eu não posso. Eu passo por ela mas não posso abrí-la. Não tenha medo. Fique firme no que você encontrar. Não esqueça que estou do seu lado. Vamos, abra a porta.
          Helô foi clareando a parede até chegar à rosa vermelha em alto relevo. O corpo todo tremeu ao encostar a mão. Antes de girar a rosa, olhou para o lado como quisesse ver a dona da voz. Sentiu-se sozinha. Vacilou mais uma vez, retirando a mão. Rapidamente a voz ecoou:
          - Minha filha, não desista. Vamos em frente. Estou com você.
          Ela era uma criança, mas de muita coragem. Muitos adultos já teriam fugido, mas Helô tinha nascido com uma coragem e um entendimento do mundo fora do comum. Desde muito pequena já se mostrava destemida. Enquanto as outras crianças se escondiam por medo do bicho papão, ela saía para procurá-lo. Entretanto, por mais corajosa que a pessoa seja sempre tem algo que a assusta, e Helô tinha uma coisa de que tinha um grande medo: a madre. Mas também até o bicho ruim devia ter medo dela! Ela parou, mas não recuou.
         A menina ficou um tempo olhando para a rosa. Esfregou as mãos e em seguida encostou as pontas dos dedos. Parecia que estava testando a temperatura da rosa. De repente segurou com firmeza e foi girando-a. Lentamente a porta foi se abrindo. Um cheiro forte foi saindo do interior escuro. Aquele odor incomodou-a um pouco. Não soube identificar que cheiro era aquele, mas que era desagradável isso era. De repente se arrepiou toda. Aquele fedor fez com que se lembrasse de gente morta. Pensou mais uma vez em recuar. Naquele momento a porta ainda não estava totalmente aberta. Tentou dar um passo atrás, mas teve a sensação que alguma coisa barrava o seu movimento,  mas assim mesmo forçou recuar. A voz rapidamente ecoou no seu ouvido:
         - Não, Helô. Estou com você. Vai em frente. Esqueça o mau cheiro. Ele vai sumir. E tem mais: o que você vai ver é necessário que veja. Minha menina, você é a única pessoa que vai poder resolver essa questão. Eu sei que não vai ser hoje, mas tem muita coisa ainda por vir. Tem que ser aos poucos, passo a passo, mas na hora certa a cortina será aberta.
          Helô não sabia o que dizer. Olhava em volta para ver se via de onde vinha aquela voz. Pensou:
          - Será que estou sonhando? Como eu ouço essa voz?
          - Você não está sonhando, minha filha. Na hora certa, além de me ouvir, você vai me ver. Não tenha medo.
         - Está bem. Vou mostrar que não tenho medo. – disse e levantou a vela tentando iluminar o buraco negro que surgia à sua frente.
           A menina não saberia definir o que tomou conta dela. Era uma força que tinha se apoderado do seu corpo, fazendo brotar uma coragem que jamais tinha sentido, tanto que, antes mesmo da porta se abrir totalmente, levantou a vela e foi adentrando a sala mal cheirosa. A escuridão então perdeu o que tinha de indefinido e, de repente, pareceu que de uma simples chama nascia um sol. Ela já estava no meio de um cômodo bem amplo, onde conseguia ver tudo que estava espalhado ao seu redor. Mesmo com toda a coragem que tinha demonstrado, sentiu um arrepio de mau agouro, mas não recuou. Seus olhos continuaram a investigar o ambiente. Algumas macas, em número de três, que na verdade eram utilizadas para exames ginecológicos, estavam enfileiradas pelo lado direito. Por baixo de cada uma tinha um saco grande, preto, bem volumoso, amarrado na boca. Do lado esquerdo, duas mesas pequenas com duas cadeiras cada uma e, em cima delas, algumas caixas pequenas retangulares de aço. No fundo da sala destacava-se uma caixa d’água de cinco mil litros. Helô olhava aquilo tudo, mas não conseguia entender nada. Depois foi caminhando em direção à caixa d’água. Ao aproximar-se sentiu um cheiro que não conseguiu identificar. Parou. Mas resolveu chegar até a caixa. Aí o cheiro aumentou de intensidade. Sentiu-se bem incomodada com aquele odor. Apertou o nariz e meteu a mão na tampa da caixa e fez menção de levantá-la, mas a voz se fez ouvir novamente:
          - Não, Helô! Não! Minha filha, não precisa retirar essa tampa. O que tem aí dentro é um ácido, um produto altamente tóxico. Esse líquido desintegra quase tudo que seja mergulhado nele. Coisas horríveis são feitas com isso. Não precisa olhar. Mas agora é preciso que tenha coragem, é preciso que veja o que tem dentro daqueles sacos pretos. Não esqueça que estou do seu lado. Coragem minha menina.
.................Continua semana que vem!

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