Os dois enchem os pratos e se acomodam
numa mesa no fundo do restaurante. Não demora muito e a menina aparece na
porta. Toni acena para ela. A menina vai ao encontro dos dois e senta-se na
cadeira encostada na parede, de frente para porta. Antes que falassem alguma
coisa, ela vai dizendo:
- Continuem comendo, enquanto eu
falo. Não falei que vocês estavam sendo seguidos? Então, os caras já chegaram.
Pararam o carro, do lado do caminhão.
Os dois ameaçam se levantar, mas a menina
intervém dizendo:
- Calma. Podem continuar o almoço.
Eles não vão mexer em nada. Aqui neste posto, ninguém comete delito. Se fizerem
besteira aqui, se dão mal. Vão esperar vocês saírem e tentar atacar em algum
lugar deserto. Mas não se preocupem, ficarei de vigia.
- Viu Toni! Falou difícil! Como é que
é? Comete delito!
- É! Mas é esquisita! Uma garota com
essa idade, falando assim!
- Vocês é que não estudaram. E são
vocês, os esquisitos.
Ela fala, se levanta e sai,
deixando os dois sozinhos. Num piscar de olhos, ela some. Não demorou muito e
dois caras, mal encarados, entram no bar. Pararam na porta e olharam todo o
recinto. O mais baixo, de óculos escuros, cutucou o outro e apontou para uma
mesa que estava do lado direito da porta.
Sentaram-se. Ele falou quase sussurrando, perto do ouvido do amigo:
- Tião, os caras são
aqueles lá na mesa detrás. O mais baixinho, eu vi quando pegou a mercadoria. Me
disseram, com certeza, que o presunto tá recheado.
- Vamos pegar eles em algum lugar
deserto. Aqui a gente não pode fazer nada. Lá fora a gente pega eles, sem
testemunha, limpa a carreta e depois dá cabo dos dois. É isso, Tonhão?
- É isso aí. Vai ser um trabalho mole.
Mas tô com vontade de pegar logo, logo eles aqui mesmo.
- Mas não dá Tonhão! Não dá! Os caras
daqui não brincam em serviço: sujou aqui, aqui você fica! Os caras são
brabeira! Já ouvi muito falar desse lugar! Num sei o que rola por aqui! A gente
não pode pagar pra vê! É ou não é?
- Tá certo Tião. A pressa às vezes
atrapalha. A gente já esperou até aqui, a gente espera mais um pouco.
De repente a menina volta. Senta na
cadeira e fala para os dois:
- Continuem comendo. Acabem com calma.
Quando eu falar, não olhem. Depois pedem até sobremesa. Mas não levantem a
cabeça enquanto eu estiver falando.
- Mas não olhar... Ficar com a cabeça
enterrada dentro do prato? Toni,não estou gostando nada, nada disso!
- Fique tranquilo! Não precisa sujar a
cara de feijão, não! Você é bobo!
- Aí Toni, ainda me chama de bobo! Essa
menina é abusada mesmo!
- Calma Quim. Eu já vi dois caras, muito
estranhos. Peguei eles olhando pra gente.
- Aonde? Aonde?
- Não olha. Eu vou dar um jeito pra
gente sair daqui. Já sabem que vão perseguir vocês. Aconteça o que acontecer
não se preocupem. Tudo vai dar certo. Vocês vão ver só. A garçonete vai trazer
a sobremesa.
- Mas eu não pedi ainda! Você pediu Toni?
- Mas eu pedi. Não foi ele não. Comam
tranquilos, enquanto eu resolvo a situação. Só que vai ser com muito barulho.
- Que barulho? Não estou gostando nada,
nada disso, Toni! Acho melhor a gente chamar a polícia! Se os caras estiverem a
fim de assaltar a gente, se vê logo! Eles vão sair fora!
A menina olha para Quim, balança a
cabeça, com sinal de negação e fala:
- Não! Não! De jeito nenhum! Não vai
adiantar! Eles não fizeram nada! Aí vai complicar vocês! Vai por mim! Eu sei o
que estou falando!
- Que complicar o quê menina! A polícia
chega e pronto!
- Toni manda seu irmão falar baixo, senão
vão achar que ele é maluco!
- Maluco é o escambau!
- Quim. Sinceramente
não estou entendo nada do que está acontecendo. Mas eu sinto que a gente tem
que escutar a garota. Não foi você mesmo que pediu pra deixar ela na boleia? Tá
uma confusão só, na minha cabeça. Se eles estão querendo ou não assaltar a
gente, eu não sei. Mas alguma coisa estranha tem! Que tem, tem! Os caras não
tiram os olhos de cima da gente! Mas a menina tá certa! Não podemos chamar a
polícia! Vamos seguir o que ela diz! Vamos?
- Tá legal! Tá legal! Mas por vias das
dúvidas, acho melhor a gente se mandar!
- Não. Ainda não. Não está na hora. O
melhor mesmo é esperar. Enquanto esperam, aproveitem e se alimentem bem. Comam
bastante, porque não vão ter outra chance. Acho melhor vocês levarem alguma
coisa pra viagem. Até chegarmos lá, não tem mais lugar nenhum pra se parar.
Apesar da dificuldade que vamos passar, vamos chegar. Vou esperar terminarem de
comer. Tudo bem? Depois vão ver só!
Mais uma vez a menina some. Ficam os
dois sem saber para onde ela tinha ido. Quim olha para o irmão e fala:
- Toni, não estou gostando e nem
entendendo nada do que está acontecendo!
-Nem eu! Nem eu, Quim!
- Sabe mano: na dúvida vamos levar duas
quentinhas. Vai que a menina esteja certa, né?
- Quim! Você só pensa em comida!
- Só em comida não! Em comida sim. Eu tô
pensando na Mariá.
- Já vem você com besteira! Só pensa em
sacanagem!
- Só isso não! Agora falando sério. Toni
aqueles dois lá... Disfarça. Que coisa estranha. Gostaria de saber o que eles
querem roubar da gente. Além do carregamento de massa de tomate, só tem mesmo
àquelas coisas velhas. Será que é o caminhão? A gente nem pagou ele todo! Sabe
de uma coisa: podemos decidir logo essa parada por aqui mesmo! Ou na porrada!
Ou chamando a polícia! O que é que você acha?
- Não sei. E se os caras estiverem armados?
Acho que a menina está certa. Se a gente sair no braço, eles atiram. Se
envolver a polícia, não vai adiantar. Os caras não fizeram nada. Essa é a
verdade.
Quim mostrando impaciência contesta.
- Escuta só! Escuta só! Vão dar tiro nada!
Eles não são malucos! Damos só um susto neles! Ou então, chamamos a polícia! Se
estiverem com intenção mesmo de assaltar a gente, vão se mandar! É só a polícia
chegar e já assusta! Vamos lá provocar?
- Sei não! Quim é melhor a gente ir
ficando por aqui. Vamos ficando, ficando... De repente se cansam e vão embora.
- Nada disso, Toni! Nada disso! Seu irmão
tem até um pouquinho de razão. Podemos até ficar mais um tempinho, mas temos
que ir embora! Temos que ir mesmo!
- Ih! Quim a menina tem razão! Realmente não
podemos demorar muito, não. Já ia me esquecendo...
- Esquecendo o quê?
- Ah! Nada! Nada não!
- Toni! Toni! Eu te conheço! O que é que você
está me escondendo? Estou ficando com uma pulga atrás da orelha! Você está me
escondendo alguma coisa! Diz logo! Desembucha!
- Nada não. Quim você está é cismado. Só
temos é que ir mesmo. Nós é que vamos dar a notícia da morte do Zé, esqueceu? Estou
até com uma carta que o falecido endereçou para a família.
Quim arregala os olhos e fala:
- Ué! Ué! O cara sabia que ia morrer?
Então ele foi assassinado?
- Acho que não. O atestado de óbito diz
que não. Me parece que já estava doente.
- Toni, abre logo essa carta aí! Vamos ver
o que diz! De repente a gente descobre alguma coisa! Quem sabe os caras estão
atrás dela! Às vezes fala de algum tesouro que Zé Betão escondeu!
- Que mente criativa! Que tesouro o quê!
Se fosse tesouro, a cidade toda ia saber! Pensa bem: se o interesse daqueles
dois fosse à carta, você não acha que eles viriam falar com a gente? E eu não
vou abrir carta nenhuma! Violar uma correspondência alheia, não é legal! Aonde
já se viu Quim!
Continua semana que vem...
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