A curiosidade era sempre muita, tanto das
freiras como das adolescentes internas. Todos queriam saber o que tinha
acontecido com elas. O interrogatório era imediato, todavia prevalecia o
silêncio. O máximo eram respostas vãs, respostas que não condiziam com a
verdade mas acabavam sendo realmente aceitas por todas. Respostas essas
combinadas com a madre: - Eu me curei da tuberculose. O tratamento foi longo mas
estou bem agora. – a culpa era sempre do bacilo de Koch. As que não voltavam
eram as que não resistiam à moléstia. Entretanto existia um fato comum entre as
que retornavam: viviam tristes e caladas. Ficavam arredias até saírem, aos
dezoito anos, do convento. Tomavam destinos ignorados pelas irmãs.
Numa manhã ensolarada de janeiro,
duas meninas chegaram vindas da capital. Retornavam depois de doze meses de
tratamento médico. A irmã Amélia olhava a entrada delas com um olhar triste.
Aquele jeito de caminhar das meninas trouxe à tona o seu passado, arrastando-se
por aquela mesma alameda. Sentiu um
aperto no coração. Uma lágrima se jogou dos seus olhos. Discretamente limpou o
seu percurso. Virou-se para o lado, colocou a mão no ombro de Helô, que já tinha
completado dez anos, e sem falar nada puxou-a para um canto. Procurou um lugar
distante da curiosidade alheia. Aproximou a boca da orelha de Helô e falou,
quase sussurrando:
- Minha menina, vou lutar sempre por
você. Vou lutar contra qualquer mal. Darei até minha vida pelo seu bem estar,
pode ficar certa disso. Vou falar-lhe uma coisa... mas prometa-me que não vai comentar
com ninguém! É um segredo só nosso! Certo?
Helô olhou nos olhos de Amélia,
sorriu levemente, enlaçou o seu pescoço e falou baixinho:
-
Mãezinha, eu juro. Eu juro por Deus que não falarei com ninguém, nem para a
irmã Gertrudes. Quando eu ficar sabendo, ele vai ficar aqui dentro de mim para
sempre.
-
Assim é que se faz. Segredo, só com duas pessoas. Se tiver uma terceira pessoa,
deixa de ser segredo. Então com a promessa feita, agora vou segredar. Já falei
com você sobre a saída das internas quando do aniversário de dezoito anos.
Normalmente todas as meninas saem daqui com dezoito anos, mas estou lutando
para você continuar aqui depois. Você pode virar freira como eu virei, entretanto
eu não quero isso para você.
-
Não, mãezinha?
-
Não, Helô. Quero coisa melhor para você e quero o melhor também para mim. Então
eu venho pensando, pensando e resolvi que vamos embora nós duas.
-
Verdade, irmã?
-
Verdade, meu amor! E falando em verdade, quando sairmos daqui você ficará sabendo
de uma porção de coisas, mas por enquanto não posso falar nada. Só posso dizer
que vamos embora juntas.
-
Oba! Oba!
-
Calma! Esconda essa alegria!
-
Está bem. Desculpe.
-
Sem sorriso, por enquanto. Agora esqueça essa nossa conversa e não conversa
esse assunto nem com o seu pensamento.
Finge que não falamos nada, está bem?
- É difícil, mas está bem. Mas, mãezinha,
me diz uma coisa.
- O
que é?
A
menina não respondeu de imediato, estava mergulhada na dúvida. Não sabia se
deveria continuar a cobrar de Amélia a investigação da sua origem. Algumas
vezes tinha tocado no assunto, mas nunca conseguiu qualquer resposta. Eram
sempre promessas vãs, mas mais uma vez não resistiu e perguntou:
-
Mãezinha, já descobriu quem são meus pais?
A irmã Amélia tentou esconder as lágrimas que
já brotavam no canto dos olhos. Disfarçadamente enxugou-as e antes de responder
abraçou a pequena e disse docemente:
-
Não, meu amor, mas eu prometo que quando sairmos daqui eu terei a resposta para
a sua pergunta. De repente, até antes eu consiga descobrir quem são seus pais,
mas até lá, segredo, hein!
-
Pode deixar. Esse segredo é só nosso.
-
Além desse, o outro também. Não fale pra ninguém que vamos sair daqui juntas. E
se preocupar pra quê? Ainda temos oito anos pela frente, minha querida! Então
temos que ser discretas. Não podemos levantar suspeitas! Promete segredo total?
-
Segredo total! Promessa feita!
Dois dias depois dessa conversa com Helô, Amélia foi chamada a se
apresentar à madre superiora. Não pestanejou e imediatamente dirigiu-se ao escritório dela. Sabia que não
podia retardar. Se o assunto era sério ficava mais sério ainda se não atendesse
logo. Já conhecia de cor e salteado os critérios da madre. Pelo corredor pedia
a Deus que a acudisse. Precisava muito da ajuda do céu. Suava de tanto nervoso.
Era sempre assim quando era chamada. Toda vez pensava que aquela seria a
última, pois com certeza iria ter um treco na presença da megera. Com o corpo
já tremendo, meteu a mão na maçaneta e com muito sacrifício girou-a. Abriu a
porta o mínimo que desse apenas para passar. Com a cabeça baixa, entrou. Mal
terminou de fechar a porta atrás de si, a voz da madre soou por todo o
escritório:
-
Irmã, sente-se. – disse, apontando uma cadeira.
Amélia sabia que ia ter dificuldade de falar alguma coisa. Sempre foi
assim e agora, com certeza, não ia ser diferente. O medo que sentia por essa
criatura era inimaginável. Sentou-se no local indicado sem, no entanto, olhar
na cara da madre. Ajeitou-se na cadeira e tentou controlar os nervos. Respirou
fundo e, com sacrifício, conseguiu levantar o rosto. Quando os seus olhos
encontraram-se com os da madre, sentiu um tremor no corpo. Fechou os olhos e engoliu
em seco. Depois, num esforço hercúleo, abriu os olhos e procurou manter os
nervos o mais equilibrados possível. Encarou mais uma vez aquela cara angelical,
mas que na verdade escondia um demônio.
.................Continua semana que vem!.
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