As irmãs não interromperam e nem questionaram o longo discurso de
Socorro. Estavam atentas para tudo que
ela falou. Não perderam uma só vírgula. Essa atenção total só fez com que a
curiosidade delas ficasse mais aguçada, tanto que ficaram em alguns bancos no
jardim, com a desculpa que estavam descansando do almoço. Parecia que o tempo
não passava. De vez em quando olhavam para o corredor para ver se a irmã
Angelina estava de volta, mas nada dela aparecer. Quarenta minutos após foi que
ela deu as caras. Veio cabisbaixa e pouco falou com as amigas a respeito da
conversa com a madre. Com a insistência delas, Angelina arranjou uma desculpa
dizendo que não tinha sido nada demais, mas para Socorro isso não desceu muito
bem. Olhou para a amiga e disse:
-
Angelina, nada demais? Se fosse nada demais você ia falar! Desembucha! Fala pra
gente o que realmente a madre falou com você!
A irmã Angelina não estava confortável, olhava para Socorro e para as
outras irmãs mas não encontrava o que falar. Custou a dizer alguma coisa. Respirou
fundo algumas vezes. Parecia que estava tentando arranjar alguma desculpa.
Depois de um bom tempo de sofrimento, disse:
-
Como disse, não foi nada demais. Nada mesmo. Ela apenas me deu um pito, sobre como
eu cuido das crianças. Disse que o asseio com as meninas está deixando muito a
desejar. Isso é pura injustiça. Vocês não acham?
Ficou claro que ninguém engoliu aquela justificativa. Elas conheciam
muito bem a irmã. Quando ela falava, o que saía vinha transbordando firmeza, os
seus pensamentos eram claros. Nunca pensava muito para expor seu ponto de vista
e aquela explanação não convenceu ninguém, mas nenhuma delas questionou-a.
Engoliram letra por letra, mas na esperança de que com o tempo ela dissesse a
verdade.
Três dias já haviam passado desde a
reunião das irmãs. A madre habilmente separou-as. Procurou misturá-las com
outros grupos, fazendo com que trabalhassem em áreas diferentes. Socorro foi
designada para trabalhar com a irmã Elga, com quem nunca teve a menor
afinidade, na limpeza de janelas e vitrôs.
Angelina foi cuidar dos porcos e as outras seis para outros pontos diferentes,
mas mesmo assim elas ficavam juntas na hora do almoço. Aquilo continuou a
incomodar a madre. No quinto dia só se reuniram no almoço, seis. Na saída é que
encontraram a irmã Angelina que vinha com uma expressão de dor estampada no seu
rosto de cera, lágrimas desciam e pingavam no seu hábito. A irmã Dóroth foi
logo ao seu encontro e abraçando-a perguntou já com a voz chorosa:
- Angelina! Angelina, o que houve?
Qual a causa de tanta dor? Fala logo que já estou ficando nervosa!
Angelina afastou-se um pouco dos
braços da amiga, enxugou o rosto e disse soluçante, olhando também para as
outras irmãs que tinham se aproximado:
- Vocês não sabem o que aconteceu.
- O que foi? – perguntou a irmã Lucia
Helena.
- Foi Socorro. Socorro caiu da escada
enquanto limpava uma das janelas. Caiu e ficou desacordada.
- Mas como foi isso? – perguntou
Dóroth.
- Não sei, Dóroth. Ninguém soube dizer.
Não tinha ninguém na hora. Ela foi encontrada pela irmã Elga.
- Meu Jesus! Onde ela está?
- Ela foi levada para um hospital na
capital. Dóroth, eu estou preocupada. Ela saiu daqui inconsciente. Parecia que
já tinha morrido, mas estava com vida porque a irmã Domingas disse que ela
respirava e que a sua pulsação estava quase normal.
- Irmãs, vamos rezar. Vamos para a
capela. Pediremos a Jesus pelo pronto restabelecimento da nossa amiga irmã
Socorro. Vamos?
Todas atenderam de pronto a sugestão
da irmã Almerinda, a mais idosa do grupo.
A irmã Socorro chegou ao hospital já
em coma. O seu estado era gravíssimo. As esperanças eram praticamente nulas.
Para os médicos o estado dela era irreversível. E assim ela ficou durante três
dias, vindo a falecer antes de completar o quarto dia.
A morte da irmã abalou todos no
convento. Ninguém conseguia entender o que tinha acontecido. A irmã Angelina
comentou que tinha visto a irmã Socorro muito afastada da escada. - Como
poderia ela cair tão longe? – comentou com a irmã Dóroth, mas ficou por ali
mesmo o comentário.
No dia imediato ao falecimento da
irmã, o tal senhor misterioso chegou cedo ao convento. Encontrou-se com a madre
e deixou-a calma. A sua interferência junto às autoridades abafou qualquer
investigação que por ventura viesse a acontecer, reforçado com o atestado do
médico constando que a irmã Socorro tinha falecido de traumatismo craniano em
decorrência da queda.
Há anos que fatos estranhos
aconteciam ali. Era normal uma noviça sumir e voltar um ano depois. A
justificativa era sempre a mesma: as meninas, normalmente com quinze ou
dezesseis anos de idade, estavam sendo tratadas na capital por problemas de
saúde. A doença era sempre a mesma: tuberculose. - Por ser uma doença
contagiosa é necessário que as meninas sejam afastadas do convívio das demais.
– justificava a madre. Esses laudos confirmando a doença eram dados por um
médico que vinha da capital com o padre e o senhor misterioso. Podia não ser
sempre mas, com o retorno das meninas, às vezes era deixado na porta do
convento um ou dois bebês. Mas um fato que pode ser destacado é que nem sempre todas
as meninas que saíam retornavam para o convento.
.......................Continua semana que vem!
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