terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Nos Escaninhos do Coração - Parte 3

 

 
 
Continuando...

                  A sua concordância não era da boca pra fora, era sempre assim porque de antemão ele sabia que ela jamais cederia. Então quando aceitava, e aceitava sempre, puxava todos os riscos para si. Qualquer risco era melhor do que ficar sem Luiza. Então para que discordar? Sabia que jamais a deixaria só. Se, porém, acontecesse de um dia, recuar das vontades dela, tinha a certeza de que ela mesma não abriria mão de seus desejos, seguindo sempre em frente de qualquer jeito, sem avaliar o perigo que pudesse advir da sua decisão.

               Mas André inventava sempre alguma coisa para tentar disfarçar a sua concordância imediata.  Fazia jogo duro no início, para depois aceitar o que ela impunha. Sorriu para a amiga, mas com o coração apertado, pois a voz com um mau presságio continuava a rondá-lo.  Ele não sabia o que fazer porque tinha prometido que continuaria com ela para o que desse e viesse.  A dúvida, então, fez morada. Mas André voltou a escarafunchar seus pensamentos para encontrar alguma justificativa adequada para mudar a sua decisão. Que justificativa? Sorriu e pensou:

                - Não tenho.

                Mas sabia que tinha que tentar algo. Porém, antes de falar qualquer coisa, deixou transparecer que estava num estado reflexivo. Ficou assim por alguns segundos. Esboçou um leve sorriso ao se lembrar das vezes anteriores que cedeu às imposições de Luiza. Aí veio um sorriso incontrolável, chegando às raias de gargalhar. Colocou imediatamente a mão na frente da boca, para tentar escondê-lo, mas não conseguiu segurar o riso.  Virou o rosto para o lado, mas mesmo assim de nada adiantou. Então, como último recurso, apelou para o controle pela respiração. Respirar fundo e soltar o ar vagarosamente. Depois de alguns minutos no exercício respiratório, é que conseguiu sossegar o riso. - Mais uma vez ela venceu. – deixou escapar um sussurro. Então, confirmando a sua decisão, gritou para o amor da sua vida:

              - Quem entra no fogo, é pra se queimar! Então está decidido: vamos recomeçar a escalada! - Depois falou baixinho: sou maluco! Sou maluco!

                 Voltou a fazer mais uma vistoria no seu equipamento, mesmo já estando a vinte ou trinta metros do chão. Deu um puxão na corda, para se certificar de que estava realmente presa. Em seguida começou a se movimentar. Procurou mais um lugar para colocar outro grampo. Estava difícil. Na verdade, a maioria das dificuldades que sempre tivera era por limitações técnicas e um material de má qualidade. Não era alpinista e nem Luiza. Os dois eram apenas malucos, como ela dizia, que gostavam de subir morros. Mas um acordo entre eles era sagrado: não se arriscar em montanhas com mais de trezentos metros de altura. Só que essa passava um pouco disso. Mas para Luiza todas tinham trezentos metros. Esse acordo era suspeito. E André engolia sem questionar. Fingia acreditar.

                   Em todas as aventuras que se arriscaram sempre conseguiram, às vezes milagrosamente, se sair bem, apesar dos contratempos, que não foram poucos. Era impressionante como com tão pouca experiência, tenham conseguido vencer desafios, que até alguns profissionais preferiam não enfrentar. Para alguns amigos aquilo realmente não passava de milagre. Só Deus mesmo para ajudá-los a vencer os obstáculos. Mas até quando a mão de Deus iria ampará-los?

                    Com poucos anos de estrada, mas com tanta carga perigosa nas costas, provocavam comentários até por parte de alguns profissionais.  A maioria dos amigos se esquivava de qualquer convite deles. Acabaram sendo chamados de “dois loucos solitários.” Mas eles riam e diziam que eram todos medrosos. Ninguém tinha coragem suficiente para desafiá-los numa escalada com grande grau de dificuldade.

                     André olhou para Luiza e percebeu que ela também não tinha conseguido achar uma pega segura. Naquele trecho parecia que a pedra tinha sido polida.     Aquele lado do morro era um grande espigão de granito, escorregadio e sem praticamente uma fenda para prender os ganchos. Agora sentia que a escolha não tinha sido boa. Por onde os montanhistas iniciavam a escalada, Luiza não quis. Ela queria um desafio sempre maior, por isso optou por ali, onde ninguém nunca havia se aventurado. – Por que concordou com ela? – pensava ele novamente.

                   Poucos grampos conseguiram fixar. A quantidade dele, era a mesma dela. Normalmente a escalada era independente. Luiza não admitia usar o mesmo grampo. Queria abraçar todos os perigos. Não queria dividi-los com o amigo. Que André ficasse com os dele. 

........Continua semana que vem!

 

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