terça-feira, 30 de abril de 2019

A História de Helô - Parte 30



Continuando...

       A Madre sorriu também e, em seguida, atravessou a parede e foi encontrar Helô, que ansiosa perguntou:
          - Puxa, irmã, pra onde a senhora foi!? Ficar sozinha aqui me deu um medo danado! Parece que a senhora demorou uma eternidade! Ufa!
       - Helô! Helô! Que medo é esse? Não demorei nada! Você está precisando ter mais fé!
          - Eu até tenho fé, mas tenho medo também! Como a senhora disse, isso é normal. A gente tem medo e tem coragem. Então, agora vou mostrar pra senhora que tenho coragem, atravessando aquela porta ali!
         - Ei! Que pressa é essa? Está muito ansiosa. Nem parece que teve medo. Nem estou acreditando muito nessa coragem.
         - Tive medo sim, irmã, mas agora, com a senhora aqui, o medo passou e estou cheia de coragem!
         - Está bem, acredito.  Helô, eu só fui à outra sala para ver se o caminho estava livre, mas não estava. Infelizmente ainda não vai ser desta vez que vamos adentrar esse compartimento, que na realidade é uma enfermaria e ela está ocupada por duas meninas, logo, não podemos entrar. Eu até que posso, mas...
          - Mas eu não, né, irmã?
         - Sim, entretanto não é essa enfermaria que nos interessa no momento. O que realmente eu quero é levar você ao último compartimento, é lá que está o que nos interessa.
          Helô ficou olhando para a Madre sem nada falar, mas a sua cabeça começa a fervilhar de pensamentos. A Madre, já ouvindo os pensamentos da menina, apenas espera pela arrumação das suas ideias. Depois de alguns segundos, já com uma pergunta formada, ela fala por transmissão de pensamento:
          - Madre,  estou aqui pensando numa coisa: a senhora sabe o que tem na última sala?
         - Sei, mas...
         - Mas o quê?
         - Mas o quê? Helô, não adianta eu saber. Eu sei, porém ninguém vai me ouvir. Você esqueceu que não sou mais de carne e osso?
         - Não, Madre, como eu posso esquecer? Mesmo se eu quisesse não conseguiria. Eu vejo a senhora, mas ninguém mais vê. A senhora não me deixa, não é?
        - Puxa, Helô, então você não quer mais me ver? Pensei que gostasse de mim!
        - Não é isso, irmã, desculpe! Não era isso que eu queria dizer! Eu gosto muito da senhora, mesmo! Desculpe-me?
        - Eu sei que você gosta de mim. Claro que eu desculpo. Você é a minha melhor amiga de carne e osso!
       Com a última frase, o riso quase pulou dos lábios de Helô. Ela tentou segurar a gargalhada que estava prestes a estrondar no ambiente, mas não conseguiu engolí-la completamente.  Apesar do esforço, assim mesmo, o riso que saiu deu, devido ao silêncio reinante, para ecoar pela sala. Helô, num gesto seu depois de qualquer coisa que fugia ao seu controle, escondeu o rosto com as mãos. A Madre, que também estava com vontade de rir, colocou um dedo nos lábios, pedindo silêncio. Só depois disso é que ela conseguiu interromper o riso, deu uma respirada funda e prometeu à Madre que ia manter-se em total silêncio.
        A Madre Maria de Lourdes de repente virou-se para onde estava a porta e mentalmente perguntou a Helô:
          - Você está ouvindo alguém conversar?
          - Não, Madre. – respondeu.
          Com a negativa, ela passou a mão pela cabeça de Helô e falou:
          - Preste atenção, concentre-se! Você vai escutar o que estão falando. Tem duas pessoas conversando na enfermaria. Já está pronta?
          - Sim, irmã,   estou até ouvindo alguma coisa.
          - Ótimo! Então vamos ouvir juntas. Vai ser como se estivessem falando num microfone. Agora.
          Então as vozes tomaram conta de toda a sala. Helô ouvia claramente as pessoas conversando.
          - Irmã Dulce, a menina do leito oito ainda está muito debilitada. A outra, com a criança, tá muito bem de saúde. As duas, mãe e filha, estão ótimas. Amanhã já podem ir para a outra ala.
          - Irmã Dorotheia, preste atenção: se amanhã a outra menina não apresentar uma melhora convincente, sabe o que fazer.
          - Irmã! Irmã! Vamos esperar! Vamos dar um tempinho a mais! Sabe, já estou ficando cansada desse trabalho. Cheguei à conclusão que não devia ter começado nisso.
          - Vai roer as cordas?
          - Não é isso. Olhei pra menina e fiquei com pena.
          - Está ficando com o coração mole?
          - Até parece que você tem um coração de pedra! Puxa! A criança já foi sacrificada! Mais um menino que... Que droga! Vamos deixar a menina recuperar-se! É tão bonita... Tenho certeza que ela vai ficar bem. Vamos dar uma chance para ela?
         - Não sei se vale a pena.
         - Ela melhorando, a Madre manda  ela para a capital. Depois que se recuperar, ela volta e aí não será mais problema nosso.
          - Não sei não. Qualquer dia a casa vai cair. Se essas meninas baterem com a língua nos dentes, estaremos todas perdidas. Mande ela pra cova que é mais garantido. As que estão com as filhas não tem problema, elas ficarão sempre por perto das crianças, mas as que perderam os seus filhos, essas são perigosas. Acho que devem ir para a cova. Vai por mim.
          Helô estava boquiaberta por tudo que ouviu. Não queria acreditar naquelas palavras. Olhou para a Madre e perguntou:
          - Madre, será que é isso mesmo que estou pensando que é? Cova de cemitério?
          - Isso mesmo, Helô, mas vou tentar ajudar essa menina. Ela tem muitas chances de se recuperar fisicamente, entretanto a parte mais difícil é a psicológica. A perda do filho fez com que entrasse numa tristeza profunda. Ela sabe que o filho foi tirado dela com vida. Agora não dá para se fazer nada, mas depois eu volto. Vou ver o que posso fazer. Vamos embora, Helô. Boca fechada, hein! Acho melhor você esquecer isso tudo! É, vou fazer isso! Por garantia, você vai esquecer tudo que se passou aqui!  Vamos embora.
          Mal a Madre terminou de falar, as duas já estavam do lado de fora da gruta. Então Helô  virou-se para a entidade e disse:
          - Puxa, irmã, eu estava no parquinho, de repente já estou aqui! Nunca andei tão rápido na minha vida! Vamos entrar logo, irmã!
          - Calma, Helô.
          - Algum problema? Não vamos entrar?
          - Você não se lembra de nada?
          - De nada, o quê?
          - Hoje... – a Madre, com um ar pensativo, interrompeu o que ia dizer.
          Helô ficou olhando para a entidade, sem entender o porquê de ela ter parado de falar. A sua expressão enigmática deixou-a curiosa.
          - Madre, que cara é essa? A senhora está estranha!
          - Minha menina,  hoje não devemos entrar na gruta. Vamos voltar outro dia.
          - Ué! A gente veio à toa?
          A entidade não respondeu. Olhou dentro dos olhos de Helô, deu um sorriso morno, passou a mão na sua cabeça e evaporou.
..............Continua semana que vem!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário