terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 42

 


 Continuando...

            Depois que os dois conseguiram conter o riso, Mohammed voltou a solicitar ao sargento uma rápida subida para apreciar o céu. Dessa vez Téo não foi tão resistente ao pedido, mas ponderou, mesmo sem muita convicção, sobre o risco que iriam se expor.

          - Mohammed, Mohammed eu até acredito que você não vá fugir. Mas têm muitos riscos escondidos na noite.

          - Mas o senhor vai comigo, sargento! Não vamos correr risco nenhum!

          - É claro que você não vai sozinho!

          - Então nós vamos subir? Vamos sargento! Vamos logo!

          Mohammed antes de terminar de falar, já estava de pé e se dirigindo para a escada. O sargento sorriu e acabou cedendo à sua insistência. Foi até onde deixou a sua arma e pegou-a. Depois seguiu o menino. Mas antes que ele abrisse a portinhola, pediu cuidado:

          - Abra devagar. Vai levantando com cautela e evite fazer barulho.

          Mohammed olhou para baixo, deu um sorriso e falou:

          - Pode deixar sargento. Eu já estou acostumado. Nesse lado da cidade, é mais perigoso durante o dia. Agora a noite é mais tranquilo. Pode subir.

          - Não entendi! Você disse antes que a noite é onde se esconde o perigo! Agora diz o contrário! É perigoso ou não?

          - Estou brincando, sargento! A noite é onde mora o perigo! Mas vamos ficar protegidos pelos escombros próximos da saída.

          A portinhola foi aberta e imediatamente o sargento teve a sensação que um pedaço do céu estava na entrada do compartimento subterrâneo. Sentiu uma tremenda alegria, como sempre acontecia, ao avistar aqueles pontos brilhantes que se espremiam na abóboda celeste. Esqueceu-se do perigo, deixando de lado a precaução, e subiu rapidamente até colocar o seu corpo e alma do lado de fora. O menino já estava sentado no seu lugar de sempre a olhar a imensidão. Fez um sinal para Téo e apontou um pedaço de laje que poderia servir de banco e um bom ponto de observação.

           O silêncio já estava esperando pelos dois.  Eles sentiram que seria uma heresia que se fizesse qualquer tipo de ruído e quebrasse aquela paz. Mas Téo olhando aquela imensidão não resistiu e quase sussurrando disse:

          - Que paz! É inacreditável essa sensação que estou sentindo!  É estranho, Mohammed, um lugar que essa palavra só existe mesmo em dicionários, pois está há tanto tempo em desuso, de repente está entre nós. Mas ela está aqui sem pedir licença e mostra que se houver boa vontade dos homens ela pode chegar e deixar de ser apenas casual, ou incerta, ou até uma utopia mesmo. Paz não é só uma bandeira branca, não é só um papel assinado, dizendo que está instaurada a paz entre o povo vencido e o povo vencedor. Não há paz para quem perdeu o seu filho, a sua casa, a sua alegria, a sua pátria, sob o comando de outro país, de outra raça. Não há paz para quem não conseguiu se despir do ódio. Não há paz para quem não teve tempo...

          Téo interrompeu o que estava dizendo, sentou-se na laje e esticou o seu olhar para o firmamento, passeando entre estrelas e constelações. De repente identificou o planeta Marte, sorriu e apontou para ele. Mohammed seguiu o seu movimento e viu o astro que ele apontava, mas não sabia que astro era aquele. Procurando não atrapalhar aquele momento, preferiu engolir a sua curiosidade. O silêncio envolveu aquelas duas pessoas tão diferentes, mas que orbitavam juntos com todo o universo.

            Mohammed sorriu para si e recostando-se num pedaço de parede deixou-se viajar pelo firmamento. Naquele momento só queria beber daquela tranquilidade para sarar as feridas das últimas horas. Sempre foi assim, o analgésico para curar as dores da sua alma, encontrava-se no céu estrelado. Era lá que ia buscar o medicamento ofertado por Deus e, na volta, já estava sem um pingo de dor. Todas as feridas do dia, por incrível que pareça, em poucos minutos já estavam cicatrizadas. Mas ele sabia que eram apenas algumas horas sem dor, porque no dia seguinte, com certeza, novos machucados surgiriam. Era a guerra.  Entretanto, ele não sabia explicar, paralelamente a dor, a esperança da cura brotava intensa dentro de si. Algumas vezes tentou olhar para o céu sem estrelas, mas de nada adiantou, porque a dor continuou doendo. Tinha que atravessar o dia ensolarado e esperar a noite se instalar e aí sim ir buscar o medicamento para a sua alma. 

......Continua Semana que vem!

 

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