terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 39

 


Continuando...

            Dona Nádia terminou de falar, deu um beijo no rosto do filho e apontou a direção da sala. Téo beijou o rosto e as mãos da mãe e se dirigiu ao encontro do pai.

          - Sargento. – interrompeu novamente Mohammed.

          - O que foi, menino?

          - O senhor não tem irmãos?

          - Só tenho uma irmã. Mas é como se não tivesse. Ela sempre - como falam os meus primos brasileiros - se lixa pra gente.

          - Isso eu nunca ouvi ninguém falar. O que é?

          - É um jeito de dizer que a pessoa não se importa com a gente. No Brasil falam coisas que até Deus duvida! Posso continuar?

          - Desculpe a interrupção. Vai em frente, sargento.

          - Me sentei em frente ao meu pai, do outro lado da sala. E fiquei ali em silêncio, esperando ele parar de ler o jornal. O tempo foi passando e eu ali parado sem falar nada. Percebi que ele, de vez em quando, me dava uma olhada. Continuei firme, porque eu fora educado daquele jeito. Meu pai era o melhor pai do mundo, mas não se podia interrompê-lo quando lia o jornal. Aquilo era um hábito diário, como se fora um ato religioso. E assim lá fiquei.

            O tempo foi passando. Aquilo parecia um teste de paciência. E era. Depois de uma hora ali com a bunda enterrada na poltrona, resolvi me levantar. Percebi que o meu pai me seguiu com os olhos até eu chegar à janela. Fiquei ali olhando para o nada. Era isso mesmo, olhando para o nada. Naquele momento não tinha coisa alguma que me interessasse do lado de fora. Mas de repente uma coisa me chamou a atenção: uma senhora que passava na calçada do outro lado da rua, carregando alguns embrulhos, escorregou e bateu com o corpo e a cabeça no chão. O tombo foi feio. Saí rapidamente de onde estava para socorre-la, mas ao abrir a porta vi que ela já estava de pé. Catou as bolsas e rapidamente se dirigiu para a sua casa. Era nossa vizinha. Mas era como se não fosse. Éramos invisíveis para ela. Que pessoa difícil de se lidar! Uma velhinha complicada. Mais uma lembrança dos meus primos brasileiros: um osso duro de roer. Acho que nenhum vizinho gostava dela. Juro por Deus que eu tentei nutrir algum sentimento por ela, mas sinceramente foi uma missão impossível: falhei. Por causa disso, peço perdão a Deus, quase diariamente, por não ter conseguido gostar pelo menos um dedinho sequer. Mas mesmo não gostando, estava sempre pronto a prestar-lhe qualquer tipo de auxílio.  

               Eu gostaria de entender uma pessoa, no caso ela, que me viu praticamente nascer e nunca me dirigiu uma palavra sequer. Mais tarde eu fui entender isso sozinho. Várias vezes perguntei aos meus pais o porquê disso, mas eles nunca me esclareceram, fugindo sempre pela tangente. Acho que preferiram que descobrisse por minha conta. E foi no que deu: descobri que a velhinha era o preconceito em pessoa.

             Dias depois da conversa com meu pai, aconteceu a mesma cena que tinha visto pela janela: ela caindo. Só que dessa vez eu vinha logo atrás dela. Corri solícito e tentei levantá-la. Qual não foi a minha surpresa: ela recusou a minha mão e ainda me disse palavras ofensivas. Uma delas, me disse, que eu era filho da escória. Saí dali meio triste. Procurei o meu pai e relatei o que aconteceu. Ele pediu para que eu não levasse em conta os comentários dessa senhora ou de outras pessoas. A velhinha ainda estava presa ao preconceito.

            Aí foi que entendi a rejeição dela para com a minha família. Começava pelo fato de meu pai ser americano e a minha mãe uma estrangeira, no caso uma brasileira, de descendência Árabe. Depois vinha a questão religiosa. Essa sim era a pior. Pensa bem: meu pai judeu e a minha mãe muçulmana.

           - Puxa vida! Que complicação! Desculpe sargento por julgar o senhor.

           - Não tem do que se desculpar, pois as aparências enganam, não é mesmo?  

......Continua Semana que vem!

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