terça-feira, 17 de janeiro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 36

 


Continuando...

          Pai, eu não acho que sejamos os únicos privilegiados da criação. Provar, eu não sei como: acho que é só indo lá. Assim mesmo pode ser que eles estejam em outra dimensão. Só vai ver quem tem olhos para ver.

          O Seu John deixava o filho viajar pelo universo e não interrompia, de forma alguma, os seus questionamentos e devaneios. Preferia se calar, primeiro porque não saberia o que dizer, segundo para não interromper os sonhos do filho. Torcia para que Téo conseguisse, em algum tempo da sua vida, alguma resposta para as suas inúmeras perguntas. O filho era o seu orgulho.

          À noite Téo era encontrado, religiosamente, no seu ponto preferido, no quintal da sua casa, viajando pelo céu estrelado. A sua cabeça fervilhava de interrogações. Em alguns momentos achava que estávamos dentro de uma bola e que a parte superior era toda cheia de furinhos. E que essa visão só acontecia quando a luz era apagada dentro bola e acesa no exterior. Mas quando esse pensamento acontecia, ria sozinho no meio da escuridão. Esse tipo de viagem ele não falava com ninguém, nem mesmo com o pai, que era o seu melhor amigo e confessor, pois não sabia como ele encararia esse seu devaneio. Vai que o pai duvide da sua sanidade mental. Só em pensar nisso, sentia um tremor no corpo e vinha uma vontade de chorar. Nesse momento procurava levar os seus pensamentos para outro lugar. Escolhia qualquer ponto colorido na imensidão e ali sentava as suas interrogações.

          O sargento Téo olhou para Mohammed e se viu naquele menino. Era um sonhador igualzinho ao que ele foi. Só que não sabia como o garoto conseguia sonhar naquele mundo que estava vivendo. O seu mundo, fora um mundo calmo, onde podia sonhar qualquer sonho. Um sonho possível e outros não tão possíveis assim. Mas sonhava sem preocupações. Com certeza nenhuma bomba, ou tiros ia interromper o seu livre pensar. Sabia que quando o sono se aproximava ele tinha um teto e uma cama macia a sua espera. Além do seu copo de leite quente na cabeceira da sua cama. Esse pensamento entristeceu-o deveras. Suspeitou que uma gota de lágrima fosse saltar dos seus olhos. Apertou-os com a intenção de empurra-la de volta, mas percebeu que fora lento no gesto, pois o seu rosto já estava umedecido. Virou rapidamente o rosto, para que o menino não percebesse que tinha um coração mole. Só que Mohamed já estava habituado a enxergar na penumbra e viu quando Téo tentou disfarçar. Ali ele percebeu que estava de frente de uma pessoa de bom coração. Procurou então não deixar que o sargento suspeitasse que o vira enxugando uma lágrima. 

          O sargento se recompôs e olhou novamente para o menino, que ansioso aguardava por algum pronunciamento seu. Ameaçou falar, mas abortou na primeira letra, ficando apenas no gesto. Coçou o seu ralo bigode e esperou, pois não tinha certeza do que ia falar. Como sargento sabia que o pedido do menino não podia ser aceito. Mas como Téo, o coração pulsou como o dele, pois o menino sonhador que fora, tinha voltado sem barreiras. Tentou falar:

          - Mohamed. O que você está pedindo...

          - Mas sargento! – Mohamed fez uma pausa – É só uma olhadinha! Eu juro que não vou fugir! Por favor!

          - Não tenho certeza de que você não fugiria. Mas não é nem por isso. Nós estamos aqui escondidos e não podemos nos arriscar. Eles vão querer vingança e estamos em desvantagem. Precisamos esperar a melhora de John para depois sairmos. Temos que chegar à base. Vamos procurar nos esquivar de qualquer confronto com esses guerrilheiros.               

          - Mas sargento, agora eles devem estar dormindo.

           - E guerrilheiro dorme? Ele está em tudo que é buraco de olhos bem abertos! Você não disse que é perigoso andar por esse lado da cidade à noite?

           - Eu disse e digo de novo, mas não era de guerrilheiro que eu falava, era de bandido comum. De ladrões. De vagabundos. Guerrilheiro não circula por essas horas por aqui. A gente indo lá em cima, para dar uma olhada no céu, não tem perigo, porque vamos estar encobertos pelos os escombros. O céu daqui, de Cabul, sargento, é imperdível. Acho que é o céu mais bonito do mundo.

           - Porque você não conhece o meu país: lá também o céu e muito bonito. O céu que eu vejo lá é diferente desse aqui. Eu já fui a muitos países, e o céu é bonito em qualquer ponto do planeta.

          - Acredito. Mas aqui o céu está sempre limpinho. Então aproveita-se muito mais, porque aqui chove pouco. Então sargento, me deixa subir.

          - Você é teimoso, né? Você sabe que não deixarei você subir sozinho. E por outro lado, não estou nada, nada a fim de ir lá em cima. Não quero me arriscar a ser morto por esses bandidos noturnos. E muito menos por algum fanático religioso.

                 - O senhor é preconceituoso, sargento?

                 - Não. Por que a pergunta?

                 - Porque eu tenho uma visão sobre esses conflitos religiosos e políticos. 

.........Continua Semana que Vem!

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