terça-feira, 3 de janeiro de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 34

 


Continuando...

       - Você sabe tudo, não é Mohammed?

       - Eu só sei o que aprendi depois que acordei no hospital. O senhor continua desconfiando de mim, mesmo depois que salvei a sua vida?

       - Não é bem assim. Eu agradeço muito a você e a Rachid pelo que fizeram conosco, mas eu não posso apagar o furto das armas do meu país.

       - Sargento, as armas estavam danificadas. O senhor mesmo testou algumas. Eram todas sucatas. Eu só queria vender o ferro velho, para garantir a minha comida e a dos meus irmãos. A nossa sobrevivência depende de sucata.

        - Mesmo sendo ferro velho, como você diz, não pertence a você. Você acha que me engana? Você é a pessoa mais cara de pau que eu conheço. Mohammed, o pior é que eu gosto de você, e além de ser grato pelo resto da vida.

        - Então sargento, se o senhor é grato me deixe livre, que eu também serei muito grato ao senhor. E para o resto da vida. O senhor não vai se arrepender.

        - Você não é mole, hein! Você sabe de muita coisa, e vai me dizer, não vai?

        - Dizer o quê? Não sei de nada, sargento. O pouco que sei, foi apanhando da vida. Antes de acordar no hospital, eu não sei se sabia alguma coisa. Só depois que vim para a rua, tive que aprender algumas coisas para me manter vivo. Não só eu, como também os meus colegas. Somos seis órfãos. Nem sabemos se temos parentes em algum lugar. Eu acho que sou brasileiro, mas posso ser americano, ou ... sei lá! De repente eu possa ter algum parente no Brasil. Mas as autoridades não conseguiram descobrir a minha origem. Alguém disse que meus pais e eu entramos ilegalmente no Afeganistão. Eu não sei se isso é verdade. Não encontraram nenhum documento comigo. Aonde eu fui achado, não tinha nenhum ocidental comigo. Nenhuma mulher, que pudesse ser minha suposta mãe.

           - Como você foi achado? Teve mais algum sobrevivente? Como você estava vestido? Eles disseram?

          Mohammed fez uma cara como se estivesse pensando. Retardou um pouco a sua resposta, para valorizar o que ia dizer. Ameaçou falar, mas se arrependeu e voltou de novo para o modo pensativo. Téo percebendo que o garoto queria enrola-lo, então foi falando:

          - Qual é Mohammed? Está querendo me levar no bico? Você não me conhece, garoto. Acho melhor você falar se não vou achar, de antemão, que é tudo mentira, que você é um bandido mirim. Aí eu nem vou pensar se devo liberar você. Mas, se disser alguma coisa, posso mudar minha opinião.

          - O senhor vai me soltar? Puxa sargento, vou voltar a sorrir novamente!

          - Calma. Eu não disse isso. Não me enrola, Mohammed!

          - Então eu vou contar o que eu sei, sobre mim. Disseram que me acharam no meio de uma porção de gente morta. Foi um atentado terrível.

          - Isso eu sei. Você já disse.

          - O senhor não perguntou como eu tinha sido achado? Então, foi assim. O senhor quer saber se tinha mais algum sobrevivente, não é? Pelo que me disseram, eu fui o único sobrevivente. Nem sei como não morri. Um enfermeiro me disse que eu estava vestido como um ocidental. Acho que foi por isso que eles concluíram que eu não era daqui.

          - Além, Mohammed, de você não ter nenhum traço fisionômico com o pessoal dessa região. E nem dos países fronteiriços.

          - É. Mesmo eu vestindo esse tipo de roupa da região, eu me acho completamente diferente deles. Sou um peixe fora d’água. Falando em peixe: sargento eu tenho um sonho muito estranho. Não sei se é invenção da minha cabeça, se eu li ou se eu vivi isso mesmo.

         - Um sonho? Você já contou para alguém?

         - Não. Nunca pensei em contar para alguém. Mas para o senhor, me deu vontade. Pode ser que o senhor até me ajude.

          - Pode falar. Assim a noite passa mais rápida.

          - Então tá. Esse sonho é estranho. Era como se eu estivesse num lugar todos os dias e visse a mesma pessoa que chegava até a beira de um rio, olhava-o, metia o pé dentro d’água e depois ia até um local onde o rio formava um pequeno lago. Parecia que a margem tinha desbarrancado e represado a água, formando esse lago. Eu estava sempre numa ponte e via todo o dia a mesma coisa. E não sei se eu li isso em algum lugar ou alguém me contou essa história. Não tenho certeza.

  ...........Continua Semana que vem!

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