terça-feira, 4 de outubro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 21

 


Continuando...

             Mohammed estava emocionado, e abraçou o amigo. Uma lágrima fugidia desceu pelo seu rosto, mas antes que ele visse, enxugou-a discretamente. Ele sabia que na irmandade não tinha lugar para chorão, então tinha que controlar as emoções de qualquer jeito. Entretanto cada um, às escondidas, deixava o seu choro guardado em algum canto. Cada um sabia das lágrimas do outro, mas ninguém fazia comentário. Aquilo era necessário para colocar as emoções em equilíbrio. Era uma questão de sobrevivência para cada um deles, pois o dia a dia era sempre mais um dia de cão. Então tinham que estar com as emoções dominadas, para não caírem nas garras dos terroristas, dos ladrões, da milícia, ou do exército, ou nas mãos da polícia, que não era nada agradável. Como eles viviam do garimpo, como eles chamavam, não podiam facilitar para não serem pegos. Qualquer achado era transformado principalmente em alimento. Mas tinham uma reserva em dinheiro bem escondida, para num futuro não muito distante, fugirem dali para algum país onde pudessem viver em paz.  Entretanto naquele momento, a sobrevivência era o principal. 

            Rachid, depois do abraço, falou para o amigo:

           - Mohammed, eu soube que tem muitos milicianos na redondeza. Acho que a gente tem que sair daqui, porque eles podem chegar a qualquer momento. Soube que teve um atentado contra o vice-presidente, longe daqui. Por isso que a gente não está vendo nem exército, nem polícia, ninguém por perto. O atentado foi feio. Morreu gente à beça. Vamos sair logo daqui.  

           O amigo coçou a cabeça, parecia que pensava alguma coisa, depois falou baixinho, não querendo que o soldado escutasse:

          - Rachid, eu vou até lá dentro, vou pegar as armas que estão por lá e depois vamos embora. Pelo jeito, não sobrou ninguém para contar a história. O silêncio já dura um tempão. Vou indo.

           - E o soldado?

           - Não sei irmão. Depois a gente vê.

          Virou às costas e se dirigiu para o interior da casa em ruínas. Entrou cautelosamente, pé ante pé. Logo no início encontrou dois homens mortos, completamente deformados. Com cuidado virou os corpos para o lado, procurando as armas. Fez uma cara de decepção ao não encontrar o que queria. Olhou ao redor e viu duas metralhadoras jogadas num canto. Pegou-as e levou-as para o lado de fora, deitando-as no chão. Depois sinalizou para o amigo, que veio rapidamente pegá-las. Em seguida voltou para o interior. Passou pelos dois corpos e foi em frente. Caminhou um pouquinho, mas parou ao avistar uma claridade bem no fundo de onde tinha sido uma habitação de alguém de posse, num passado não tão distante.  Ficou observando atentamente. Depois de algum tempo, com a visão mais acostumada na penumbra, viu um corpo curvado de cara no chão. Aí não teve dúvida que ali tinha mais uma arma. Mas, antes de ir em frente, analisou a situação mais um pouquinho e achou estranho não encontrar os soldados americanos por ali. Mas com toda a sua esperteza não tinha percebido de onde saía o facho de luz.

            Na meia parede estava o sargento bem camuflado e acima dele estava a lanterna apoiada por cima da parede. E do outro lado, ainda deitado no chão, estava o magricela encoberto pela escuridão. O garoto resolveu ir em frente. Mas mal reiniciou as passadas, pisou em alguma coisa e o som fez com que duas armas ficassem apontadas para a sua cara. O susto foi tamanho que ele quase desabou. Téo e Peter reconheceram rapidamente Mohammed e o sargento falou meio aborrecido:

            - Porra menino! Como é que você faz uma coisa dessas? Você deu sorte, hein! Ficamos aqui no silêncio para ver se aparecia mais algum terrorista. Agora acho que não tem mais nenhum mesmo. Se tivesse, já tinha acabado com a gente.

            Mohammed não conseguia falar nada. Depois daquele susto quem articularia palavra? Engoliu em seco, os pés presos ao chão, e tentou balbuciar alguma coisa, mas o que saiu foi uma coisa que nem ele saberia dizer o que era. O sargento e o soldado ficaram esperando para que ele falasse alguma coisa que eles entendessem.  Com muito custo, finalmente as palavras brotaram:

            - Que susto, sargento! Puxa vida! Pensei que fosse morrer! Pelo visto nasci mais uma vez!

           - É. Eu acho que sim. – falou o sargento, sem dar muita importância as palavras dele. – O que é que você está fazendo aqui?

           - Vocês demoraram tanto que eu achei que tivesse acontecido o pior com vocês.

           - O pior? Viu sargento parece que o garoto está querendo que a gente se dê mal!

           - Eu não. Eu vim até aqui, mas me arrisquei muito. Sargento, posso ver a cara daquele homem?

           - Pra quê?

           - Eu gosto de ver a cara deles. Os dois lá da frente, fiquei decepcionado, estavam praticamente sem rostos. De repente, aquele ali, - apontando para o suposto defunto - eu já tenha até cruzado com ele por aí. 

..........Continua semana que vem!

 

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