terça-feira, 27 de julho de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 36

 


Continuando...

          Bordélo procurou, tateando, alguma pedra submersa, em que pudesse fazer de ponto de apoio. Ao encontrar, inclinou o corpo para trás, e sentindo que estava firme, deu um puxão na corda e esperou. Não demorou e a corda se afrouxou. Já mais liberado da pressão na barriga, conseguiu ajustar a corda para uma posição mais confortável. Depois deu dois puxões e a corda excedente foi recolhida pelos amigos. Em seguida soltou o corpo e voltou a boiar.  Nesse momento já estava com a corda envolvida no peito e nas axilas. E a pressão na cintura aliviara.

          Agora se sentia preparado para resgatar Karen. Ia mandar o sinal para que os amigos liberassem a corda novamente. Mas um problema veio-lhe a cabeça: tinha perdido a visão deles. A partir dali, a situação ficava mais complexa. Agora sem vê-los, não podia errar na sinalização, via corda.  E tão pouco, eles. Então, com o coração na mão, deu um puxão, que era para soltarem a corda, mas mantendo a pressão sobre ela. Quase que imediatamente a corda foi sendo liberada e ele flutuava levemente em direção à cachoeira. Quando se aproximou da borda, deu dois puxões e procurou ficar em pé. Os amigos não erraram e a corda voltou a ficar esticada. Agora estava a um palmo da grande queda d’água. Ali estava o maior desafio da sua vida. A pressão que sentia nas costas era muita. Tinha medo que a corda não resistisse e arrebentasse.

          Bordélo esticou o pescoço para tentar visualizar Karen. Um mundo d’água a cobria completamente. Sabia que não ia ser fácil puxá-la, pois era muita pressão empurrando-a para baixo. Naquele momento a dúvida surgiu: teria força suficiente para puxa-la? Mesmo sendo uma distância aparentemente curta, teria que sustentar todo o seu peso e a força da água nos braços. Olhou para o céu e pediu a Deus para supri-lo de energia.

          Fez o sinal da cruz e começou a puxa-la. Cauteloso, como sempre fora, foi bem devagarinho para evitar qualquer dano à saúde de Karen. Ficou preocupado porque ela não dava nenhum sinal de vida. Mas não parou, pois imaginou-a apenas desmaiada.

          As mãos de Bordélo já estavam cheias de bolhas. Parou um pouco de puxar e foi olhar para saber se ela já estava próxima.  Mas mal ele botou a cabeça para olhar, a corda se soltou das suas mãos. Com o tranco, Karen começou a gritar desesperadamente. Bordélo recebeu um puxão tão violento, que quase ficou sem ar.

          Karen não parava de gritar. Tudo indicava que estava entrando em pânico. Os seus gritos ecoavam dentro dos ouvidos de Bordélo deixando-o desorientado. Olhava a amiga se debatendo e gritando, sem saber o que fazer. Teve a nítida sensação de que ia cair junto com ela, sem qualquer chance de sobreviver. Naquele instante esqueceu que os amigos mantinham-no seguro pela corda. Só tinha vontade de gritar por socorro, mas a voz não saía. Enquanto duelava com o medo, viu uma nuvem se aproximando e aos poucos ir tomando uma forma humana. Ela veio como se estivesse caminhando sobre a água. A alguns metros dele, parou.

          Ele olhava para aquela nuvem estranha e não entendia o que podia ser. Enquanto tentava analisar, não percebeu que o coração começava a serenar. E como por encanto, Karen parou de gritar. Ela não via a tal nuvem, mas alguma coisa chegou até ela que fez com que se acalmasse. Os dois agora estavam envolvidos por um silêncio estranho, porque nem o barulho da cachoeira eles ouviam mais. Agora cabeça e corpo funcionavam em harmonia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário