terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 14

 


Continuando...

                  Com o passar do tempo olhando aquilo tudo, já mantendo os olhos mais abertos - muitas árvores quebradas, outras arrancadas com as raízes voltadas para cima e mostrando a natureza toda bagunçada – a sua cabeça começou a dar algum sinal de que podia voltar à normalidade. De vez em quando vinha um flash ou outro dos últimos acontecimentos.  Mas mesmo com esses rasgos de memória, não conseguia ainda organizar seus pensamentos.

                    O tempo foi passando e ele acabou adormecendo. Esse foi um bom remédio para a sua cabeça, pois a partir daí ele conseguiu perceber que estava de cabeça para baixo. Isso já foi uma vitória. Mas ainda não conseguia se situar dentro daquele contexto de destruição. Tentava, tentava organizar os pensamentos, mas a dor não cooperava para que conseguisse raciocinar. Qualquer movimento e lá vinha ela com toda intensidade.     Então acabou entendendo que não podia se mexer.

                    De repente começou a falar num tom de que estava aborrecido. Virou a cabeça de um lado para outro, nervosamente, e se dirigiu para algum ser imaginário (ou não).

                    - Como posso ficar assim nessa posição? Não sou um morcego! Você fica aí olhando pra mim e não me dá nem uma ajudinha. Quer que eu morra de cabeça para baixo? Está pensando, já que não quer me ajudar, que eu não vou tentar fazer nada? Está enganado! Vou conseguir sair dessa posição incomoda, sim! Você vai ver!

                Depois de falar, alguma coisa brotou na sua cabeça dizendo – intuição talvez? - que mergulhar no silêncio, mesmo que por pouco tempo, seria necessário. E que o silêncio e a oração iriam ajuda-lo. Olhou de um lado para o outro, como se procurasse alguém. Depois esticou o olhar para a mata. Parecia esgotado. As suas forças se esvaíam pouco a pouco e já se encontrava bastante debilitado. Cansado, fechou os olhos e tentou relaxar. De repente sentiu um sopro percorrer por todo o seu corpo. Era diferente do vento. Tentou abrir os olhos, mas não conseguiu. Apagou por mais ou menos uma hora. Depois desse tempo despertou, abrindo os olhos assustado. – Será que dormi?- se perguntou. Mas continuava de cabeça pra baixo. Entretanto notou, ao se movimentar, que a dor diminuíra bastante. Respirou, aliviado. Porém ao mexer o braço direito, a dor foi ainda forte, mas suportável. Sossegou até que aliviasse. E ela se foi como por encanto. Então arriscou movimentar o esquerdo. Para seu alívio, nenhuma dor se apresentou. Após esses movimentos a memória voltou completa. Lembrou-se pedacinho por pedacinho de tudo que fez daquele dia. E a primeira imagem que apareceu foi a de Luiza sorrindo. Os dois de frente para aquela montanha de pedra e ela dizendo que ia ser fácil. Mais um desafio vencido e a montanha seria riscada do seu caderno de aventuras. Sorriu com aquela lembrança, que parecia viva. Mesmo na posição incômoda em que se encontrava, virou o pescoço para procurá-la, mas não a encontrou. Decepcionado voltou à posição inicial. De repente pensou que a sua corda prendia-o a Luiza. Mas para a sua decepção, lembrou-se que escalavam separadamente. Em seguida invadiu a sua cabeça a visão dela caída na base da montanha, ou em cima das árvores. Um temor foi tomando conta dele. – E se ela caiu? – pensou, e as lágrimas começaram a rolar. Imediatamente procurou pelo corpo da amiga nas imediações de onde começaram a escalada. Nada encontrou. Olhou depois por cima das copas das árvores, algumas que conseguiram se manter de pé. Mas nada de encontrar Luiza. Nesse instante já estava em prantos. Chorou pela vida toda. Nunca imaginou que pudesse um dia chorar tanto. Não se recordava de ter lágrimas descendo pelo seu rosto. De repente só em criança. Enquanto pensava nessas coisas, o choro foi serenando.

           Aquela posição que se encontrava não o deixava ver direito. Mas torcia para que tivesse enxergado bem. Pra fugir da tristeza, concluiu que se não viu o corpo de Luiza é porque ela estava viva. Ele queria e precisava acreditar nisso. Entretanto os seus olhos continuaram vasculhando até onde podiam enxergar. Depois de andar por cima e por baixo das árvores, no meio das raízes retorcidas, resolveu fixa-los no meio dos galhos do cipreste que fora tombado por um raio e que estava bem perto dele. Mas nem vestígio dela. Concluiu então, para aliviar o seu coração, que ela não despencara, continuando agarrada à montanha.  Isso bastou para que a esperança se instalasse no seu coração. Podia ser até um conforto temporário, mas deu para respirar com mais tranquilidade. 

          De repente o vento, que balançava algumas árvores, e a brisa que roçava o seu rosto pararam por completo. Nem um barulho sequer era ouvido. Silêncio total naquele pedaço de mundo. E esse silêncio o incomodava. Era até assustador. Era tanto, que conseguia ouvir a sua respiração. E até a sua dor era barulhenta. Então pensou no jeito que estava. Assim não ia conseguir sair dali e nem encontrar a sua amiga. Sabia que não seria fácil erguer o seu corpo, tirar o nó que estava prendendo o seu pé e liberá-lo para voltar à posição normal. Mas como fazê-lo, tendo que usar apenas um braço?  Era um desafio enorme. De repente pensou em Deus. Pensou e questionou:

          - Poxa! Não acredito na existência de Deus e agora penso Nele! Se Ele existe, não vai querer me ajudar. Como ajudar uma pessoa que nunca acreditou na Sua existência?

 

..................Continua semana que vem!

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário