quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

A História de Helô - Parte 64



Continuando...

Helô ouviu passos e vozes. Espichou um pouquinho mais o pescoço. Finalmente, no fundo do corredor surgiu a figura do médico. Vinha acompanhado de duas pessoas que ela não conhecia. A Madre então lhe informou que se tratava de dois funcionários de uma funerária. Helô ficou observando até os três entrarem no escritório. Com um sinal da Madre Maria de Lourdes, ela rapidamente colou a orelha na porta, mas o pouco que escutou não deu para entender nada e tudo mergulhou no silêncio. Ela afastou-se e olhou para a Madre. Telepaticamente foi orientada por ela para se refugiar atrás de uma pilastra próxima, sendo protegida pela sua manta, e que esperasse. Depois disse:
        - Helô, vou melhorar um pouco mais a sua audição. Você escutou, mas não entendeu. Certo?
       - Foi isso mesmo.
          O tempo para quem tem pressa parece que engatinha. Helô estava tensa. A Madre orientou-a para que se acalmasse, senão atrapalharia a comunicação entre ambas. Então foi aos poucos colocando os nervos em ordem e, finalmente, serenou.
          Passados quinze minutos, a Madre avisa que eles estavam voltando para o escritório. Helô então correu de novo até a porta e colocou a orelha bem encostada, mas a Madre rapidamente lança um jato de luz para melhorar a audição da menina. Sentiu instantaneamente que o som fora amplificado, parecia que estava do lado da Madre Joana e do médico. Os dois conversavam meio acalorados. O médico, velho amigo do grupo, não concordava com o que a Madre dizia:
          - Wolf, Wolf! Escuta! Você tem que colocar no atestado mal súbito! Por que essa recusa agora?  Você sempre trabalhou com a gente desse jeito!
          Aí o médico retrucou:
          - Mas atestava o que realmente tinha acontecido. Agora, não! O excesso de medicamentos foi o causador do óbito! O braço dela está todo furado!
          - Mas a gente só queria acalmá-la.
          - Que acalmá-la? Você queria é matá-la e conseguiu!
          - Não. Está bem! Atravessou no meu caminho e eu atropelei! Por que está cheio de ética agora? Vamos conversar. Senta aí.
          O Dr. Wolf puxou uma cadeira e sentou-se. A Madre então abriu uma gaveta da sua escrivaninha, tirou um maço de notas de cem reais e atirou no seu colo. Na hora ela percebeu, pelo brilho do seu olhar, que ele não ia mais contestá-la, mas no mesmo instante um som de alguém tossindo invadiu o escritório. Com a rapidez de um Lince a irmã Celeste, que estava sentada ao lado da porta, levantou-se e meteu a mão na maçaneta. Helô percebeu o movimento e saiu com rapidez, escondendo-se atrás da pilastra, que logo foi encoberta pela manta da Madre Maria de Lourdes.
          A irmã Celeste ao abrir a porta  deparou-se com uma irmã já bem idosa que tossia sem parar. Ela se arrastava mais do que caminhava. Olhou-a e, com um olhar de desdém, fechou a porta sem demostrar qualquer preocupação pelo estado da anciã. Essa velhinha era nada mais nada menos que a Madre, que mudara a sua aparência e ainda se fizera visível para a irmã Celeste.
          A Madre Joana estava apreensiva. Realmente demonstrava claramente a sua preocupação. Mal a irmã Celeste fechou a porta atrás de si, perguntou:
          - E aí! Quem era a espiã, Celeste?
          - Ninguém Joana. Era só uma irmã idosa que passava. Está com uma tosse terrível. Pelo jeito que tossia, não deve passar de hoje!
          - E quem é ela?
          - Não sei. Só sei que é muito velha. Não tem problema nenhum. Não ouviu nada, senão teria corrido. Foi coincidência ter tossido bem na janela. Se quiser eu volto lá.
          - Bem velhinha? Deve ser a irmã Helena! Aquela está mais pra lá do que pra cá! Não é preciso ir lá. Confio no seu faro. Nunca errou! Vai errar agora? De jeito nenhum! Wolf, vamos concluir o negócio?
         - Está bem. Vale o risco.
         - É assim que se fala.
        A Madre Joana encerra a conversa com o médico e fala com o papa defunto:
         - Severino, o enterro é com você. Age tudo com rapidez. Leva o mais rápido possível o corpo lá pra capela, mas o enterro vai ser na cidade. 
         - Como sempre foi, não é?
- Claro! Nem sei por que falei isso.
         - Joana, e a grana?
         - Está aqui.
          Pegou um bolo de dinheiro na gaveta e jogou para o rapaz da funerária. Depois falou para a irmã Celeste:
          - Celeste, porque essa burra foi estragar tudo? Deixava o barco rolar, como as outras, e ficava tudo bem! Mas não! Foi cair de amores pela menina Helô e deu no que deu!
          - Mas Joana, será que era preciso ter apagado ela?
          - Agora não dá pra voltar atrás. Ela não resistiu. A dose foi forte, eu sei, mas agora já era! Amanhã tudo volta ao normal. Dá só uns dias e você vai ver que tudo vai cair no esquecimento. Não podemos esquecer que ela ia botar tudo a perder. Nesse tempo todo, o nosso negócio nunca teve riscos. Não ia ser agora que a gente ia ficar na corda bamba.  Não é, Doutor?
          - Claro,  Mirna.
          - O que é isso, Wolf? Madre Joana!
          - Claro,  Madre Joana.
          - Wolf não esqueça que você faz parte disso tudo! E sempre recebeu muito bem para não perguntar nada! Não deve e não pode questionar!
          - Eu sei. A preocupação é se surgir alguma desconfiança. Se alguém questionar o atestado, vai ficar ruim pra mim.
         - Quem vai questionar? E se questionar, você está dentro do barco! Não tem essa de ruim pra mim! Se tiver ruim, é pra todo mundo!
         - Você está certa, Joana.
         - Relaxa, doutor! Tudo sempre funcionou às mil maravilhas! Esqueceu as meninas que morreram aqui? Você as tirou daqui e ninguém ficou sabendo. Foram para a sua clínica e de lá para o cemitério. Teve algum problema? Há quantos anos trabalhamos nisso? Nunca deu errado.
          - Mas as meninas morreram em consequência do parto.
          - E você vai continuar justificando? Para com isso e vai embora! Já está com a grana!
O doutor, que já estava com o dinheiro no bolso, tomou o caminho da rua. Nem chamou os amigos para acompanhá-lo, já que eles ainda estavam preparando o corpo para levá-lo para a capela. 
..............Continua semana que vem!

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