quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Pensamento de Poeta - A culpa é das Lagartas e dos Coelhos



A CULPA É DAS LAGARTAS E DOS COELHOS

José Timotheo

         As manhãs acordavam incomodadas: nada de sol. Era todo dia a mesma coisa. As quatros estações pareciam uma só. Pelo menos até às nove da manhã era o mesmo cenário e isso nunca mudou. 
         Do alto da serra escorria uma fumaça esbranquiçada, quase transparente, que vinha vagarosa e pegajosa lambendo cada cabeça de gado que encontrava pelo caminho, só perdendo força ao chegar nas proximidades das pocilgas. Mas o porco, ao enxergar o bafo gelado que descia da montanha, enfiava a cara na tina de ração e deixava que a névoa se dissipasse pelo pasto que o rodeava. Mas antes, entrava por dentro do galinheiro, fazendo com os galos engolissem os seus cocorocós e, em seguida, metessem a cabeça debaixo das galinhas. 
          Ali era sempre assim. Até o sol tomar conta daquele pedaço, a fumaça já tinha feito a sua festa. No início da minha chegada por aquelas bandas, achava a coisa mais linda do mundo. Mas depois que o tempo foi passando, fui ficando incomodado. Fui até obrigado a usar chapéu, uma coisa que eu nunca gostei, porque quando entrava no meio do nevoeiro, saía com a cabeça encharcada e gosmenta. E também com o cérebro tão gelado, que parecia que meus pensamentos congelavam. 
          Comprei o sítio na roça para curtir a natureza. Interior mesmo! O vizinho mais próximo, ficava a, mais ou menos, dois quilômetros de distância.  Quer coisa mais gostosa do que essa: não ter gente colado em você, vigiando os seus passos, xeretando a sua vida? É o paraíso! Já pensou poder ficar sossegado, comer verduras e legumes frescos plantados por você mesmo? Pensando nisso fiz uma horta, cheio de orgulho, para comer alface, cenoura, couve, brócolis, etc. Tudo fresquinho e sem agrotóxico.  Acompanhei o crescimento das hortaliças nos dias que lá fiquei. Emocionante. Só que tive que voltar para a cidade. E ali fiquei um bom tempo. Quando retornei para o sítio queria fazer a colheita do que plantara. 
          A horta ficava numa parte mais alta do terreno. Na primeira vez, subi emocionado. Quando olhei para os canteiros, decepção total: quase todos vazios. O que sobrara a lagarta já tinha comido quase tudo.  Cadê a alface, a couve, a brócolis e a cenoura que semeara com tanto carinho? Olhava com uma tristeza profunda. Mas de repente percebi que os pés de cenouras ainda tinham alguns talos verdinhos. Emocionei-me. Percebi então que à   esperança ainda não tinha ido embora. Mas sem otimismo exagerado, pois a quantidade de pés de cenouras não era muita, mas daria para matar a minha sede de agrotóxico zero. Estava realmente emocionado. O que fazer? Não perguntei duas vezes, fui lá e puxei o primeiro pé: sem a cenoura. Fui para o segundo: também nada de cenoura. A alegria foi sumindo da minha cara. Mas não desisti e fui até o último pé que tinha sobrado: e nada de cenoura. A decepção esbofeteou-me a cara. Quase chorei. Desci o morro arrastando a esperança, que tinha despencado numa ribanceira e parecia agonizante. Chequei na cozinha, onde a minha mulher esperava-me para fazermos o almoço, com as mãos abanando. 
          Os vizinhos distantes diziam que eram os coelhos selvagens que as devoravam, só deixando a parte superior intacta. Disso, tenho minhas dúvidas. Coelho usa faca para tirar a cenoura? Estranho que até hoje nunca vi um coelho sequer zanzando pelo terreno. Mas tenho que engolir a política da boa vizinhança. Sorri para a minha mulher e fui até o supermercado mais próximo. (Longe pra cacete!)  Até hoje, para viver de bem com a terra, deixei de lado os canteiros de hortaliças e legumes. Compro tudo com agrotóxico, que eu colho sem me preocupar com as lagartas e os coelhos selvagens, que já foram extintos há muitos e muitos anos atrás na região.
                                                            fim 

6 comentários:

  1. Timotheo gostei demais deste texto. Vou ler com Miguel semana que vem quando estarei em Friburgo próximo ao cenário desta deliciosa história. Parabéns! Eu me transportei para este cenário!

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    1. Obrigado Bete por visitar o nosso blog. Acesse sempre. Grande abraço, minha querida amiga.

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  2. Timotheo, fui viajando com seu texto visualizando cada pedacinho do terreno!
    Adorei! Gostei muito! Parabéns!

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    1. Obrigado Aíta. Valeu mesmo. Visite sempre o nosso blog, é muito importante a sua avaliação.
      Abç

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    1. Obrigado meu irmão. Foi muito importante a sua visita ao nosso blog.
      Grande abraço

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