terça-feira, 26 de novembro de 2019

A História de Helô - Parte 59



Continuando...

          O grito era da irmã Celeste que chegava atropelando a própria sombra. Espumando de raiva, sem falar uma palavra sequer com Helô, pegou Amélia pelo braço e puxou-a do banco com violência. A irmã Amélia ficou de pé, mas parecia que ia morrer por falta de ar. A truculenta irmã Celeste não estava nem aí para a saúde dela. Era uma pessoa isenta de compaixão e pra completar essa barbaridade, foi arrastando-a pelo corredor sob uma chuva de palavras chulas. A pobre coitada mal se sustentava em pé. Ia aos trancos e barrancos presa nas garras de um animal feroz. Isso tudo aconteceu tão rápido, que Helô ficou sem ação. Só viu a irmã Amélia ser levada e arrastada pelos braços musculosos da irmã Celeste, em direção à enfermaria. Ficou triste, pois não conseguiu ajudá-la. Aquele quadro já estava pintado dentro da sua cabeça. Como esquecer? Cada momento, cada cena os seus olhos registraram. O que fazer? Ela não sabia. Amélia foi até a porta da enfermaria sem dar um pio, mas de repente ela se segurou no portal e abriu os pulmões com uma saraivada.  Helô  ainda conseguiu ouvir algumas das palavras que a irmã Amélia gritava:
          - Eu vou contar tudo! Vou contar tudo que sei! Me deixa! Me deixa!
          A voz de Amélia ia perdendo força, até sumir por completo. Helô assistia aquilo tudo sem conseguir reagir. Só conseguiu ter alguma reação, minutos depois, aí já era tarde. Mesmo assim correu até a porta da enfermaria, mas foi barrada pela irmã Celeste, que apresentou como justificativa para o comportamento de Amélia uma crise nervosa, mas que não precisava se preocupar, pois ela fora medicada e passava bem. Helô insistiu, mas teve como resposta a porta fechada na sua cara.
          Uma semana escoou-se sem que Helô tivesse alguma notícia concreta do estado de saúde da sua mãezinha. O que chegava, não esclarecia nada. Nem a irmã Gertrudes conseguiu saber alguma coisa. Helô então se lembrou, mais uma vez, da Madre Maria de Lourdes. De repente, dessa vez, talvez ela a escutasse e desse alguma notícia da irmã Amélia. Mal começou a pensar e a imagem desenhou-se na sua cabeça. Não conseguiu ver a Madre como sempre a via: como se fosse uma pessoa de carne e osso. Dessa vez ela estava dentro da sua cabeça. Entendeu que ela poderia estar em alguma missão longe dali. Então tentou fazer uma conexão com ela e telepaticamente pediu socorro.
          - Madre! Por favor! Estou angustiada! Preciso da senhora! Dê-me alguma notícia da irmã Amélia! Por favor, Madre!
          Imediatamente o socorro chegou. Uma voz doce, já tão sua conhecida, pousou no seu ouvido e disse:
          - Minha filha, não fique tão amargurada. Tente manter o equilíbrio. O nervosismo é um grande inimigo. Ele não permite que raciocinemos com clareza. Precisamos ter fé. Eleve a Deus uma prece e peça o que você  está querendo.  Com certeza ele vai mandar o socorro que você precisa. Deus está sempre pronto a nos escutar.
          - Madre, eu sei que Deus é bom e paciente com todos nós, mas eu me esqueço de pedir ajuda a Ele. Eu estou angustiada. Não consigo nenhuma notícia da irmã Amélia.
          - Mantenha a calma. Eu vou falar o que me é permitido dizer. O sofrimento da irmã Amélia está próximo de acabar. É uma questão de tempo. Ela já sofreu tudo que tinha pra sofrer e heroicamente. Vai ficar tudo bem. Reze bastante. Peça a Deus por ela. De repente ela irá dormir e, quando abrir os olhos, os seus sofrimentos tiveram fim. A sua oração vai ser muito boa para ela: vai fortalecê-la. Fique com Deus.
          Helô ficou tão envolvida com as palavras da Madre que, quando pensou em falar alguma coisa, ela já tinha sumido da sua cabeça. Ela foi, entretanto deixou-a muito mais calma e esperançosa. De repente uma leveza foi tomando conta do seu corpo. Parecia que estava sendo levantada do chão. Ela olhou para baixo e a viu em pé. Não conseguiu entender o que estava acontecendo. O que fazia ali em cima e no mesmo instante lá embaixo?  Bastou questionar e num flash se viu na cabeceira da cama da irmã Amélia. Do outro lado estava a Madre Maria de Lourdes. Tentou falar, mas foi levada de volta para o lugar de onde tinha saído. – O que foi isso? – perguntou com um tom de espanto na voz. Respirou fundo e depois lembrou-se do que a Madre tinha falado: o sofrimento está chegando ao fim. Foi como um agasalho para uma alma nua.
          Nos dias que se seguiram, mesmo sem nenhuma informação sobre Amélia, Helô suportava aquele afastamento com mais serenidade. Só pelo fato dela ter-se sentido do lado da sua mãezinha bastou para que acalmasse o seu espírito, mas uma coisa ainda não saía da sua cabeça, que eram as últimas palavras de Amélia: - Eu vou contar tudo! – contar tudo o quê? Pensou, pensou, mas não conseguiu descobrir o que era esse grito.
           As engrenagens do tempo não param. O final de mais um ano se aproximava e o aniversário de Helô também. Ela começou a pensar que ao completar dezoito anos ia ter que sair dali. Isso fez com que voltasse a ficar tensa. Além, é claro, do sumiço da irmã Amélia. As notícias dela apenas pingavam e eram sempre as mesmas: a crise nervosa está difícil de ser controlada, e o único jeito, diziam, é mantê-la sedada. Helô não queria só notícias, queria vê-la, mas isso estava difícil de acontecer. Tinha uma barreira intransponível chamada irmã Celeste.
          O nervosismo de Helô não tinha como causa apenas a irmã Amélia e seus dezoito anos. Com certeza a contribuição maior era o sumiço do delegado Rodolfo, que com isso fez com que ela voltasse a ficar triste pelos cantos.
          A segunda quinzena de novembro chegou. Helô estava sentada no mesmo banco de sempre. Olhava para o portão, mas já começava a ficar desesperançada. Há mais de um mês esperava o delegado entrar por aquele portão, mas nada disso acontecia. Estava preocupada. A cabeça dela dividia os pensamentos entre o delegado e a irmã Amélia. A tensão era grande. Pensou até em tirar Amélia de dentro da enfermaria. Sabia que pela porta principal ia ser praticamente impossível. Então arquitetou o sequestro entrando pela gruta. Como tinha todos os cômodos desenhados dentro da sua cabeça, foi, em pensamento, passando de um quarto para o outro até chegar ao do arquivo. Quando lá chegou, veio a decepção: para chegar à enfermaria ia ter que passar pelo escritório da Madre Joana, depois pegar um corredor até chegar lá. Nesse trajeto, ainda tinha a barreira de proteção formada pelos pit bulls da Madre Joana. Aí teve que rasgar a ideia e jogar no lixo.  
Continua semana que vem...

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