terça-feira, 28 de maio de 2019

A História de Helô - Parte 34


Continuando...

        
          Num piscar de olhos, sem ninguém ouvir seus movimentos, Helô já estava do lado de fora a caminho do refeitório.
          O corredor ainda estava com pouco movimento. Eram pouquíssimas crianças circulando, mas onde passava Helô arrebanhava quem estivesse pelo caminho e assim sempre foi. A sua liderança era inconteste. Naquele momento era a mais velha que estava de pé, mas mesmo se as de sua idade estivessem por ali, com certeza estariam do seu lado.
          Helô com seus dezessete anos já era uma mulher feita. Quando caminhava, pisava doce. Parecia que não queria machucar o chão. A sua meiguice cativava a todos, só não tinha cem por cento de simpatia porque a Madre Joana de Maria era a única nota dissonante. A aprovação era quase cem por cento.
       A porta de entrada do refeitório estava com algumas crianças. Com certeza esperavam Helô para entrarem junto com ela, que antes de tomar o seu café ainda tinha que dar o seu bom dia especial que consistia em ter que beijar todo mundo, inclusive as irmãs que tomavam conta da cozinha. Isso era feito diariamente, porém ela jamais se chateava. A única incomodada era a Madre Joana de Maria que, entretanto, com o tempo, preferiu engolir a liderança da “menina Helô”, como ela a chamava. Na verdade foi uma estratégia. Achou melhor cozinhá-la em banho-maria. Parecia que não se incomodava com aquilo, mas punia a menina quando maltratava a irmã Amélia. A Madre tinha uma frustração: nunca tinha conseguido punir Helô diretamente. Muitas vezes até arquitetou algum tipo de maldade, entretanto não conseguia concretizar o seu plano doentio. Sempre, na hora H, sentia-se impotente para executar o tal castigo. Depois de alguns dias, quando pensava que tinha falhado, ficava revoltada, porém jamais entendeu porque nunca concretizara o seu intento. Depois de muito pensar, decidiu que ia esperar Helô completar dezoito anos, pois aí sim ninguém atrapalharia o destino que tinha reservado para ela. – Nem Deus! – dizia.
          Por trás dos fracassos da Madre Joana estava a Madre Maria de Lourdes. Como tinha permissão para intervir, fazia perfeitamente a Madre Joana recuar dos seus planos doentios e assim Helô conseguia passar por tempestades e sair ilesa. Já a irmã Amélia não tinha essa mesma proteção, pois a entidade não podia fazer quase nada por ela. O socorro imediato consistia em envolvê-la em fluidos positivos e deixá-la mais forte para suportar as tribulações do dia a dia e, ainda, colocar uma almofadinha no ombro para aliviar o peso da cruz. A injeção de ânimo, na maioria das vezes, era feita na hora que estava dormindo.  Nesse horário a Madre Maria de Lourdes podia conversar com Amélia, momento esse que o espírito pode até se afastar do corpo.  Normalmente, na manhã seguinte, ela acordava pronta para os embates diários.
          Helô tomou o seu café matinal um pouco mais rápido do que o de costume. Procurou sair calmamente para não levantar qualquer suspeita. Chegou ao alojamento, abriu a porta o mais silenciosamente possível e entrou pé ante pé para não acordar as suas amigas. Parou no meio do alojamento e olhou rapidamente para as camas para ver se tinha alguém acordando. Percebeu que todas as meninas ressonavam. Dirigiu-se ao banheiro, escovou os dentes e saiu novamente. Já do lado de fora, antes de se dirigir ao pomar, deu uma olhada geral para ver se tinha alguém nas imediações. Viu que vinha alguém. Rapidamente identificou que era a irmã Gertrudes e, como sempre, caminhava morosamente. Já próxima, Helô percebeu que não fora notada por ela, mesmo assim resolveu esperá-la. Procurou postar-se bem no meio do corredor e aguardou, mas, para sua surpresa, a irmã passou pelo seu lado e não deu a mínima para ela. Com um sorriso nos lábios, ainda a acompanhou até que sumisse no final do corredor. Era um sorriso de incredulidade, com certeza. Deu um muxoxo e pensou:
          - Ih! Como pode a irmã Gertrudes não me ver? Passou do meu lado e me ignorou! Nunca a vi tão desligada assim, meu Deus! O que deu nela?
           Acabou de quase externar seu pensamento, virou-se com a intenção de ir para o pomar, mas deu de cara com a Madre Maria de Lourdes. Assustou-se, mas assim mesmo sorriu. A Madre então retribuiu o sorriso e num gesto rápido recolheu a capa que a envolvia. Aí é que Helô entendeu porque não foi vista pela irmã e falou em pensamento:
          - Puxa, irmã! Tinha-me esquecido por completo que a senhora podia me deixar invisível! Se eu contar isso por aí, ninguém vai acreditar!
          - E não vai mesmo! Onde já se viu alguém ficar invisível! Para quem você contar, vai correr o risco de ele chegar mais à frente e comentar: coitada da Helô, ela não está batendo bem da cabeça! Acho que está lelé!
           - Sem exagero, Madre, sem exagero! A senhora pensa que vou arriscar comentar isso? De jeito nenhum! Eu sei que o que acontece é real, mas as pessoas estão longe de entender esses efeitos! Eu hein! Eu falo e cai nos ouvidos da Madre! Ela manda me internar na hora! Falo nada!
          - Acho melhor. E agora vamos ao trabalho? Está pronta?
          - Sim. Prontíssima!
           Em frações de segundos, as duas já estão na entrada da gruta. Helô olhou para o interior e já viu tudo iluminado. Algumas entidades socorristas movimentam-se no ambiente. Ela vai entrando como se tivesse na sala de casa, passa por elas e consegue até se comunicar mentalmente. O medo já tinha ido embora.  A Madre observa aquilo tudo satisfeita com o avanço da sua pupila.
          As duas pararam em frente da rosa vermelha. Helô executou os mesmo procedimentos de antes. Com a porta já escancarada, ela entrou na sala cautelosamente, olhou de um lado para o outro, aí suspirou aliviada ao confirmar que o ambiente estava livre de entidades pouco esclarecidas. A Madre para em frente da porta que dá para o outro cômodo e pede para Helô esperar. Entra, faz uma limpeza no ambiente e em poucos segundos já está de volta. Com tudo em ordem, sinaliza para Helô abrir a porta. Ela então gira a maçaneta, mas sempre com algum grau de precaução, e deixa que a porta se abra sozinha. A Madre mentalmente pede que ela a siga:
          - Venha, Helô. Quando eu penso que o medo ficou no passado, ele volta! Venha! Deixe o medo aí nessa sala. Quando voltarmos, se você quiser, pegue-o de volta, mas agora venha.
          Helô foi entrando lentamente, mas logo depois do segundo passo parou. Colocou a mão no nariz porque não conseguia respirar. O ar que tomava conta daquela sala estava irrespirável e, mesmo com a mão cobrindo o nariz, não houve nenhum resultado. A Madre que estava à sua frente iluminava a sala. Helô não estava com muita coragem de dar um passo sequer. De onde se encontrava rodou o olhar em torno e viu que dos dois lados tinham várias camas enfileiradas. Tentou dar mais um passo, mas no mesmo instante sentiu um mal-estar. Aquele cheiro de mofo misturado com medicamento entrava pelas suas narinas deixando-a com vontade de vomitar. A Madre Maria de Lourdes percebeu e num gesto de mão conseguiu tirar aquele ar pesado, trazendo um ar puro que entrou pelo nariz de Helô devolvendo-lhe a harmonia física e espiritual. Era um bálsamo, parecia que estava respirando um medicamento e estava mesmo. Ela percebeu isso logo que os batimentos cardíacos voltaram ao normal e, também, quando subitamente a pontinha de medo, que pensou ser receio, evaporou,  tanto que descolou os pés do chão e foi caminhando livremente ao lado das camas vazias.  
................Continua semana que vem!

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