quinta-feira, 16 de maio de 2019

A História de Helô - Parte 32



Continuando...

        


          Uma brisa suave e perfumada começou a rodear Helô. Lembrou-se da Madre Maria de Lourdes e num piscar de olhos já se formava na sua frente a silhueta da entidade. Ela a reconheceu mesmo sem estar com os traços definidos. Alguns segundos depois, e a Madre apareceu-lhe como se estivesse viva na carne. Como sempre, trazia um sorriso estampado que se espalhava por todo o rosto. Não sorria só com os lábios, era um sorrir por inteiro. A imagem flutuava, trazia na mão direita um pássaro que brilhava como um sol. Fez um pequeno movimento de braço e a ave alçou voo, deixando um rastro de luz que sumiu no infinito. O seu canto ainda continuou a ecoar até ser absolvido pela manhã que nascia.
          O silêncio de Helô e da entidade permaneceu até o canto esmaecer. A menina, de tão embevecida, não conseguia se libertar do seu mutismo. A Madre então, já com os pés no chão, abriu os braços e envolveu-a num abraço fraterno. Depois sussurrou no seu ouvido:
          - Minha filha, sinta-se abraçada pelo céu. Esse abraço não é só meu, é de muitos que a amam. Feliz aniversário, Helô! Que a paz do Criador a acompanhe sempre.
          Helô conseguiu sair do estado de êxtase que se encontrava. Pisou novamente na terra, olhou para a entidade e, mesmo assim, não conseguiu falar nada. As lágrimas rolavam pelo seu rosto em abundância. Era tanta alegria que não tinha recordação de já ter sentido com tanta intensidade em algum momento da sua vida.
         A Madre Maria de Lourdes esperava que a emoção, que transbordava do coração de Helô, serenasse. Isso se deu ao cabo de alguns minutos. Os batimentos cardíacos voltaram ao normal. Helô então respirou fundo e disse:
          - Puxa, irmã, muito obrigada, mas eu pensei que fosse morrer de tanta felicidade! Madre, que pássaro é aquele?
          - É uma ave de luz. São poucas as pessoas que podem vê-la e ouví-la.
          - Mas como eu pude vê-la?
         - Oh! Minha filha, você é especial!
         - Puxa! Estou emocionada!
         A entidade voltou a abraçá-la novamente e carinhosamente disse:
         - Minha filha,  estou muito feliz com você. Fico sempre emocionada quando estou do seu lado. Não pense que quando me afasto não estou com você. Tomo conta do seu dia e do seu sono.  Não deixo nenhuma mancha escura aproximar-se, mas isso não é mérito meu. Se você não tivesse o pensamento saudável, eu nada poderia fazer. Continue desejando coisas boas para todas as pessoas, mesmo para aquelas que estão num estado de ignorância. Agora... Hoje é o dia do seu aniversário. Vai comemorar! Tem surpresa pra você!
        - A senhora também? Que surpresa é essa?
        - Surpresa é surpresa! Não posso falar, mas é uma surpresa boa!
        - Puxa! Vou ficar sem saber!
         - Na hora você vai ver!
         - O que fazer, né?
        - Helô, amanhã recomeçaremos as investigações. Logo pela manhã nos falamos. Tudo bem?
          - Tudo bem! Já estava sentindo falta! Tentei ir sozinha, mas não consegui entrar na gruta.
         - Eu sei. Eu que fiz você desistir. Não ia ser bom. Ia acabar atrapalhando as investigações. Tudo tem seu tempo e sua hora. Amanhã a gente se fala. Fique com Deus!
          A Madre Maria de Lourdes acabou de falar e foi desaparecendo das vistas de Helô. Ela ainda ficou por algum tempo ali parada, respirando o ar que vinha da mata próxima misturado com um perfume deixado pela entidade.
         A manhã realmente começou quando o sol passou pelas frestas da janela. Em fração de segundos, as meninas já estavam de pé. Um corre- corre como nunca se viu instalou-se no alojamento. Rapidamente já estavam todas arrumadas, prontas para tomar café. Helô olhava aquela correria toda e não entendia o porquê daquilo tudo. Sentou-se na cama e ficou de espectadora. Esperou que as coisas se acalmassem para poder entrar no banheiro e usá-lo com calma. As colegas iam passando por ela, davam bom dia e saíam rapidamente do alojamento. Achou estranho ninguém esperá-la e, mais ainda, não se lembrar do seu aniversário. Um lampejo de tristeza perpassou pelo seu rosto, mas logo logo foi embora. - Esquecer é normal. – pensou ela.
          Ela finalmente tinha se arrumado e pronta para o seu dejejum. Há muito tempo que não ficava sozinha. Saiu pelo corredor deserto. Um silêncio tão silencioso que ouviu até a sua respiração. – Dizem que esse silêncio é o silêncio da morte. – pensou. Pensou e sentiu um tremor, mas em seguida já estava bem novamente pois lembrou do café e o ânimo voltou. Chegou próximo do refeitório e pela primeira vez a luz que iluminava a entrada estava apagada. Aquilo era muito estranho. Tudo na penumbra e, para completar, a porta fechada. Ela parou e ficou sem saber o que fazer. Nunca tinha acontecido isso antes. Se estivesse fora do horário, tudo bem, mas esse não era o caso. Olhou para um lado e para o outro e depois meteu a mão na maçaneta e girou-a. A porta foi-se abrindo lentamente. Quando adentrou o refeitório, todas as luzes se acenderam e “parabéns pra você” ecoou no salão.
          A emoção tomou conta de Helô. Seus olhos já estavam banhados de lágrimas. Custou a tomar de volta as rédeas do coração. Enxugou os olhos e esticou o olhar pelo salão. Não tinha certeza, mas achava que desde que a Madre Joana assumira a direção do convento nunca tinha havido qualquer festejo por ali.
          Um grande bolo estava no meio do refeitório, numa mesa enfeitada com doces variados. O salão estava apinhado de crianças, adolescentes e adultos. Helô emocionada olhava todos com um sorriso de gratidão nos lábios. As irmãs Amélia e Gertrudes vieram ao seu encontro e abraçaram-na. Ficaram as três chorando enquanto todos aplaudiam.
        Helô caminhava devagar, ainda trêmula, mas foi de um em um agradecendo pela surpresa, só faltou a Madre Joana de Maria. Mesmo sabedora que não era por ela estimada, devia esse agradecimento pois só houve a festa com o seu consentimento. Depois do encerramento do festejo, sentou-se com a irmã Amélia num banco do jardim, longe das vistas de todos, e segredou-lhe:
          - Mãezinha, fiquei muito feliz com a surpresa. Sei que só pode ter partido da senhora e da Irmã Gertrudes, não foi?
          Amélia balançou afirmativamente a cabeça, confirmando. Helô então prosseguiu:
          - Mas a festa aconteceu porque a Madre autorizou, não foi?
         Novamente Amélia confirmou mais essa pergunta. Com a afirmativa, ela parou por alguns segundos, pensativa. Em seguida falou:
          - Mãezinha,  vou até o escritório da Madre para agradecer.
          A irmã Amélia ficou vermelha. Segurou a mão de Helô com força. Estava trêmula. Em seguida começou a brotar um suor. Queria falar, mas parecia que estava engasgada já que som nenhum saía da sua boca. Helô, com expressão preocupada, perguntou:
          - Mãezinha, o que está havendo? Está sentindo alguma coisa?
          A irmã Amélia com os olhos arregalados continuava sem nada dizer. Helô então puxou a sua mão, que estava presa pela dela, e sacudiu-a com a intenção de tirá-la daquele estado. Custou, mas Amélia foi voltando ao normal. De imediato, falar não falou, mas lágrimas escorreram em abundância pela sua face. Parecia um desabafo, e era. Helô entendeu o seu estado e esperou que derramasse toda lágrima que estava represada. Depois de alguns minutos em silêncio, Amélia abraçou-a e disse, procurando falar baixo:
        - Minha menina, não vá. Aquilo é o demônio em pessoa. Já sofri muito naquelas mãos. Não quero isso pra você.
       - Mas o que ela fez com a senhora?
       - Não se preocupe. Só não quero que ela se chegue a você. Não vá.
       - Eu só vou agradecer.
       - Não precisa, já agradeci. Agora vá para a sua aula. Não vamos dar motivos para qualquer represália dela. Você sabe como ela é.
         Helô já tinha levantado e Amélia, ainda sentada, pegou-a novamente pela mão e disse:
        - Minha filha, eu já lhe falei uma vez e vou repetir de novo: nós vamos sair daqui antes de você completar dezoito anos. Esse é um segredo nosso,  só nosso. Acredita nisso.
.............Continua semana que vem!

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