Continuando...
Só que o segredo já não era assim tão
segredo. Escondida atrás de uma pilastra, a poucos metros, estava uma espiã da
Madre Joana de Maria, a irmã Arminda, uma de suas escudeiras. Satisfeita com o
que tinha ouvido, saiu sorrateiramente.
Helô puxou a sua mãezinha e saíram
abraçadas. Foram caminhando sem pressa até a porta da sala de aula. Antes de
entrar, Helô deu um beijo na bochecha avermelhada de Amélia e depois falou
baixinho na sua orelha: - Eu a amo, mãezinha. – falou e entrou na sala de aula.
Amélia ficou com um nó na garganta e não conseguiu falar nada. Foi caminhando
pelo corredor e de vez em quando enxugava uma lágrima que descia pelo rosto.
O dia correu bem para Helô. Estava
feliz com a surpresa, mas para a irmã Amélia a coisa ficou ruim. Quando caminhava
pelo corredor em direção à biblioteca, logo depois de tê-la deixado, foi
interceptada bruscamente pela irmã Arminda que, parecendo estar possuída por
alguma coisa ruim, agarrou-lhe o braço violentamente com uma das mãos e, com a
outra, tapou-lhe a boca. Em seguida, empurrou-a raivosamente para dentro de uma
sala. A irmã Amélia quase morreu de dor. Teve a sensação de que o braço lhe
fora arrancado do corpo. Estava em petição de miséria, com hematomas
generalizados. O grito não conseguiu sair, mas o olhar era de puro pavor. Encarava-a
apenas e mesmo com a boca já liberada da mão gorducha, não conseguiu emitir
qualquer som. A dor já devia estar no estômago. Amélia estava imprensada na
parede por sua algoz. Ela a olhava com ódio, destilava veneno e falava entre
dentes:
- Sua desgraçada! Acho que você
está querendo morrer mesmo! Escute bem, sua vaca! Se tirar essa menina daqui, você
vai pagar caro! A Madre vai ficar com tanta raiva, tanta que é bem provável ela
rasgar suas entranhas! Vamos para a sala dela, agora! E sem nenhum ai!
A irmã Amélia pensou em argumentar,
mas a sua voz era prisioneira do medo. Tremia mais do que vara verde. De
antemão tinha consciência que ia passar uns maus bocados nas mãos da Madre
Joana. Comparando com o que passara com a irmã Arminda, com certeza veria o
inferno. Arrepiou-se só em pensar. Ela
conhecia bem a Madre e sabia que corria até risco de vida. Não encontrou um
caminho para se defender. Nem tentar deveria, pois a irmã Arminda tinha ouvido
a conversa dela com Helô. Como não achou nenhuma saída, só restou chorar e, sem
qualquer resistência, acompanhou a irmã Arminda até a presença da Madre Joana
de Maria.
Numa cadeira afastada da mesa da
Madre, a irmã Amélia a observava. Depois de mais de uma hora que estava ali,
morrendo de medo, sem saber o que aconteceria com ela, foi que a Madre, que se mantivera
em silêncio desde a sua chegada, esticou um olhar e mirou-a de cima a baixo, entretanto
nada falou. Continuou escrevendo alguma coisa, como se aquilo fosse mais
importante do que a pessoa que estava à sua frente.
Os ponteiros do relógio de parede
escorregavam incansavelmente pelo mostrador. Amélia já estava mais esgotada do que
com medo. O seu abatimento era visível e a Madre continuava como se nada
tivesse acontecido. De repente, quebrando o silêncio da sala, uma porta rangeu
do lado da irmã Amélia, que aparentemente nada percebeu, mas só deu algum sinal
de vida quando a porta bateu na sua cadeira e ela levantou timidamente a
cabeça. Atrás de si surgiram duas irmãs, com o porte avantajado, parecendo mais
com lutadoras de MMA. Aí então a Madre
levantou-se da cadeira e dirigiu-se até a irmã Amélia, que neste momento estava
novamente com a cabeça arriada. Postou-se à sua frente, pegou-lhe o queixo e empurrando-o
para cima, levantou-lhe a cabeça. Depois dirigiu-lhe um olhar frio, dentro dos seus
olhos. O tempo que assim ficou, para Amélia, beirou a eternidade, mas para a
Madre não, aquilo não passou de meros segundos. Todo o sofrimento que bebia das
pessoas era sempre pouco. Nunca estava satisfeita, queria sempre mais. Depois
de se deleitar com a dor de Amélia, deixou que os seus lábios descorados se
distendessem num sorriso misterioso. Se é que podemos chamar as suas contrações
labiais de sorriso, parecia mais com um cão raivoso, mostrando as suas presas
para a sua futura vítima. Em seguida espalmou a outra mão na testa da pobre
irmã indefesa e, com um movimento ríspido, bateu-lhe com a cabeça na parede. Amélia
não esboçou nenhuma reação, tinha desmaiado. A Madre quando percebeu, a
princípio ficou meio descontrolada, sacudiu-a com força pensando que estivesse
fingindo, mas uma das irmãs segurou a sua mão e disse baixinho:
- Calma, Madre. Assim vai matá-la. Ela
desmaiou. Deixe-a voltar.
As três ficaram sentadas esperando
Amélia acordar. Ao cabo de vinte minutos, finalmente abriu os olhos. Olhou de
um lado para o outro. Não estava entendendo o que tinha acontecido, mas quando
fez um movimento mais brusco, sentiu a cabeça doer. Então passou a mão no local
que estava doendo. Mal encostou a mão, sentiu que o cabelo estava molhado. Quando
recolheu a mão e olhou-a levou o maior susto a mão estava ensanguentada. Olhou
para a mesa da Madre e se deparou com três pares de olhos fixados nela. Antes
que falasse alguma coisa, a Madre interrogou-a:
- Está assustada?
- O que acontece, Madre? – respondeu
com uma pergunta.
- O que aconteceu? Você tem a cabeça
mole, hein, Amélia, mas é muito bom que tenha acordado!
A Madre falou e levantou-se. O que foi acompanhado pelas duas
irmãs. Então caminhou até a cadeira de Amélia e ameaçou-a:
- Escute bem, Amélia, se você tentar
fugir daqui com a menina Helô, você não vai viver por muito tempo. Tenha
certeza disso!
- Mas eu não...
- E você nega? Não perca seu tempo. Eu
tenho ouvidos espalhados pelo convento. Agora vou ser obrigada a te dar um bom
corretivo. Até parece que você não me conhece, Amélia! Você ainda não aprendeu?
Você é muito burra! Irmã Eva, leva essa criatura para a sala de correção.
- Madre, que sala é essa? O que é que a senhora vai fazer comigo?
A Madre não respondeu nada. Apenas
sinalizou com um gesto de cabeça e as duas irmãs arrastaram-na dali.
Logo logo, quando os primeiros raios
de sol pingaram gotas de luz pelo chão, Helô já tinha se espreguiçado. Ainda
sentada na cama deitou o olhar pelo alojamento e viu que era a única que estava
desperta, mas não era de se admirar, tendo em vista que era domingo. Era o
único dia da semana que todas as internas podiam dormir à vontade, com a
permissão da Madre Joana de Maria. Quem gostava da preguiça cobria a cabeça com
o lençol para a noite esticar-se e entrar pela manhã.
..............Continua semana que vem!
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