terça-feira, 21 de maio de 2019

A História de Helô - Parte 33



Continuando...

          Só que o segredo já não era assim tão segredo. Escondida atrás de uma pilastra, a poucos metros, estava uma espiã da Madre Joana de Maria, a irmã Arminda, uma de suas escudeiras. Satisfeita com o que tinha ouvido, saiu sorrateiramente.
         Helô puxou a sua mãezinha e saíram abraçadas. Foram caminhando sem pressa até a porta da sala de aula. Antes de entrar, Helô deu um beijo na bochecha avermelhada de Amélia e depois falou baixinho na sua orelha: - Eu a amo, mãezinha. – falou e entrou na sala de aula. Amélia ficou com um nó na garganta e não conseguiu falar nada. Foi caminhando pelo corredor e de vez em quando enxugava uma lágrima que descia pelo rosto. 
        O dia correu bem para Helô. Estava feliz com a surpresa, mas para a irmã Amélia a coisa ficou ruim. Quando caminhava pelo corredor em direção à biblioteca, logo depois de tê-la deixado, foi interceptada bruscamente pela irmã Arminda que, parecendo estar possuída por alguma coisa ruim, agarrou-lhe o braço violentamente com uma das mãos e, com a outra, tapou-lhe a boca. Em seguida, empurrou-a raivosamente para dentro de uma sala. A irmã Amélia quase morreu de dor. Teve a sensação de que o braço lhe fora arrancado do corpo. Estava em petição de miséria, com hematomas generalizados. O grito não conseguiu sair, mas o olhar era de puro pavor. Encarava-a apenas e mesmo com a boca já liberada da mão gorducha, não conseguiu emitir qualquer som. A dor já devia estar no estômago. Amélia estava imprensada na parede por sua algoz. Ela a olhava com ódio, destilava veneno e falava entre dentes:
            - Sua desgraçada! Acho que você está querendo morrer mesmo! Escute bem, sua vaca! Se tirar essa menina daqui, você vai pagar caro! A Madre vai ficar com tanta raiva, tanta que é bem provável ela rasgar suas entranhas! Vamos para a sala dela, agora! E sem nenhum ai!
          A irmã Amélia pensou em argumentar, mas a sua voz era prisioneira do medo. Tremia mais do que vara verde. De antemão tinha consciência que ia passar uns maus bocados nas mãos da Madre Joana. Comparando com o que passara com a irmã Arminda, com certeza veria o inferno.  Arrepiou-se só em pensar. Ela conhecia bem a Madre e sabia que corria até risco de vida. Não encontrou um caminho para se defender. Nem tentar deveria, pois a irmã Arminda tinha ouvido a conversa dela com Helô. Como não achou nenhuma saída, só restou chorar e, sem qualquer resistência, acompanhou a irmã Arminda até a presença da Madre Joana de Maria.
          Numa cadeira afastada da mesa da Madre, a irmã Amélia a observava. Depois de mais de uma hora que estava ali, morrendo de medo, sem saber o que aconteceria com ela, foi que a Madre, que se mantivera em silêncio desde a sua chegada, esticou um olhar e mirou-a de cima a baixo, entretanto nada falou. Continuou escrevendo alguma coisa, como se aquilo fosse mais importante do que a pessoa que estava à sua frente.
          Os ponteiros do relógio de parede escorregavam incansavelmente pelo mostrador. Amélia já estava mais esgotada do que com medo. O seu abatimento era visível e a Madre continuava como se nada tivesse acontecido. De repente, quebrando o silêncio da sala, uma porta rangeu do lado da irmã Amélia, que aparentemente nada percebeu, mas só deu algum sinal de vida quando a porta bateu na sua cadeira e ela levantou timidamente a cabeça. Atrás de si surgiram duas irmãs, com o porte avantajado, parecendo mais com lutadoras de MMA.  Aí então a Madre levantou-se da cadeira e dirigiu-se até a irmã Amélia, que neste momento estava novamente com a cabeça arriada. Postou-se à sua frente, pegou-lhe o queixo e empurrando-o para cima, levantou-lhe a cabeça. Depois dirigiu-lhe um olhar frio, dentro dos seus olhos. O tempo que assim ficou, para Amélia, beirou a eternidade, mas para a Madre não, aquilo não passou de meros segundos. Todo o sofrimento que bebia das pessoas era sempre pouco. Nunca estava satisfeita, queria sempre mais. Depois de se deleitar com a dor de Amélia, deixou que os seus lábios descorados se distendessem num sorriso misterioso. Se é que podemos chamar as suas contrações labiais de sorriso, parecia mais com um cão raivoso, mostrando as suas presas para a sua futura vítima. Em seguida espalmou a outra mão na testa da pobre irmã indefesa e, com um movimento ríspido, bateu-lhe com a cabeça na parede. Amélia não esboçou nenhuma reação, tinha desmaiado. A Madre quando percebeu, a princípio ficou meio descontrolada, sacudiu-a com força pensando que estivesse fingindo, mas uma das irmãs segurou a sua mão e disse baixinho:
         - Calma, Madre. Assim vai matá-la. Ela desmaiou. Deixe-a voltar.
         As três ficaram sentadas esperando Amélia acordar. Ao cabo de vinte minutos, finalmente abriu os olhos. Olhou de um lado para o outro. Não estava entendendo o que tinha acontecido, mas quando fez um movimento mais brusco, sentiu a cabeça doer. Então passou a mão no local que estava doendo. Mal encostou a mão, sentiu que o cabelo estava molhado. Quando recolheu a mão e olhou-a levou o maior susto a mão estava ensanguentada. Olhou para a mesa da Madre e se deparou com três pares de olhos fixados nela. Antes que falasse alguma coisa, a Madre interrogou-a:
          - Está assustada?
         - O que acontece, Madre? – respondeu com uma pergunta.
         - O que aconteceu? Você tem a cabeça mole, hein, Amélia, mas é muito bom que tenha acordado!
          A Madre falou e  levantou-se. O que foi acompanhado pelas duas irmãs. Então caminhou até a cadeira de Amélia e ameaçou-a:
         - Escute bem, Amélia, se você tentar fugir daqui com a menina Helô, você não vai viver por muito tempo. Tenha certeza disso!
         - Mas eu não...
         - E você nega? Não perca seu tempo. Eu tenho ouvidos espalhados pelo convento. Agora vou ser obrigada a te dar um bom corretivo. Até parece que você não me conhece, Amélia! Você ainda não aprendeu? Você é muito burra! Irmã Eva, leva essa criatura para a sala de correção.
         - Madre, que sala é essa?  O que é que a senhora vai fazer comigo?
         A Madre não respondeu nada. Apenas sinalizou com um gesto de cabeça e as duas irmãs arrastaram-na dali.
          Logo logo, quando os primeiros raios de sol pingaram gotas de luz pelo chão, Helô já tinha se espreguiçado. Ainda sentada na cama deitou o olhar pelo alojamento e viu que era a única que estava desperta, mas não era de se admirar, tendo em vista que era domingo. Era o único dia da semana que todas as internas podiam dormir à vontade, com a permissão da Madre Joana de Maria. Quem gostava da preguiça cobria a cabeça com o lençol para a noite esticar-se e entrar pela manhã.
..............Continua semana que vem!

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