Antes que o carcereiro
respondesse, o delegado já estava se movimentando a caminho do xadrez. Um
silêncio de pavor, medo, tristeza, suspense e o diabo a quatro, se misturou no
ar, enquanto corriam pelo corredor. PC num impulso natural, já estava atrás do
delegado. Dessa vez Lucinha acompanhou-os também. Lá chegando, esbaforidos, se
depararam com o corpo do traficante caído, mas já sem vida. No chão daquela
cela úmida, tinha acabado de morrer a única esperança, que talvez pudesse
ajudar a elucidar aqueles assassinatos em série, de pessoas com olhos azuis.
O laudo constatou, algum tempo
depois, que o prisioneiro tinha se suicidado usando cianureto. Na autópsia
descobriu-se que o veneno estava no dente. Técnica usada pelos prisioneiros
nazistas, depois da segunda grande guerra mundial, que se suicidavam atrás das
grades, antes do julgamento por crime de guerra.
Foi aberto inquérito, mas nada foi
comprovado se houve ou não algum envolvimento de pessoas interna ou externa com
o episódio. A pasta foi fechada e o inquérito encerrado.
Depois desse episódio, na redação do
jornal, Souza observou que PC estava parado, sem nada produzir. Desde cedo que
não digitava uma linha sequer no computador. Tinha material suficiente para
começar o dia, antes de sair na sua tradicional ronda pelas delegacias. Mas
nada fazia. Estava com o olhar perdido. Souza dá um sorriso e pergunta:
- PC! Ô cara, o que é que está
acontecendo? Tá viajando?
Ele responde, mas sério:
- Chefe, estava quase em órbita!
Estou ficando com medo de pirar!
- Calma. Tem que ter muita
tranquilidade para resolver esse problema. Qualquer dia as coisas clareiam. Eu
sei que não é fácil não, a situação que você está passando. Mas estamos aqui
para ajudar. Pode contar comigo.
- Eu sei Souza. E agradeço pela sua
amizade. Sei que posso contar com você sempre. Mas... Sabe quantos já foram
assassinados: dezoito, contando com o de ontem. Porque hoje pode aparecer mais
um. Agora, pelo andar da carruagem, esse décimo nono pode ser eu. E eu não
estou querendo estrar para essa estatística. Não quero de jeito nenhum ser o
número dezenove. Agora chefe, eu tenho ou não que ficar em órbita?
Souza fica pensando por alguns
minutos, antes de responder. A verdade é que não sabia o que falar para o
amigo. Ele olha para a gaveta da sua mesa, que estava aberta, e pega um
envelope. Vira ele na mão, mas depois fala:
- É PC, a sua situação não é nada
confortável. Mas podemos tentar melhorar um pouquinho. Estou aqui com um
material pra você redigir. É nota social. Pega aqui. É um convite.
Ele se levanta, pega o envelope e lê
o nome do remetente: - L.W. Rich? Não é o velho milionário
excêntrico, chefe?
Com o envelope na mão, faz a
pergunta, mas volta para a sua mesa.
- Não tenho certeza. Mas esse nome soa
familiar. – responde Souza.
PC para pensativo e depois
fala:
- Se não me engano, ele ficou fora do
Brasil bastante tempo. Fez muitas festas boas. Um pouco antes de você pegar a
chefia, fomos juntos. Lembra? Parecia um castelo!
Com essa informação, Souza consegue
se lembrar da pessoa.
- Agora me lembro! Ele não estava nos
Estados Unidos?
- Isso! Isso mesmo! Eu acho que já se
vão dez anos! Se lembra daquelas festas na década de 1980? Acho que ele saiu de
cena em 1995. Foi à última. Era uma
semana de festas! Dê arromba! Ele era muito doido! Convidava mendigos,
políticos, médicos, advogados, jornalistas, - é claro!-, e mais uma porção de
gente. Era uma mistura de raça, credo, posição social... Eu fui, pelo menos,
duas vezes nessas festas. E...
Lucinha interrompe o que PC ia
falar e comenta:
- Sabe que mamãe me disse que ele e
papai eram amigos de infância?
- Então o seu pai era um tremendo
loucão!
- Que louco o quê! Até hoje, meu velho
é muito comportado! Ele não ia nessas festas loucas, não!
Enquanto os dois conversam, Souza
apanha outro envelope na gaveta e fala para o amigo:
- PC, tem um convite aqui destinado a
você. Personalizado. Está com prestígio, cara! Pega aqui!
Ele se levanta novamente e vai até
a mesa do chefe. Pega o envelope, abre e lê o seu conteúdo. Dá um sorriso e
diz:
- Aí. É do cara mesmo. É igualzinho.
A festa é sábado agora. Estranho.
- Estranho o quê?
- Souza, um convite só pra mim? Esse
outro convite é extensivo para todos os repórteres, inclusive eu. Então não
tinha necessidade desse outro. Não acha?
- PC! Você está com prestígio, cara!
- Mamãe também recebeu um convite
desses!
- Viu PC! Até a mãe de Lucinha tem prestígio,
viu?
- Chefe! O prestígio é do meu pai!
Mamãe não tem ligação nenhuma com ele, não! Eu falei mamãe, mas veio no nome de
papai!
- Mas mesmo assim, tem prestígio! PC,
até que vai ser uma boa. Você está precisando refrescar essa cabeça. Não vai ter outro momento tão oportuno como
esse. Pelo jeito Lucinha também vai.
- Com certeza! Vou perder uma boca
livre dessas? De jeito nenhum!
- Viu PC? Já tem companhia para a
festa! Vai se divertir, mas pode aproveitar pra fazer a cobertura do evento!
- Trabalhar, chefe?
- Claro! O convite particular é para
você se divertir, mas o da redação é para trabalho! Une o útil ao agradável!
- Tudo bem, chefe! Mas que tá estranho,
tá! Não consegui ainda digerir isso!
Como ele conseguiu se lembrar de mim? Aí está o mistério!
- Essa mania de repórter investigativo!
Então aproveita e investiga a festa! Vê se descobre uma lata de caviar, com ova
de atum! Pode ser que tenha contrabando de uísque paraguaio! Mas esse você
gosta! PC! Deixa de ver chifre em cabeça de cavalo!
- Sacaneia! Sacaneia! Vai que o cara
esteja escondendo alguma coisa, por trás dessa festa? De repente eu descubro...
- Ih! Ih! Vai se preparar para a festa de
sábado, PC! Mas cuidado com o porre!
- Sai do meu pé, Souza! Vamos juntos?
- Estou fora. Tenho coisa mais importante
para fazer. Vai com Marcão. Lucinha você vai encontrar por lá. Sair daqui de
Niterói e atravessar a ponte? Pra quê? Eu quero é sossego!
Continua semana que vem...
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