segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O Catador de Histórias - Parte 4

Continuando...
Fiquei rico com muita corrupção. Muita gente pensa que o corrupto não se envergonha do que faz. E está certo. Mas eu senti um pouquinho de vergonha no início. Acho que ainda não era profissional. O peso na consciência deve ter sido por causa dos meus filhos: o que eles iriam pensar de mim? Não tenho certeza, mas acho que fui o único que teve esse sentimento. O corrupto profissional prepara bem os seus filhos, para, se um dia for pego, não sentirem vergonha dele. Ladrão! Ladrão que se preza, não tem vergonha da sua “profissão!” Ladrão não tem coração? Acertou. Você acha se ele for preso vai mudar? Errou. Ladrão é ladrão para sempre. Ele muda no período que está preso. Fica compenetrado, estudioso... Se prepara para quando sair. Com certeza, já terá em mente um novo grupo para se aliar e dilapidar o país. Nós somos piratas. Os piratas saqueavam e guardavam o fruto do roubo dentro de cavernas, assim relataram alguns escritores, e saiam para roubar mais. Hoje roubamos e guardamos em bancos Suíços e... continuamos roubando. O corrupto de hoje é o pirata de ontem.
           Apontei a arma várias vezes para a minha cabeça, mas não tive coragem na hora h. Então resolvi tirar a minha vida de outra forma. Esse tirar me deu um ânimo maior. Como todo ladrão que se presa, tira alguma coisa de alguém, eu ia roubar a mim mesmo. Preparei um coquetel de substâncias corrosivas, para não deixar dúvida na hora de partir para o outro lado. Quando a palavra partir apareceu, lembrei que ladrão parte, mas não gosta de repartir nada. Desisti também. Resolvi não me matar. E saí para jogar a arma fora.
          Você que achou o revolver, se for ladrão, use-o. Tenha a coragem que eu não tive. Mas não atire na cabeça, encoste a arma no coração e faça um disparo certeiro. Faça um bom proveito. Coragem! Coragem!
          Não vou assinar essa carta. Sabe por quê? Até agora ainda não fui acusado de nada. De repente nem vou ser. Mas vou esperar a poeira baixar um pouco. Quem sabe depois que acabar em pizza essas investigações que estão acontecendo no Brasil, eu pratique mais alguns atos Ilícitos? Eu vejo todo mundo vê, que mesmo depois de presos, corruptos continuam “trabalhando” em prol dos seus bolsos, atrás das grades, que na realidade não os prendem...
          Amigo ou amiga, para nós, os ladrões oficiais, o crime compensa. A prisão é só um resort. É um hotel de cinco estrelas ou mais. Cuidado, isso é só para quem roubou muito. Tem que ser tanto dinheiro, que nem caiba numa conta só! Então fique atento: nunca roube na casa de mil, tem que ser na casa de bi. Se roubar uma galinha na casa do vizinho, a cana pode ser pesada. Não pense em pena, só se for depenar...  os cofres da nação.                  
          Já escrevi muito. Agora tenho que pensar aonde agir. O galinheiro tem que ter ovos de ouro. Tenho que mudar de área. Tenho que descobrir um lugar que seja pouco visado. Sei que é difícil. Todo lado que a gente olha, tem ladrão. Corrupto é que não falta. Tem que chamá-lo de corrupto, porque ele não se sente um ladrão. Corrupto dá status, ladrão é do nível mais baixo de quem vive da arte de surrupiar.
         Tião parou de ler, dobrou a carta e ficou com o olhar perdido no nada. Estava se sentindo estranho. Depois olhou ao seu redor para ver se via algum amigo. Franziu a testa e passou uma ideia pela sua cabeça confusa: - Será que foi algum amigo que colocou aquela arma ali? Podia ser inveja de algum deles. De repente estava querendo tirá-lo do caminho e pegar o seu quadro e as suas poesias e virar poeta e pintor. Não! Isso não pode ser! – resolveu continuar a sua leitura. Abriu a carta, colocou-a na coxa e tentou desamassar um pouco a folha. Recomeçou a ler.
          -Tenha coragem. Acho que estou me dirigindo a um ladrão de quinta categoria. Você sendo um simples ladrão, é fácil dar cabo da sua vida. Não pode deixar chegar ao status de corrupto, pois vai faltar coragem suficiente para apertar o gatilho ou ingerir qualquer substância letal. Vai por mim, não pense duas vezes, atire logo. Ah! Antes que me esqueça, tem mais um envelope no meio dessa quantidade toda de jornal. Esse envelope é interessante. Não quero ser ladrão sozinho... No meu caso, corrupto. Já você, um mero ladrão. Isso caso você não resista, fique com o conteúdo do envelope e queira continuar roubando. Aí a decisão é sua. Por favor, não erre o tiro.   
           Tião não sabia o que pensar daquilo tudo: uma arma e uma carta. Se lembrou de novo que nunca tinha recebido correspondência de ninguém. Estava achando que o destino queria pregar uma peça nele. Como vinha dizendo há alguns dias e fez questão de repetir de novo:- Eu não sou ladrão! Eu não sou ladrão! – mas a dúvida começou a bater fundo. - Ladrão! Ladrão! - Parecia que essa acusação ecoava dentro da sua cabeça.  Era muita coincidência isso tudo cair no seu colo. - O que fazer? – se perguntava. Olhou para o embrulho e começou a remexê-lo. Foi tirando outras folhas de jornal. Parecia que o pacote estava enrolado com mais de dez jornais. Finalmente encontrou outro pacote, bem gordinho. E como era gordinho: devia ter mais de um palmo de altura. Estava mais para outro embrulho do que envelope. A princípio teve vontade de ir rasgando logo, mas depois achou que seria mais prazeroso ir abrindo vagarosamente, domando a curiosidade. Ir até o final, deviria ser como ter um orgasmo. No final não teve o tal orgasmo, mas se urinou todo de emoção. Seus olhos quase saltaram das órbitas. Fechou o envelope rapidamente. Em seguida olhou ao redor, para ver se tinha alguém nas proximidades. Constatou que daquele lado, só tinha ele, o lixo fedorento e aquele misterioso pacote em suas mãos.   Engoliu um pedaço de riso. Na hora não identificou se era de alegria ou ansiedade, ou ainda nervosismo. Sabia que tinha se urinado todo. Nunca tinha sabido de alguém que tenha se urinado de alegria. De medo, sabia de muitos. Mas o que ele tinha visto, só deveria dar alegria. Não sabia ao certo se estava alegre ou com medo. Tentou se controlar. Estava meio confuso. Respirou várias vezes com bastante intensidade. Se tinha ficado calmo, ainda não tinha certeza, entretanto tinha ficado tonto. Esfregou as mãos e foi abrindo novamente o envelope. Dessa vez procurou ir bem devagar. Depois de aberto, ficou admirando o seu conteúdo. Aos poucos um leve sorriso voltou aos seus lábios. Tentou frear a sua emoção, pois tinha medo de encher a sua boca de riso em vão, achando que aquilo podia ser pura ilusão. Olhou bem para se certificar que não era miragem. Alisou o bolo de notas azuis e ficou emocionado. Trocou o sorriso que estava querendo dar às caras, por uma gota de lágrima. As mãos foram ficando cada vez mais trêmulas, enquanto desfolhava o bolo de dinheiro. Parecia que as notas azuis não iam acabar nunca. Depois da última azulzinha, começaram notas verdes. Tinha mais que a azul. Era um dinheiro que ele nunca tinha visto. Pegou uma e ficou tentando ler. Não sabia que dinheiro era. Só foi se ligar, quando encontrou a palavra chave: dólar. Aí pensou cheio de emoção: - Caramba! Acho que tem muita grana aqui! Só tem nota de 100, azul e verde! Acho que tou rico!  Caramba!  Tou rico! – Ele conseguiu se controlar e segurar a euforia na garganta. Ficou algum tempo ainda se abanando com a bolada de dinheiro. Depois, com um olhar de quem está apaixonado, ficou namorando as azuis e verdes. O coração estava disparado. Finalmente a riqueza batia à sua porta. Pegou o bolo de dinheiro e colocou-o no braço, como se estivesse ninando uma criança. Tinha que guardá-lo, mas antes de escondê-lo dentro do embrulho, arrumou o local. Ao passar a mão, apareceu outro papel dobrado: era mais um bilhete. Pegou-o e colocou-o num dos bolsos. Antes de lê-lo, procurou enrolar bem nos jornais, os reais e os dólares. A ansiedade invadiu-o violentamente. Esfregou as mãos e sacou o bilhete do bolso. Abriu-o com as mãos tremendo. Respirou fundo e começou a lê-lo.

          -Bem vindo ao mundo dos ladrões! Ao clube seleto dos corruptos! Viu como estou entusiasmado? E aí, olhou bem para essa pequena fortuna? Essa grana é só para encaminhá-lo ao nosso mundo. Se bem que esse valor é só para servir de estímulo. Não chega nem aos pés de uma propina oficial. Posso até dizer que não passa de uma merreca. Mas para você é um valor considerável, eu sei. Para nós, do clube, só dá para o café da manhã.  Só quero iniciá-lo. Entretanto você tem uma chance de não se sujar: é só ignorar o presente. Mas se aceitar e depois ficar envergonhado, dê um tiro no coração. Eu sei que já está morrendo de amores pelo pacote. Você está com a chance na mão de ser o único corrupto a se arrepender, antes mesmo de entrar de corpo e alma nas grandes propinas. Aproveita o lugar que você está e não deixa que esse vírus contamine você. Acaba logo com ele. É um tiro só e pronto. Se não conseguir, com certeza, vai achar normal subtrair. Esse pouquinho aí pode virar um rombo do tamanho da Petrobras. Então cuidado. Vai por mim e dê um tiro no coração. Isso tem que ser interrompido agora, senão poderá passar para os seus filhos, seus netos e... Não pára nunca. Coragem homem!  
        Continua semana que vem...

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