Fiquei rico com muita corrupção. Muita gente pensa que o corrupto
não se envergonha do que faz. E está certo. Mas eu senti um pouquinho de
vergonha no início. Acho que ainda não era profissional. O peso na consciência
deve ter sido por causa dos meus filhos: o que eles iriam pensar de mim? Não
tenho certeza, mas acho que fui o único que teve esse sentimento. O corrupto
profissional prepara bem os seus filhos, para, se um dia for pego, não sentirem
vergonha dele. Ladrão! Ladrão que se preza, não tem vergonha da sua
“profissão!” Ladrão não tem coração? Acertou. Você acha se ele for preso vai
mudar? Errou. Ladrão é ladrão para sempre. Ele muda no período que está preso.
Fica compenetrado, estudioso... Se prepara para quando sair. Com certeza, já
terá em mente um novo grupo para se aliar e dilapidar o país. Nós somos
piratas. Os piratas saqueavam e guardavam o fruto do roubo dentro de cavernas,
assim relataram alguns escritores, e saiam para roubar mais. Hoje roubamos e
guardamos em bancos
Suíços e... continuamos roubando. O corrupto de hoje é o
pirata de ontem.
Apontei a arma várias vezes para a
minha cabeça, mas não tive coragem na hora h. Então resolvi tirar a minha vida
de outra forma. Esse tirar me deu um ânimo maior. Como todo ladrão que se
presa, tira alguma coisa de alguém, eu ia roubar a mim mesmo. Preparei um
coquetel de substâncias corrosivas, para não deixar dúvida na hora de partir
para o outro lado. Quando a palavra partir apareceu, lembrei que ladrão parte,
mas não gosta de repartir nada. Desisti também. Resolvi não me matar. E saí
para jogar a arma fora.
Você que achou o revolver, se for
ladrão, use-o. Tenha a coragem que eu não tive. Mas não atire na cabeça,
encoste a arma no coração e faça um disparo certeiro. Faça um bom proveito.
Coragem! Coragem!
Não vou assinar essa carta. Sabe por
quê? Até agora ainda não fui acusado de nada. De repente nem vou ser. Mas vou
esperar a poeira baixar um pouco. Quem sabe depois que acabar em pizza essas
investigações que estão acontecendo no Brasil, eu pratique mais alguns atos
Ilícitos? Eu vejo todo mundo vê, que mesmo depois de presos, corruptos
continuam “trabalhando” em prol dos seus bolsos, atrás das grades, que na
realidade não os prendem...
Amigo ou amiga, para nós, os ladrões
oficiais, o crime compensa. A prisão é só um resort. É um hotel de cinco
estrelas ou mais. Cuidado, isso é só para quem roubou muito. Tem que ser tanto
dinheiro, que nem caiba numa conta só! Então fique atento: nunca roube na casa
de mil, tem que ser na casa de bi. Se roubar uma galinha na casa do vizinho, a
cana pode ser pesada. Não pense em pena, só se for depenar... os cofres da
nação.
Já escrevi muito. Agora tenho que
pensar aonde agir. O galinheiro tem que ter ovos de ouro. Tenho que mudar de
área. Tenho que descobrir um lugar que seja pouco visado. Sei que é difícil.
Todo lado que a gente olha, tem ladrão. Corrupto é que não falta. Tem que
chamá-lo de corrupto, porque ele não se sente um ladrão. Corrupto dá status,
ladrão é do nível mais baixo de quem vive da arte de surrupiar.
Tião parou de ler, dobrou a carta e
ficou com o olhar perdido no nada. Estava se sentindo estranho. Depois olhou ao
seu redor para ver se via algum amigo. Franziu a testa e passou uma ideia pela
sua cabeça confusa: - Será que foi algum amigo que colocou aquela arma ali?
Podia ser inveja de algum deles. De repente estava querendo tirá-lo do caminho
e pegar o seu quadro e as suas poesias e virar poeta e pintor. Não! Isso não
pode ser! – resolveu continuar a sua leitura. Abriu a carta, colocou-a na coxa
e tentou desamassar um pouco a folha. Recomeçou a ler.
-Tenha coragem. Acho que estou me
dirigindo a um ladrão de quinta categoria. Você sendo um simples ladrão, é
fácil dar cabo da sua vida. Não pode deixar chegar ao status de corrupto, pois
vai faltar coragem suficiente para apertar o gatilho ou ingerir qualquer
substância letal. Vai por mim, não pense duas vezes, atire logo. Ah! Antes que
me esqueça, tem mais um envelope no meio dessa quantidade toda de jornal. Esse
envelope é interessante. Não quero ser ladrão sozinho... No meu caso, corrupto.
Já você, um mero ladrão. Isso caso você não resista, fique com o conteúdo do
envelope e queira continuar roubando. Aí a decisão é sua. Por favor, não erre o
tiro.
Tião não sabia o que pensar daquilo
tudo: uma arma e uma carta. Se lembrou de novo que nunca tinha recebido
correspondência de ninguém. Estava achando que o destino queria pregar uma peça
nele. Como vinha dizendo há alguns dias e fez questão de repetir de novo:- Eu
não sou ladrão! Eu não sou ladrão! – mas a dúvida começou a bater fundo. -
Ladrão! Ladrão! - Parecia que essa acusação ecoava dentro da sua cabeça. Era muita coincidência isso tudo cair
no seu colo. - O que fazer? – se perguntava. Olhou para o embrulho e começou a
remexê-lo. Foi tirando outras folhas de jornal. Parecia que o pacote estava
enrolado com mais de dez jornais. Finalmente encontrou outro pacote, bem
gordinho. E como era gordinho: devia ter mais de um palmo de altura. Estava
mais para outro embrulho do que envelope. A princípio teve vontade de ir
rasgando logo, mas depois achou que seria mais prazeroso ir abrindo
vagarosamente, domando a curiosidade. Ir até o final, deviria ser como ter um
orgasmo. No final não teve o tal orgasmo, mas se urinou todo de emoção. Seus
olhos quase saltaram das órbitas. Fechou o envelope rapidamente. Em seguida
olhou ao redor, para ver se tinha alguém nas proximidades. Constatou que
daquele lado, só tinha ele, o lixo fedorento e aquele misterioso pacote em suas
mãos. Engoliu um
pedaço de riso. Na hora não identificou se era de alegria ou ansiedade, ou
ainda nervosismo. Sabia que tinha se urinado todo. Nunca tinha sabido de alguém
que tenha se urinado de alegria. De medo, sabia de muitos. Mas o que ele tinha
visto, só deveria dar alegria. Não sabia ao certo se estava alegre ou com medo.
Tentou se controlar. Estava meio confuso. Respirou várias vezes com bastante
intensidade. Se tinha ficado calmo, ainda não tinha certeza, entretanto tinha
ficado tonto. Esfregou as mãos e foi abrindo novamente o envelope. Dessa vez
procurou ir bem devagar. Depois de aberto, ficou admirando o seu conteúdo. Aos
poucos um leve sorriso voltou aos seus lábios. Tentou frear a sua emoção, pois
tinha medo de encher a sua boca de riso em vão, achando que aquilo podia ser
pura ilusão. Olhou bem para se certificar que não era miragem. Alisou o bolo de
notas azuis e ficou emocionado. Trocou o sorriso que estava querendo dar às
caras, por uma gota de lágrima. As mãos foram ficando cada vez mais trêmulas,
enquanto desfolhava o bolo de dinheiro. Parecia que as notas azuis não iam
acabar nunca. Depois da última azulzinha, começaram notas verdes. Tinha mais que
a azul. Era um dinheiro que ele nunca tinha visto. Pegou uma e ficou tentando
ler. Não sabia que dinheiro era. Só foi se ligar, quando encontrou a palavra
chave: dólar. Aí pensou cheio de emoção: - Caramba! Acho que tem muita grana
aqui! Só tem nota de 100, azul e verde! Acho que tou rico! Caramba! Tou rico! – Ele conseguiu se controlar
e segurar a euforia na garganta. Ficou algum tempo ainda se abanando com a
bolada de dinheiro. Depois, com um olhar de quem está apaixonado, ficou
namorando as azuis e verdes. O coração estava disparado. Finalmente a riqueza
batia à sua porta. Pegou o bolo de dinheiro e colocou-o no braço, como se
estivesse ninando uma criança. Tinha que guardá-lo, mas antes de escondê-lo
dentro do embrulho, arrumou o local. Ao passar a mão, apareceu outro papel
dobrado: era mais um bilhete. Pegou-o e colocou-o num dos bolsos. Antes de
lê-lo, procurou enrolar bem nos jornais, os reais e os dólares. A ansiedade
invadiu-o violentamente. Esfregou as mãos e sacou o bilhete do bolso. Abriu-o com
as mãos tremendo. Respirou fundo e começou a lê-lo.
-Bem vindo ao mundo dos ladrões! Ao
clube seleto dos corruptos! Viu como estou entusiasmado? E aí, olhou bem para
essa pequena fortuna? Essa grana é só para encaminhá-lo ao nosso mundo. Se bem
que esse valor é só para servir de estímulo. Não chega nem aos pés de uma
propina oficial. Posso até dizer que não passa de uma merreca. Mas para você é
um valor considerável, eu sei. Para nós, do clube, só dá para o café da
manhã. Só quero iniciá-lo. Entretanto
você tem uma chance de não se sujar: é só ignorar o presente. Mas se aceitar e
depois ficar envergonhado, dê um tiro no coração. Eu sei que já está morrendo
de amores pelo pacote. Você está com a chance na mão de ser o único corrupto a
se arrepender, antes mesmo de entrar de corpo e alma nas grandes propinas.
Aproveita o lugar que você está e não deixa que esse vírus contamine você.
Acaba logo com ele. É um tiro só e pronto. Se não conseguir, com certeza, vai
achar normal subtrair. Esse pouquinho aí pode virar um rombo do tamanho da
Petrobras. Então cuidado. Vai por mim e dê um tiro no coração. Isso tem que ser
interrompido agora, senão poderá passar para os seus filhos, seus netos e...
Não pára nunca. Coragem homem!
Continua semana que vem...
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